MINHA CONTURBADA CONSCIÊNCIA. INT. DIA.
Som in-off do interfone tocando.
Dirijo-me, subjetivo, até a porta.
Uma mulher qualquer:
- Leia Mateus 22:14.
E pronto. Nada mais. Foi-se desta forma, causal.
A Causalidade pressupõe a multiplicidade do ser assim como o movimento originário da relação entre os seres. Aristóteles apresenta como objetivo principal da ação a melhoria do ser, considerando-a como força capaz de gerir o movimento. Em outras palavras, ele a compreende como princípio motivador do movimento para o alcance da felicidade.
No ponto chegou 2214: o ônibus.
Ali dentro, felicidade não se encontra em versículos. Ali, Deus é valor de troca, moeda sem câmbio suficiente para pagar o tempo entre o giro da roleta e o sinal de desembarque. Isso por que todo mundo precisa acreditar em alguma coisa além da materialidade.
Felicidade, por exemplo, não se compra, dizem. Logo, não é material.
Como Deus ela é invisível, não se toca.
Sendo assim, o motivo fundamental da ação é alcançar valores utópicos. Aristóteles sabia bem que o objetivo final de qualquer ação é algo que não pode ser alcançado materialmente por que reside no mundo das idéias, são valores ou sensações abstratas como paz, amor, serenidade, Deus, felicidade... Considerando que todo material ambicionado é uma ponte de acesso a esse tipo de sensações e valores.
No final das contas, o ser humano é pura endorfina.
No entanto, para poder visualizar e idealizar a conquista dos seus sonhos, o ser humano precisa de contato direto com seu mundo concreto e real e que ele seja por si só a ação, ou seja, a força capaz de manter o ser humano permanentemente em estado de vigília e movimento. Desta maneira, o mundo real e concreto torna-se auto-suficiente na sua funcionalidade por que conta com a causalidade; neste mundo permanecemos constantemente em contato com o assassinato, o terrorismo, o extermínio, a xenofobia, a peste, a guerra... valores que dependem da materialidade para existir; valores cuja causalidade nos permite contemplar e desejar o seu oposto complementar no mundo das idéias.
Então, disto concluímos:
É necessário que o mundo se mantenha permanentemente desordenado e caótico para que os seres humanos continuem tentando consertá-lo, e que nisto eles encontrem a razão de sua existência.
Paradoxo da Impossibilidade: A guerra é irreversível e incontornável. Num mundo no qual pais defenestram seus filhos, a paz é uma reação química.
Seguindo esta mesma linha comparativa, mas transferindo do universo macro para o universo micro: o corpo de um indivíduo só é impelido a agir para alcançar um determinado objetivo por ele idealizado se mantido em estado perene de tensão e incômodo.
Nós, pesquisadores agrupados do Núcleo Obscena, possuímos como objetivo idealizado experimentar Um Modelo Não Representacional Para o Ator Contemporâneo. E para tal, contamos com a dissertação de mestrado de Merle Ivone Barriga sobre este assunto como material de embasamento teórico.
No entanto, o que no universo macro é conquistado através da causalidade, no universo micro só pode ser conquistado através do esforço. A Causalidade só é generosa conosco até um determinado momento, a partir dele é necessário que se produza algo para gerar outras causalidades. É como engravidar alguém: se vai ser menino ou menina é causal, mas para que isto seja possível é necessário que a porra seja produzida.
O conteúdo teórico de uma pesquisa, além de não invadir casualmente o intelecto de ninguém não produzirá nada se não houver o mínimo de esforço e rigor diante de sua expressão material. O estado perene de tensão e incômodo capaz de detonar o combustível que alimenta nossa pesquisa só pode ser produzido individualmente. E isso quer dizer que eu posso e devo me sentir no direito de, por efeito de causa e conseqüência, cobrar por ele.
O mínimo de esforço pode esclarecer, por exemplo, que a critério de diferenciação nós lidamos com dois tipos de modelos para o ator: um não-representacional e outro representacional. De acordo com a lógica de meu raciocínio, se um pesquisador diz que não se interessa pelo modelo não representacional, logo ele se interessa pelo outro... e logo, eu não entendo por que ele está integrando este Núcleo.
O mínimo de esforço pode esclarecer, por exemplo, que a critério de diferenciação, “não-representacional” é um modelo e “épico” é gênero. E se um pesquisador diz que não se interessa pelo “não-representacional”, mas sim pelo “épico” logo eu entendo que ele não entende por que está integrando este Núcleo.
O gênero pode estar incluso no modelo, mas não servirá de nada se o modelo não for perseguido com ele. O épico não vale nada para nós se for entendido isoladamente. Deixa de fazer parte da pesquisa para se tornar um mero fetiche, como o necrófilo que vai ao buteco para sanar sua libido obscura tomando uma loira, gelada.
O Núcleo Obscena não é um espaço de exacerbação de fetiches e vaidades. Para isso existem as prostitutas e os vídeos pornográficos. Eu espero que permaneçam aqui pesquisadores sérios e rigorosos com suas pesquisas e, antes de tudo, pesquisadores esclarecidos de suas pesquisas. E se nós somos vetores da causalidade, que ela nos leve a um abismo de dúvidas e não a um córrego de certezas.
Em hipótese alguma deixarei de chamar atenção, fazer cobranças e alfinetar o trabalho alheio; e espero dos demais que façam o mesmo comigo.
Se o objetivo final de minhas ações como pesquisador é a experiência de um ideal. E se ideais são figuras de linguagem abstratas conquistadas através de derramamento de sangue: patrocinarei a guerra.
“Por que são muitos os chamados, e poucos os escolhidos” – Mateus, 22:14.
FADE-OUT.
Fim
2 comentários:
Moacir,
muito bom o teu relato, se não estou enganado vc fala da necessidade de se tirar o corpo de um certo conformismo ( olha a forma aí )e deixá-lo numa outra zona de percepção, é isso? Ter um olhar atento e perceptivo sobre o corpo? Vc falava de corpo neutro, quase branco, sem significações pré estabelecidas..... fiquei pensando no conceito de '' corpo vibrátil '' da Lygia Clark, vc já ouviu falar dela?
Outra questão : no final do teu relato vc faala que teu objetivo de pesquisador é viver a esperiência de um ideal. Vc poderia falar mais disso? achei interessante e queria te provocar te pedindo mais explicações.
Aguardo vc,
Clóvis.
Clóvis, querido, a forma me perturba. Esta é a minha realidade atual como criador, talvez por vir de um histórico de criações rebuscadas e barrocas como diretor universitário. A forma viciada adoece o corpo e a investigação... vislumbro no "nada" uma potência para um "corpo absoluto", revestido somente pelo acaso. Já ouvir falar de Lygia e me me interesso bastante por esse material. Você tem?
E sobre a experiência do ideal: provocação aceita, também sinto necessidade de falar mais sobre isso. Vou escrever mais, quero utilizar o espaço do blog para escrever coisas além dos relatórios. E provocações como a sua são ótimos estimulantes. Precisamos mais disso, por parte de todos.
Até breve.
Moacir.
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