agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

sábado, dezembro 22, 2012

Poéticas da Proximidade: Performance e Direitos Humanos



Evento: Marcha pelo Dia Internacional da Mulher
Foto de Thiago Franco


A participação do OBSCENA na Manifestação NÓS DA PAZ me lembrou uma série de eventos estético-políticos e ações individuais, os quais nos associamos nesse ano. As relações entre Performance (incluindo aí a intervenção urbana) e Direitos humanos há muito tempo vem se tornando um dos lugares de interesse dos pesquisadores obscênicos.

Sempre tivemos o desejo de compartilhar nossas “ações artísticas indignadas” bem próximas dos espaços e pessoas da cidade. Uma ação artística é antes de tudo uma ação política. Uma tentativa de provocação e diálogo. Política e poética da Proximidade, no corpo a corpo mesmo, no encontro e até no confronto, quando necessário.

Alguns eventos tentam mobilizar as pessoas pelas redes virtuais (e conseguem), mas somente acredito nas manifestações encarnadas e presentificadas. Mesmo com a participação de poucas pessoas. Estar conectado é diferente de estar engajado. Acho muito pouco “curtir” (como acontece no Facebook), para mim é preciso discutir, intervir, participar e somar as ideias de um movimento ou manifestação através da presença de um corpo engajado. Mas quem “curte” não necessariamente declara que estará presente. Trata-se de algo bem complexo! E somos livres para curtirmos ou não as coisas. Mas voltemos ao que me interessa.

Gosto muito de pensar a arte como “exercícios de proximidade”. No caso do Obscena, proximidade com as questões da cidade e seus problemas. Proximidade com as cores, formas, sons e cheiros que compõem a urbe. Proximidade com os transeuntes como co-autores de nossas proposições e experimentações. Proximidade com as arquiteturas e construções públicas.  A cada percurso num lugar da cidade: desejo de proximidade e descoberta de uma “próxima cidade”. O espaço nunca está pronto, é feito e refeito o tempo todo por um conjunto de linhas de forças humanas, materiais, discursivas e sociais. Para BAUMAN (2004:116):

“As expressões imediatas da vida são disparadas pela proximidade, ou pela presença imediata de outro ser humano – fraco e vulnerável, sofrendo e precisando de auxílio. Somos desafiados pelo que vemos. E desafiados a agir – a ajudar, defender, trazer alívio, curar ou salvar” (“Amor Líquido – Sobre a fragilidade dos laços humanos”).

Os relatos de pesquisa do agrupamento no blog e redes sociais são também formas de Proximidade com pessoas, artistas e estudiosos. A produção e publicação de textos e imagens, algumas vezes, geram comentários e possibilidades de ampliação da rede colaborativa. Um lugar para estudos e troca de contatos e informações.  Aproveito (nessa minha última publicação do ano) para agradecer a nossos leitores, comentadores, seguidores e colaboradores pela manutenção dessas teias criativas e cooperativas.

E também saudar a proximidade e contaminação artísticas que aconteceram esse ano com variadas pessoas e coletivos artísticos como o N3PS, LARANJAS PODRES PERFORMÁTICAS, LIQUIDA AÇÃO, THISLANDYOURLANDY, QUANDO COISA, TeiaMUV etc.

Termino essa postagem destacando mais imagens de manifestações e ações que contaram com nossa adesão, inflama AÇÃO e nossa proximidade. Elas estão principalmente vinculadas à luta e respeito pelos Direitos Humanos. Convidados a agir: agimos, agitamos e agenciamos.

   
            
 Evento: Preconceito Zero
Ação: Irmãos Lambe-Lambe
Foto de Whesney Siqueira


 Evento: Humanize uma Pedra
Ação: Irmãos Lambe-Lambe
Foto de Whesney Siqueira


 Dia Internacional da Prostituta
Ação: Salve Padilha
Foto de Clarissa Alcantara


 Manifestação pelos índios Kaiowás
Ação: Espaço do Silêncio
Foto de Whesney Siqueira




terça-feira, dezembro 18, 2012

Heitor e as cartas coloridas

Fiquei emocionado ao saber que algumas de minhas cartas escritas para a participação do Obscena na Manifestação NÓS DA PAZ (ocorrida no último sábado) foram entregues às pessoas na Praça da Liberdade pelas mãos de uma criança. Heitor, 07 anos, sobrinho de Nina Caetano, performou como manifestante e entregador de mensagens.


Foto de Juliana Barreto


O interessante é que em minhas cartas para a ação CIDADE DOS AFETOS, escrevi que a cidade sofria de "Adultorexia" e havia perdido sua dimensão lúdica e brincante, por isso precisava de remédios, policiamento e orações. E também propus um ritual de cura (influência direta de uma ação proposta por Saulo Salomão nesse ano), na verdade uma mudança de atitudes e comportamentos por cada um de nós: como conversar  com as pessoas, abraçar crianças e praticar pequenas sutilezas e gentilezas urbanas/humanas.

Eu mal poderia imaginar que seria uma criança a responsável pela circulação de meus textos. São "nós" que foram se juntando e que para mim ampliam a potência dessa ação/intervenção. Outro pedaço curioso disso tudo: quando segurei os envelopes coloridos, meu corpo teve uma enorme vontade de brincar. Corpopensamento. Corpoacontecências. Depositei os envelopes no chão e fui inventando formas, trajetórias e cruzamentos para aquelas cartas de um baralho agora infantil. Um delicioso jogo de criar e montar desenhos. Até que resolvi fotografar essas criações, essas "creanças".

Dias depois, quando fui publicar tais imagens no blog, lá vieram mais brincadeiras: a cada imagem eu criava pequenas frases. Pareciam propagandas e manifestos num convite à construção de uma Cidade dos afetos. E à apropriação dessa arquitetura do Humano. A cidade somos nós! Um "devir-criança" já aparecia ali também. O tempo todo vivi um processo lúdico até as cartas encontrarem o menino performer. Será que as afetações do meu corpo ao brincar com as cartas deixaram nelas uma infância virtualizada? Que magia será essa? Será a força do acaso ou a beatitude dos acontecimentos? Ou os dois? Ou nenhum dos dois?

Agora desejo aproximar a criança com o artista. Posso? Vamos lá: espírito de liberdade e transgressão, presença, entrega, intuição, sensação, caos, imaginação, curiosidade, perigo, inquietude, experimentação e coragem para abraçar e tentar transformar o mundo como se ele fosse uma caixinha de papelão. Ainda existem crianças e artistas desse jeito? Sim. Heitor me confirma isso.

Eu brinquei. Heitor brincou? Espero que a cidade brinque! E pense na importância dessa mobilização realizada. Quando brincamos, celebramos o encontro coletivo e fazemos paz. Bom mesmo é brincar junto. Como no Obscena. Como nossas ações poético-urbanas no espaço público. Alteridades reconhecidas. Arte e vida partilhadas. Brincadeira também é coisa séria.

sábado, dezembro 15, 2012

NÓS DA PAZ: DE BRAÇOS ABERTOS PARA A CIDADE

É hoje o dia!!!
A cidade abraçada, ocupada e vivenciada com desejos e "nós" de uma cultura de PAZ!
Uma cidade mais humanizada é o que todos nós queremos!
Na Praça da Liberdade, de 10 às 13h: encontros, vozes, corpos, cores e formas de manifestAÇÃO!



sexta-feira, dezembro 14, 2012

Cartas - Desenhos/Desejos para a Manifestação NÓS DA PAZ

Depois que escrevi minhas cartas e as coloquei em envelopes coloridos, comecei a brincar/jogar com formas, cores, textos e espacialidades. Criando pequenas instalações. Pensando nos espaços da cidade e projetando desenhos e desejos com tijolos de afeto. Juntando esses tijolos fui descobrindo pequenos "nós" para falar de NÓS!

Seguem abaixo minhas pequenas invenções para um ato tão importante e grandioso: a MOBILIZAÇÃO COLETIVA DOS MORADORES DE BELO HORIZONTE POR UMA CULTURA DA PAZ!

 Adicione cor à cidade

 Some forças, desejos e nós


 Dance na faixa de pedestre


 Edifique espaços mais coloridos


 Encontre as pessoas. Se misture!


Passeie pelos espaços da cidade

quinta-feira, dezembro 13, 2012

Manifestação NÓS DA PAZ

Nesse sábado, dia 15, na Praça da Liberdade, de 10 às 13h acontecerá a Manifestação NÓS DA PAZ.




Um encontro para se tecer coletivamente os "nós" de desejos para uma cidade mais humanizada e cidadã. A construção de uma Cultura da Paz depende da mobilização de todos nós! É preciso lutarmos por uma mudança contra a brutalização do cotidiano no qual vivemos no espaço público.

O Obscena vai participar dessa intervenção estético-política com a criação e realização da ação CIDADE DOS AFETOS, um conjunto de cartas escritas por muitos de nós para os moradores da cidade.

Em minha carta escrevi: "Praticar gentilezas urbanas diminui o risco de violência".

POR UMA CIDADE DA PAZ!!!


terça-feira, dezembro 11, 2012

IMAGINE

Imagine: All the people living for today... Não, imagine só, viva o agora... Sábado, na Gruta!, o Obscena agrupamento misturado com Marcelo Veronez e Milena Torres em um pocket show performático, poético/sonoro, feito na vontade de se fazer, de se viver o que já era desejo, que já acontecia em outros nichos sutis de sensações. Ultrapassou fronteiras, quebrou demandas, expectativas e mexeu comigo antes, durante e depois. Foi um show de encontros de passagem, como o nome da casa que nos abrigou. A primeira semana de dezembro começa quente, cansativa, muito pesada, por causa de todo o fluxo deste ano de 2012 - não consigo me desvencilhar do calendário chinês, por conta desta relação com o ícone, signo, símbolo, do réptil mágico, associado a este ano - a MACUMBA começou! De repente nos vimos tomados por oxum,mãe d'água, e a coisa começou a fluir, as ideias surgiram e algo novo se deu entre aquelas pessoas zumbis, o calor do final de semana foi memorável, que decidiam se usavam uma carta de caio fernando abreu ou se eu tomava coragem para ler elisa lucinda - pau feliz-, a todos que estavam, ali, a nos olhar com olhares curiosos, felizes, iluminados - por ver aquele tanto de pessoa em cima de uma palco e que ficou pequeno. Tantos energias que vibravam com aqueles corpos, dispostos, que cantavam junto, dançavam e celebravam, rindo por não acreditar em nossas provocações. Puta que pariu, que pau duro! E só de lembrar de Milena lendolinda seu poema, de forma tão doce e singela, falando de verdade, do coração, coisas nuas, suas, de você, que me lê! Coisas que são comuns a todos... Impressionante como é a mistura de poesia e música, como é gostoso dançar poesia e cantá-la como música. O Marcelo Veronez e sua agilidade em pegar tudo rapidamente. Chegou em pouco tempo já estava com todo o roteiro cantando e dançando. Enfim, tudo o que nos aconteceu foi maravilhoso, conseguimos fazer com que tudo fosse feito de forma leve e despretensiosa, lindo de ver todos, fiquei muito feliz de fazer parte de uma rede que possui pessoas tão amáveis e carinhosas, amigáveis e queridas. Fico feliz de agenciar estes encontros maravilhosos, que são de passagem só por causa da casa de passagem, que é tão deliciosa. Pois amores, afetos e carinhos são para sempre e como diz uma grande amiga: "Delícias podem todos os dias!" Deliciem-se!

sábado, dezembro 08, 2012

A Dança que pensa a cidade - uma conversa com Lia Rodrigues



Entrevista realizada por Clóvis Domingos no Teatro Klauss Vianna durante o FID (2012) no dia 27 de Outubro, antes da segunda apresentação do espetáculo PIRACEMA (Piracema é o nome dado ao período de desova dos peixes quando eles sobem os rios até suas nascentes para desovar. O termo tem origem na língua tupi e significa "saída de peixe", através da junção dos termos pirá:"peixe" e sem "sair"), o mais novo trabalho da Lia Rodrigues Cia de Danças (RJ) criada em 1990. Nessa entrevista para mim ficou a certeza de que a dança, entre outras manifestações artísticas, pode pensar nossa relação com os espaços da cidade.

- O meu interesse atual sobre teu trabalho é a temática que vejo em seus espetáculos, que é de “como vivermos juntos”. Isso aparece em POROROCA, de 2009, que assisti em Agosto no Teatro Sérgio Porto esse ano; e agora em PIRACEMA (2011), apresentado no FID. POROROCA é um cardume de peixes-bailarinos ruidosos, solares, com corpos explodindo no encontro com a diferença e com o outro. Ontem, ao assistir PIRACEMA, senti uma atmosfera mais lunar e melancólica, uma tristeza de nos pensarmos tão solitários, realizando cada um sua coreografia pessoal, mas todos tentando sobreviver e lutando para resistir. Há um momento no espetáculo em que uma bailarina canta “é impossível ser feliz sozinho”. É nisso que você acredita quando decide trabalhar colaborativamente com seus bailarinos e quando se muda para a Favela da Maré (conjunto de comunidades populares na cidade do Rio de Janeiro)? 

Lia: Eu acho que isso são escolhas de vida. Eu posso conversar isso com você de uma forma mais pessoal, claro, mas eu tenho já um tempo de vida, tenho 57 anos e é claro que durante esse tempo todo eu aprendi algumas coisas e tive algumas experiências na vida e no trabalho. Para mim é muito importante trabalhar junto, com, isso faz parte da minha escolha. É uma escolha. Não que a gente não possa ser feliz... Pessoas podem ser felizes sozinhas. Mas para mim quando meu trabalho fica mais legal é quando estou trabalhando junto com as pessoas. Quando a gente está junto com alguém. Então na relação com os bailarinos, por exemplo, é com meu encontro com eles e com o que eles são, é que se vai produzir uma terceira coisa. E eu acho que meu encontro com a Maré é também assim. E o outro é sempre diferente. E tem uma expressão que eu acho legal: “a gente tem que outrar”. A gente tem que virar o outro. Não virar o outro totalmente, mas olhar para a diferença e achar uma coisa que às vezes não combina, mas não faz mal, a gente está junto mesmo sem combinar, não precisa ser igual. Não dá para ser igual.

 Espetáculo "Pororoca". Foto de Sammi Landweer


 Espetáculo "Piracema". Foto de Sammi Landweer


No agrupamento OBSCENA, do qual sou pesquisador, investigamos as questões do espaço público, seus usos e proibições e a alteridade banalizada que vivemos hoje. A cidade se transformou num lugar de passagem e não mais de possibilidades de encontros e trocas humanas. Estamos ocupando o mesmo espaço, como em PIRACEMA, mas não estamos juntos de fato. Como provocar uma POROROCA (A palavra pororoca é de origem tupi e significa estrondo forte e barulho da natureza. A pororoca é um fenômeno natural que ocorre quando há o encontro entre as águas de um grande rio com as águas do oceano)  na cidade?

Lia: Ih, gente, sabe que eu não tenho a menor ideia. Não sei. Eu acho que talvez a gente pudesse pensar que cada um já provocando umas pororocas, várias pororocas fazem uma “pororocona”, um “pororocão”. Talvez a gente possa pensar cada um como que a gente provoca essa utilização diferente do espaço público, como é que a gente se provoca a si próprios também, na relação com o outro principalmente, nas posições que a gente toma quando faz escolhas, quando a gente vota, mas quando a gente escolhe onde dançar, por que dançar e como dançar. Eu falo dançar, mas pode ser performar, se você quiser, né? É difícil falar, tem tantas pessoas que a gente admira realmente, pessoas que se dedicam a essa questão, eu me sinto pouco preparada para responder essa sua pergunta, para dar uma resposta de alguma coisa que eu pudesse fazer. Mas dentro do que eu faço eu procuro pensar sobre essas coisas e estar com pares que pensam sobre isso também.

3  - Numa visada de tuas obras coreográficas parece-me que teu trabalho é sempre um estudo sobre o corpo. Uma desconstrução de um corpo dado como forma definitiva e “vestido” pela cultura, para reconstruí-lo em “FORMAS BREVES” (2002), um corpo “ENCARNADO” (2005), nos revelando “AQUILO DE QUE SOMOS FEITOS” (2000). Tua dança para mim é sempre um convite a um exercício de deslocamento da percepção do corpo. O Hans-Thies Lehmann, no livro “Teatro Pós Dramático”, afirma que o político na cena hoje é o “político da percepção”.  Isso dialoga com o que você busca em seu trabalho artístico?

Lia: Eu acho que sim. Eu achei muito bonito o seu texto. Eu acho que seu texto é uma visão que eu fico assim comovida de pensar que você se dedicou um tempo a pensar sobre o que eu produzo. Isso é sempre para mim uma coisa muito importante. Eu fico sempre admirada: nossa! Alguém está pensando sobre aquilo que eu fiz... Que coisa! A gente não tem muita essa noção assim... A gente tem tantas coisas que nos ocupam a cabeça, coisas cotidianas, então às vezes é difícil, às vezes dá uma solidão. Então é muito bacana pensar que tem alguém pensando sobre o que você faz. Eu acho que assim, o Jacques Rancière que fala da “partilha do sensível”, que a política está nesse lugar. Isso que você falou me lembrou essa questão: como a gente partilha um outro lugar e  que essa partilha dessa sensibilidade é que é uma questão política. Não sei falar muito bem sobre isso, mas eu percebo assim o que você me falou.

4  - Seu próximo trabalho será mesmo PINDORAMA para completar a Trilogia das Águas? Começa quando o processo de criação?

Lia: Eu acho que não existe uma coisa que começa porque a gente está sempre pensando. Estou sempre pensando sobre o que produzo, produzi e para onde eu vou. Então já comecei muito tempo lá trás quando eu fiz PIRACEMA, POROROCA, FORMAS BREVES, eu já estava pensando sobre isso, eu não tenho um momento. Tem um momento onde as coisas tomam uma forma que a gente apresenta, que a gente põe no mundo, né? Mas eu acho que eu tô elaborando há muito tempo e pensando: será que é uma trilogia? Não, eu não quero que seja uma coisa que encerra, eu gostaria que fosse uma coisa que me catapultasse para um outro lugar. Então quando eu falo tríptico eu gosto mais, porque essa ideia de trilogia dá uma ideia de uma coisa que fecha, são essas três... E eu gostaria de pensar no PINDORAMA, que na verdade é o nome que os índios chamavam o Brasil antes dos portugueses, é terra das Palmeiras. E não é aquático isso, mas eu gosto muito do nome. Adoro essa história de PPP, gosto que seja nome de raiz tupi, eu acho tudo isso bonito, a sonoridade é bonita. Eu acho lindo, mas assim, eu acho que vai se chamar PINDORAMA, mas pode ser que mude, e eu já estou pensando nele (esse espetáculo) desde sempre, digamos assim.

5 - Fico impressionado como você com a tua arte pensa e repensa o Brasil. Assisti ao vídeo de FOLIA (1996) na FIDOTECA e fiquei encantado com a força da cultura popular. Percebo também que a maioria dos seus espetáculos trata de nosso país. O pesquisador em Artes Cênicas Rodrigo Garcez chama de “antropofagia nômade” a ética do teu fazer artístico. Como você consegue ser tão local e global ao mesmo tempo e fazer uma arte mestiça?

 Lia: Eu sei que é o jeito que você olha o meu trabalho. O que ilumina o meu trabalho. Mas eu não penso sobre isso assim. Mas na verdade eu penso porque eu leio sobre isso. Então as coisas vão encarnando, para usar a metáfora do ENCARNADO. O fato de eu estar nessa escolha de estar com a Cia na Maré, também isso muda o meu trabalho. Mas eu não sei te dizer: ah, muda assim, mas eu estou lá há nove anos. O meu interesse pela cultura brasileira é desde lá de FOLIA, antes de FOLIA, então eu acho que talvez de alguma forma as pessoas que eu admiro e que pensam o Brasil, o Darcy Ribeiro e outros tantos, o Mário de Andrade. O FOLIA é totalmente ligado ao Mário de Andrade, e tantas outras pessoas que eu adoro ler, eu acho que talvez isso me alimente de alguma forma e eu fico feliz que isso possa aparecer. Porque eu acho legal, eu penso sobre isso, é uma questão para mim.

sábado, dezembro 01, 2012

AMOREXIA



AMOREXIA – um sintoma performático



Há alguns anos venho pesquisando e experimentando o que chamo de “trabalhos de escuta em exercícios de criação performática”. Em 2007 surgiram: “Fécondation” (Fribourg, Suíça), “ROL” (Ufop, Ouro Preto) e “Se você me abrisse” (Mostra NODO, Ufop).

Já em 2008 realizei junto ao agrupamento Obscena “Escuto histórias de dor e amor” (Belo Horizonte) e em 2009 “Diz-ritmia” (Festival de Teatro de Juiz de Fora). Desde 2011, em parceria com o pesquisador Leandro Acácio, realizamos a ação poético-urbana “Irmãos Lambe-Lambe”, nas ruas de Belo Horizonte. Ação de fotografar e escutar as narrativas dos transeuntes e moradores. Uma clínica da rua. O que escutamos e conversamos se transforma numa carta, que depois é enviada à pessoa juntamente com a fotografia revelada.

No mês passado aproveitei a visita de uma querida amiga de São Paulo e experimentamos pela primeira vez o trabalho “Amorexia”. Mais uma ação de escuta e encontro.

ANOREXIA: distúrbio alimentar que pode causar diversos problemas fisiológicos e psíquicos. Preocupação exagerada com o peso corporal. Dificuldade de se alimentar.

AMOREXIA: invenção artística. Pretexto para falar da vida. Desculpa para celebrar encontros. Possibilidade de ritualizar vivências. Experiência de falar de amor. Será que a dor vai ficar magrinha depois? Uma escuta performática.

DADOS:

LOCAL DA CONSULTA: domiciliar, parte interna. Minha amiga escolheu a cozinha.
RELAÇÃO: íntima, próxima, o verbo é “outrar”.
CENÁRIO: cadeira.
ELEMENTOS: balde com água morna; sal grosso, perfume; lanterna ou velas; aparelho de som; CDs e toalhas limpas.
TEMPO DE DURAÇÃO: variável, livre, indeterminado.
O QUE PODE ACONTECER: encontro, relato, memória, escuta, esquecimentos, ficções, acasos, performance, choro, risos, silêncios e surpresas.
INDICAÇÃO: Amorfina é para vidas amorfas! Amorexia já!
(A ação foi realizada em minha casa à noite. Minha amiga me relatou momentos fortes e depois fui preenchendo o seu prontuário performático).

PRONTUÁRIO POÉTICO PERFORMÁTICO (PPP):

NOME: Dolorida
ESTADO EMOCIONAL: Desiludida
ESTADO CIVIL: Abandonada
ESTADO SEXUAL: “Durmo com Deus e mais nada”...
IDADE: A da saudade
ALIMENTAÇÃO: come por ansiedade
TEM SONHADO? Não.
DATA DA CONSULTA: Sob o signo de Escorpião.

A participante não apresentou queixas graves, apenas memórias de alguns momentos amorosos mais complicados.

UTILIZA ALGUM TIPO DE MEDICAÇÃO PARA OS GOLPES DO CORAÇÃO?

Disse que já tomou:
- Doril, mas a dor não sumiu.
- Rivotril, mas a dor persistiu.
- Ingeriu bebida alcoólica, mas ficou mais melancólica.
- Tentou tomar veneno, mas o peito não ficou sereno.
- Pensou em fazer plástica, mas a alma pediu por ginástica.
- Praticou muito sexo, mas não houve muito reflexo em sua nostalgia...

PERFORMERDIAGNÓSTICO: precisa de sessões de amorexia.

RECEITA:

Não há receita
Palavra pronta ou feita.
Por isso:
“Fala, fala de
Amor!
Amortece tua dor
Amor tece amor
Amor prece
Reforma
Teu ser...
Será que vai desaparecer
Essa dor depois?
Mas quem aqui performa?
Nós dois.

E no final?
Ela abriu seu coração
E eu lhe dei uma canção”.

Quer saber mais? Me escreva e marque uma visita.