agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

domingo, outubro 19, 2008

Relato(´rio) Obscênico 19 de Outubro

Procedimento: “baby dool’s”
Local: Praça da Savassi, point das bonecas de belo horizonte.
Proponente: Nina e Lica
Executantes: Lica, Nina, Nêga e Joyce.
Dia 13 de outubro. Venho de uma semana de muito trampo e muito rock. Muito álcool, poucas horas de sono e ouverdose de produção. Estou lenta. Muito lenta. Minha cabeça não funciona: a buceta e sua vida no mercado de trabalho. Eu a buceta cansada e momentaneamente alienada. Sim, era assim que me sentia naquela segunda-feira, sugada. Cheguei na casa de Nina e ainda não tinha claro o quê e com o quê trabalhar... perdida. Por fim, as roupas de Nina me trouxeram um problema: roupas pequenas para meu corpo cheio. O paradoxo do corpo natural e o corpo da moda. A estética da beleza formatada, prevista e afirmada pela mídia. Mesmo assim saí para a Savassi com um nó na boca do estômago: não sabia o que fazer, sentia-me alienada do espaço para onde íamos, sentia-me inerte nessa segunda. Descemos do carro. Lica com suas sacolas, hoje em menor número. Joyce já de boneca com seus ‘clones’ de plástico numa bolsa a tira colo. A Savassi com os bares tomando as calçadas. Vitrines. Lica começa sua trajetória, logo é notada. Joyce é possível. Uma boneca seriada e possível. Uma lente e grau na realidade. Um ângulo pouco mais agudo, quase imperceptível para um distraído. Ela multiplica sua imagem e semelhança. Lica multiplica em objetos o objeto mulher domesticado. Eu tentava encontrar um ponto de incomodo, ainda estava alienada. Aos poucos a fumaça dos carros foi-me trazendo o lugar para minha respiração, atravessei a Cristóvão Colombo e juntei-me as demais frente à Melissa. Comecei a me inspirar naquelas bonecas, nas nossas e nas demais, e saquei as roupas, a maquiagem, o salto e fui-me transformando aos poucos numa desajeitada e incabível boneca. Rosa? Não conseguiu ser. Bela como as das Vitrines? Não, suas medidas não são ideais e suas roupas estão fora de moda. Exarceba na maquiagem, o ridículo daquele corpo tentando caber onde não havia como. É preciso ser magra. Seriada para caber nas roupas das Vitrines. As três agora desfilam e vez em quando deitam-se no chão para que nina teça suas mulheres mortas. Comecei a perceber uma certa idiotice naquela minha situação. Gerou-se em mim uma alegria imbecil, esse estado creio que foi um entorpecimento causado pelas inúmeras vitrines e a mira das câmeras. Neste procedimento decidimos assumir a câmera e nos relacionar com ela. Eu sorria numa felicidade idiota. Um sorriso vazio de senso crítico e impotente de qualquer natureza anárquica, mas que por sua repetição possibilitou perceber organicamente o que o espetáculo da cultura do consumo nos causa. Vejo Túlio com um sorvete da Mac nas mãos, chamo-o, ele resiste, por fim cede. Vem a meu encontro e oferece o sorvete, diz que quer trocar e eu pergunto pelo o quê, ele sorri e não responde... Pergunta se vou sempre ali e respondo que só vou quando quero ficar bonita, uma mocinha nos observa e eu direciono a mesma pergunta a ela, sua resposta é seca:_não tenho com o que me divertir aqui porque não tenho acesso às lojas de grife... Fiquei a me perguntar o que ela fazia ali, mas ela se foi.
Três locais foram mais potentes: porta da Mac, porta da Loja de Enxovais e porta da loja Rede. Nesta última quase fomos contratadas pelo gerente para promover a loja de comésticos... Eu fiquei a imitar a moça do banner da porta com seus lábios sensuais prontos a serem consumidos.
Bem, três bonecas foram construídas: a noiva; a boneca seriada; a boneca que não cabe.
É isto.
.SARAVÁ.

Relato(´rio) Obscênico 19 de Outubro


Escuta Errante – Clóvis ouve mulheres no banheiro do Marília.
Dia 29/09 – chego no Marília e Clóvis já está quase pronto e extremamente ansioso. Natural. Eu estou à seus serviços hoje. Irei buscar mulheres dispostas a se abrir para um estranho. Falar de suas mazelas, medos, derrotas, fracassos amorosos, enfim...
Saio pela Alfredo Balena, fim de expediente, muitas mulheres de branco – área hospitalar. Vejo um casal de adolescente, duas meninas de mãos dadas. Aquilo me chamou atenção. Comecei a segui-las. A imagem era bela e sedutora, duas meninas em pleno exercício de suas liberdades sexuais. Século 21. Será? Enfim, continuei a observá-las. Conversavam como as demais de suas idades. Parei para comprar uma porcaria para comer e deixei que passassem na minha frente. Continuei com elas até a Álvares Cabral. Maleta! Pensei. Lá devo esbarrar com alguma fodida. Isso me veio a mente. Das adolescente vivas queria agora uma mulher detonada: Maleta! Entrei. Cheio. Subo a rampa do Lucas e paro em frente ao Chock Chock. Um casal na mesa a frente esquerda em chama antenção. Sempre estão por ali, mas não são namorados. Ela, negra magra esguia e com movimentos sinuosos; ele, negro seco cabeludo malemolente e belo. Peço licença, sent0-me, estou ansiosa. São pessoas fortes, mas do rock. O que nos confere certa familiaridade. Ela tem o rosto marcado e é forte e bela a seu modo. Muito dor no olhar, são profundos e negros. Sua fala é certeira e cheia de gírias e malandragens. É mais masculina. Assertiva. Explico meio formalmente qual é meu objetivo ali. Eles se espantam e ela por fim começa já o processo de confissão. Eu não sei o que fazer. Escuto, mas vou ao mesmo tempo fisgando-a para irmos o mais rápido possível para o teatro, tive medo de que se esvazia-se ali no buteco enquanto se enchia de álcool. Onde mais encontramos tão concentrado num mesmo metro quadrado tantos corações partidos do nos butecos da vida. Todas as dores de cutuvelo são curadas numa boa bebedeira, mesmo que esta seja diária. Ao chegarmos no Marília, Clóvis escutava Lica. Minha convidada se impacientou. O rock a solicitava. Seu amigo me ajudou a mantê-la ali, sentada no porão a esperar para se confessar. Igreja? Não, mas remete.
Ao fim, abraçamo-nos e ficamos a fincar o pé no chão, pois a dor é muita e ela nos afeta.
FIM

Relato(´rio) Obscênico 19 de Outubro

Procedimento: ‘cidade das mortas’ – Lica e Nina
Praça Sete
Lica já havia abandonado a ‘noiva’ quando cheguei. Estavam na rua rio de janeiro. Mulher coisa, vaca, maravilha. Muitas sacolas de loja, muita embalagem de plástico, descartáveis, potes, uma infinidade de apetrechos domésticos e domesticantes. Vez ou outra esta deitava-se no chão e Nina escrevia a mulher morta que ali jazia. Seu inventário. Seu testamento. Sua condição sócio econômico e cultural. Nossas graças e desgraças.
Eu mantive meu olhar mediado pelo vídeo e câmera do celular. Por isso fiquei igualada ao público. Muitas pessoas filmam e fotografam a ação das pesquisadoras, é bom desfrutar desse voyeurismo. Os homens lêem e se excitam. A carne é muito mais forte que o verbo. Certamente. Mas Nina persiste e Lica também. Carne e verbo em exercício de comunhão.
Será que os homens entendem? Será que eles associam os objetos domésticos acoplados ao corpo dela com a domesticação das mulheres ou eles acham que uma fantasia de um protesto feminista?
Algumas mulheres repreendem a ação. Outras ficam curiosas e se aproximam. Uma na praça sete interferiu todo o tempo falando com Lica como se ela estivesse fazendo um programa de TV e fosse seus 15m de fama... Nina a convidou para deitar-se, mas mesmo muito falante não teve coragem de dar seu corpo à prova. Verbo e carne em total desarmonia.
FIM

Relato(´rio) Obscênico 19 de Outubro



Relatos Obscênicos, últimos dias de setembro e 13 de outubro.
Procedimento: CLASSIFICADOS
Marcelo Rocco, proponente.
Saulo e Didi, executantes.
O universo gay. A transexualidade. A prostituição. As drogas. O álcool. O submundo. O preço das coisas e das pessoas coisificadas: está tudo nos classificados.
Seres humanos à venda. E no momento final, quando Saulo e Didi já não podiam e tinham condições de arcar com mais nenhuma representação desponta o humano. Numa ação a principio sórdida mas extremamente forte e rica: Didi de pernas para o alto e bunda arreganhada e Saulo a entuchar em seu cu a ponta do revolver: do espetáculo à confissão da memória familiar, da opressão paterna à opressão do outro em cena, o jogo que se estabelece enfim e os coloca no x da questão: quem vai comer o cu de quem? Porque no final é justamente o que fica: quem fodeu e quem foi fodido. Neste momento vejo potente a questão que se desponta na pesquisa de Marcelo. Lembro-me do tcc – boate lilás – momentos potentes como estes havia: o sorteio da putinha pelo menor preço oferecido; a bunda masculina a rebolar e os homens heteros a babar... rupturas em forma de alegoria. A carnavalização da cultura brasileira. Devemos sempre festejar mesmo sendo fodidos. Por isso ressalto essa passagem do procedimento, havia em Didi a alegria estúpida de ser fodido, a crueldade máxima: a idiotice estampada em nossos corpos carentes de afeto e alienados de si que mesmo ao serem ‘fodidos e mal pagos’ saem gabando-se, pois não há mais contato além deste e resta-nos a fudeção.
O que resta a prostituta que empina o rabo para a porta do quarto à espera de algum peão que a coma para que ela dê de comer aos filhos?
O que resta a um transexual num país como o nosso? Há assistência médica/psicológica digna?
O que resta às mães solteiras?
Estamos todos com o cano da arma no cu e não notamos.
Continuamos rindo idiotamente relevando o urgente.
FIM








sexta-feira, outubro 17, 2008

ESCRITO TARDIO.RELEXÃO SEMPRE EM TEMPO

Segunda-Feira. Procedimento do Marcelo. Porão. Atuam Saulo e Didi.

RELATO A PARTIR DA PROVOCAÇÃO DA ERICA – 22/09/08
Despachando textos

Qual é a sua questão, enquanto pessoa-criador? O que você está querendo discutir aí?
Toda vez que esta “provocação” vêm á tona, de alguma forma nos deixa a todos, em situação desconfortável. Ao passo que nos faz buscar o ponto de partida do nosso trabalho e rever o percurso e o que tem prevalecido.
Ontem, a provocação (com tom sempre exagerado e austero bem característico e que dá margem sempre a algo além da própria provocação) da Erica mediante o procedimento do Marcelo, certamente fez cada um revisitar o próprio umbigo. E, naquele exato instante, refletir, criticar, provocar a própria criação que vem desenvolvendo.
Acho necessário, ao mesmo tempo que cruel e delimitador. Me pergunto se querer “definir” não é também a ânsia de manipular um trabalho que precisa ser refletido num resultado e não necessariamente num produto. Ou, não será o momento de dizer que estamos no final e precisamos definir, assim mesmo, como está? Mesmo compreendendo que a questão levantada refere-se á questão da “pessoa criadora”. E não do material em si. Embora estas coisas se confundam.
Eu, particularmente, nem de longe consigo encerrar o trabalho iniciado. É possível fechar? Sim. Obter resultado algum? Sim.Mas, não tenho certezas alguma, já que outras questões vão surgindo e transformando as idéias e ou sugestões iniciais.
Inicialmente queria trabalhar a partir da Pomba Gira e com os seus elementos de identificação numa gira. Mesmo sem saber, inicialmente, como.A medida em que fui “explorando”-num sentido mais imagético e menos prático -, possibilidades para achar um ponto interessante, concluí que seria pertinente dispor mulheres com estes elementos. Alguma leituras sobre a entidade, sobre a formação da mulher, desde o édem, me fizeram considerar o confronto entre os opostos.
Destruir imagens do feminino construídas na mulher mediante a aquisição no corpo, de comportamentos alheios á estas imagens.
Sobretudo, um
comportamento
“livre” e “primitivo”.
De vermelho e preto .Pés descalços e uma taça á mão. Da Pomba Gira ficou estes objetos característicos e a abertura para uma intervenção livre no cotidiano da cidade.Embora, aparentemente simples, tenho tido dificuldade em encontrar mulheres que queiram submeter-se a tal procedimento. A intervir de forma tão despojada e em relação com o espaço urbano.
As mulheres acham até bacana o convite.Ficam empolgadas. Num primeiro momento afirmam não saber o que de fato é uma Pomba Gira.Num segundo, retornam e questionam sobre o andar descalças.
Num terceiro, sobre a Pomba Gira, sua energia.Num quarto momento, me mandam uma mensagem adiando para outro dia e num quinto, nunca mais me ligam.
O medo que se instaura ao falar de Pomba Gira é geral.Mesmo sem conhecer o que é e como é, e talvez por isto,torna-se inviável uma disponibilidade para o procedimento: colocar-se neste, como mulher.
E uma coisa é evidente, as mulheres não sabem do que se trata em essência, mas, dispensam um temor.Neste sentido,minhas reflexões parece que ganham sentido.Se a virgem é espelho , portanto, da imagem da mulher social ideal, a Pomba Gira é a negação disto. A cultura da negação está imposta e tem grande influência, percebe-se.O demônio sempre esteve pintado de vermelho e preto, razão pela qual uso tais cores, assim como a “puta” passou para a margem, quando este modelo ideal, pautado na religião, se instaurou.
Se o Brasil ainda é o maior país católico e todos fomos criados, direta ou indiretamente sobre os conceitos da moral cristã,tudo que vier contra isto, não será consciente ou inconscientemente negado? Em nós, por nós?
Outra questão que me suscitou e provoca: quem deveria negar quem: a Pomba Gira a mulher? Ou a mulher a Pomba Gira? Será isto procedimento prático ou pesquisa teórica?
O preconceito é imenso e desafiador.Desenvolver um material palpável que aborde todas estas questões surgidas, vejo como uma longa estrada a percorrer, a pé e descalço.
Porém, voltar sempre a estas questões, é edificante por que nos obriga a deixar um pouco mais claro o nosso desejo. E estar diante de uma provocação como esta, da Erica, nos torna mais excitados a ponto de buscar conteúdos mais esclarecedores e fazer emergir mais perguntas.
Para concluir,
mais que atrizes,
quero mulheres preservando todos os seus atributos femininos,
suas ideologias, vontades, desejos, sua história, seus medos, sua coragem, sua consciência, para se submeterem a uma intervenção nos espaços urbanos,
com liberdade, travestidas com os adereços e trajes concernentes ao universo da Pomba Gira, sem representá-la
O que isto provoca em você enquanto mulher?
O que esta intervenção provoca no outro? E no espaço?
consegue se sustentar, nesta intervenção á deriva?Consegue ser?

quarta-feira, outubro 15, 2008

Bonecas na Savassi : um sonho Imperfeito.

Sonho Perfeito. Um coração. Loja de enxovais na Savassi. Lugar para moças sérias e casadoiras. A mulher família tradição e propriedade. É noite. Assisto uma exposição do lado de fora da loja: mulheres bonecas expondo seus mundinhos fakes e fabricados pela sociedade do Pai, da mídia e da religião. São manequins de alguma grife de roupas femininas? Não, são mulheres e artistas obscenas e obscênicas caricaturizando esse feminino deteriorado e glamurizado.
No ponto de ônibus em frente vejo pessoas incomadadas , umas riem, outras perguntam se é teatro ou show e existem aquelas que se irritam por serem interrompidas em seu cotidiano.
O fato é que algo de ESTRANHO INVADE O ESPAÇO URBANO. Um procedimento na fronteira.
Joyce, a boneca seriada. Lica, a noiva feliz e dona de casa coisificada. Érica, a mulher corpo-propaganda, a gostosa, o corpão que vende, anuncia e seduz. E Nina e a escrita que corta, denuncia, desvela, o grito escrito nas ruas e passeios da cidade.
Uma imagem avassaladora: mulheres mortas de frente a loja de enxovais. Mas o que significa isso?Mulheres embalagem e espetaculares. Muitas fotos, muitas imagens e viva o mundo da espetacularidade!!!!!!!!!

Um procedimento agressivo, debochado e muito potente. O tempo é outro aliado. O tempo não-representacional, mas o tempo de se configurarem IMAGENS, ESCULTURAS, IDÉIAS E PROVOCAÇÕES.
Vale investigar a potência desses corpos, o que querem gritar e denunciar?
Um procedimento que se compõe com várias pesquisas e há um encontro de forças potentes.
Um quadro vivo. Teatro Imagem. Corpocidade.
No final mulheres mortas de frente a um Café e ninguém olha e se incomoda. Estamos tão midiatizados que tudo é teatro, arte e espetáculo. Não há uma interrupção. A espetacularidade tornou-se companheira de todos nós.............

terça-feira, outubro 14, 2008

Brincando de bonecas


queridas obscênicas!
vamos planejar nossa ação de segunda? como já disse, a idéia é nos encontrarmos às cinco em minha casa, para daqui sairmos para a savassi.
temos uma dramaturga e três atrizes.
lica irá trabalhar a partir das figuras que está desenvolvendo. sugiro, lica (não sei o que você pensa), experimentar a noiva nesse dia. com o carrinho (ou mesmo com as sacolas), repleto de objetos do universo feminino. eu destacaria os de beleza, mais do que os de casa.
que em momentos específicos, você montasse sua instalação de vaidades, talvez buscar ações dentro desse contexto de formatar um corpo boneca noiva quer casar...
penso que para a nega pode ser interessante trabalhar com a educação da mulher, a partir dos objetos de infância: os brinquedos de cozinha boneca sabe cozinhar...
joyce, não sei o que você está pensando nem por onde está passando a sua pesquisa. eu tinha uma viagem, a partir de uma reportagem que lica trouxe das mães japonesas (as filhas são suas reproduções exatas), de você buscar algo nesse sentido. de criar um duplo com a erica, ou ser boneca dela.
ou ainda você criar um duplo para você: uma boneca joyce com quem você brinca. outra possibilidade, é atacar o estereótipo da mulata brinquedo sexual masculino, exagerando suas qualidades traços de mulata, talvez uma mulher sanduíche onde possamos escrever suas aptidões físicas. podemos, inclusive, usar o registro para intensificar isso. uma câmera que te siga, por exemplo, o tempo todo e vc faça tudo para ela. atacar os estereótipos de mulher melancia, mulher filé.
eu vou interagir com as instalações das três. não sei se vocês ficarão juntas ou separadas, mas penso que próximas é necessário, para configurar um único acontecimento: a exposição. como se fossem nichos, prateleiras ou vitrines. podemos andar com a exposição pelos quatro cantos da praça e cercanias.
vou trabalhar com escrita em papel de propagandas e com o giz no chão. vou querer que, às vezes, vocês se deitem e eu possa desenhar seus corpos no chão e escrever. o trabalho demandará um tempo. podemos alternar suas ações e minhas escritas no chão. enquanto desenho uma, para escrever a partir dela, as outras continuam em ação. podemos também alternar a isso, uma ação conjunta. os três corpos deitados no chão.
enfim, essas são as questões que estou pensando...
e pra vocês?

Um email. Minha tentativa de organizar uma proposta ainda muito incipiente. Algo me interessa muito na idéia de uma exposição de bonecas. Bonecas domesticadas pela tv. Expor a boneca das outras mulheres/transeuntes por meio dessas que proponho.

Da experiência concreta, realizada ontem, dia 13 de outubro (não foi por acaso a proximidade com o dia das crianças), muitas coisas interessantes e potentes surgiram. Os corpos das mulheres mortas (o conjunto aumenta a potência disso). Aliás, o conjunto é bem favorável. Noções de invasão. As bonecas da Joyce, elas em série. Ela, mais uma. Reprodução de estereótipos, de corpos manequins de vitrine. Joyce escultura. O corpo martirizado de Erica, apertado pelas roupas pequenas demais e pelo salto alto. Sua felicidade idiota. As possibilidades de exploração de uma espetacularização exacerbada: o fio da navalha. Como quebrar o conforto/comodidade que ela proporciona, ordenando e explicando, tornando aceitáveis aqueles corpos/ações/invasão?
Muitas questões surgiram: como garantir essa ruptura do conforto que as câmeras proporcionam. Exacerbar mais ainda: invasão de paparazzi? A necessidade de estudo desse espaço a ser ocupado. E de outros espaços possíveis. O que queremos do espaço, o que dele é necessário?
Um estudo dos corpos: a hipérbole dos corpos? O corpo cotidiano? Os estados alterados: felicidade/martírio. Desfazimento dos corpos. O estudo das ações e relações: entre nós e de cada uma. Experimentar as variações de tempo e ritmo. As pausas. A relação com a escrita.
Pensar um roteiro de ações? Também ficou a necessidade de maior organização e planejamento. Definir mais claramente os objetivos individuais e as possibilidades de rede.
PROPONHO ESSA AÇÃO COMO UMA ESTRUTURA DE DIÁLOGO COM OS MATERIAIS DAS ATUANTES. NÃO QUERO CORPOS AO MEU SERVIÇO. PROPONHO O ESTABELECIMENTO DE UM DIÁLOGO EM TRABALHO. DE UMA ESCUTA DOS CORPOS E DAS POSSIBILIDADES DE AÇÃO DO OUTRO E COM O OUTRO. A PREPARAÇÃO SE FAZ NECESSÁRIA.

Nina Caetano
(em tempo: as fotos que ilustram esse relato são de joão alberto de azevedo)

sexta-feira, outubro 10, 2008

Vozes errantes: escutas de dores femininas nos prostíbulos da cidade

Relatos de um procedimento. Prossigo com a escuta de dores femininas. Marcelo me leva aos puteiros da cidade e descubro um universo de violência e anti-erotismo. Na rua São Paulo passeio por vários prostíbulos e vejo exploração sexual, miséria e o feminino deteriorado e reduzido a um corpo a ser consumido.
Para conseguir a escuta de uma mulher pago dez reais, o equivalente a um programa sexual.
Deitado na cama de Rosângela escuto sua história de dor e abandono: a prostituição como única saída para a sobrevivência. Ela diz precisar do dinheiro para criar o filho que sabe da vida da mãe. Escuto um relato de prostituta e provoco a mulher pedindo uma história mais subjetiva. Então escuto um relato que fala da perda da mãe aos sete anos de idade, o sofrimento com a família que a humilhava e o sonho e a possibilidade de fazer uma festa de aniversário trinta anos depois.
Mais ainda assim sinto falta de tempo e de uma escuta e uma fala mais efetivas. Mas escuta pede tempo e relação de confiança e isso é impossível num primeiro contato e numa noite de um lugar onde o movimento é grande e "time is money"...

Fico incomodado e não gosto do procedimento, acho que ele não funciona e o ambiente me agride de alguma forma. Ter que pagar ainda me remte à idéia de tratar o Outro como mercadoria, mesmo sabendo que se trata de um trabalho.
Percebi também que é um lugar onde pouco se fala e muito se faz. Ou então as palavras são sempre vazias e não dão conta da realidade.
É uma atmosfera árida e anti-erótica onde humanidade e respeito passam longe.
Assumo minha incompetência de atuar nesses lugares, talvez isso agrida de alguma forma meus valores. Pretendo escutar as histórias no Teatro mesmo.
O que vivenciei nesses lugares foi uma dor mascarada e negada até mesmo por uma questão de sobrevivência humana. Ou se sofre ou se trabalha, não há saída. A dor moral é grande, mas o "teatro do desejo" é que impera e o importante é gozar num corpo feminino mesmo sabendo que aquela mulher só deseja é o dinheiro.

quinta-feira, outubro 09, 2008

o anti erótico de Clóvis

Clóvis e eu fomos à Guaicurus procurando por uma mulher que pudesse retratar a dor, modificando sua estrutura de trabalho habitual de venda de sexo por venda de dor.
Era a primeira vez que Clóvis adentrava naquele sub-super mundo. Recheado de homens, gorjetas e dor. "Qual dor?" uma mulher nos perguntou. "A dor Moral?", esta é a pior.
Conseguimos, após resistências de algumas mulheres, uma entrevistada. entramos em seu quarto que cheirava suor e alvejante.
Vestida de calcinha e sutiã, parecia não estar tão à vontade mais, como se estivesse nua, estivéssemos a desnudando.
Sorria com timidez tentando esconder alguns dentes perdidos pelo caminho.Seu nome: Rosângela (talvez um pseudônimo). Nos retratou que tem um filho de 13 anos e ele sabe... falava isto com se fosse uma criminosa, algo que a fizesse se esconder embaixo da terra.
Falou diversas vezes que detestava aquele lugar. Queria embora. Estava presa... presa a quê? R$600,00 que ganhava mensalmente. Presa à memória da mãe que batia com diversos instrumentos em sua cabeça. Presa ao ex-macho que a desprezava, Presa à uma idéia deturpada de família. Presa à capinagem da roça na infância.
Disse que seu último aniversário (tinha 37 anos de idade)foi aos 7 anos , e ela juntou dinheiro, advindo de gorjetas de 10,00 reais por programa, para fazer uma grande festa de aniversário. durou dois dias. Era seu aniversário. Ninguém tiraria isto dela. Até sorriu mostrando a falta dos dentes. Sua voz ficou macia ao falar desta gota de felicidade, feito de minúsculos momentos.
Agradecemos. Fomos embora, e Clóvis, ainda um pouco inerte e abalado me falou do anti erótico, daquilo que finge ser, da imagem das putas tristes disfarçadas com gliter, batom, e preversidade.

MOSTRA OBSCÊNICA MÊS DE OUTUBRO


!CLIQUE NA IMAGEM!

terça-feira, outubro 07, 2008

Qual esse corpo?



A trajetória é longa entre o desejo de uma ação e seu sucesso. Derrida associa o conceito de performatividade à sua relação com o sucesso da ação. Logo, um teatro performativo deve não só agir, mas também não fracassar no seu intento.
Cigana. Pomba gira. Mulher livre, voraz realizadora dos seus desejos. Como ação que se propõe não representacional: buscar esse estado em mim e sair pronta para fazer o que eu quisesse. O que eu quero e o que ela quer? Não representar. Usar os elementos: preto e vermelho, colares, anéis, taça e champagne nas mãos. Sair descalça.
Prontifiquei-me a me colocar nessa ação, experimento proposto por Idelino. Deveria percorrer a N. Sra. do Carmo e, depois, seguindo o trajeto que quisesse, chegar ao Shopping Cidade, onde eu deveria entrar. Devo dizer que não sou atriz. Sou dramaturga.
Lá fui eu com esse corpo de cigana: champagne na mão. Não foi fácil bancar essa mulher pelas ruas vizinhas à minha casa. Resolvi explorar algumas ações/relações com os espaços pelos quais passava. Mas o espírito era de coelho e meu corpo exposto me dava medo. Passei por uma vitrine cheia de sapatos de salto. Um vermelho me chamou a atenção. Do lado de fora, comecei a “experimentá-lo” no meu pé até assumir esse andar. Desci a rua calçando o meu salto descalço.
Alguns poucos momentos me senti sincera: na loja em que a moça me deixou experimentar um spray de cheiro de morango e saí dali tão perfumada. No vento que sobe a grade levantando minha saia.
As vitrines de salto alto me davam uma motivação: a dramaturga adentrando esse corpo de atriz (?) atuante. Colocava o corpo de outras mulheres dentro do meu. Mesmo assim, poucos momentos de sinceridade. Resolvi embarcar para o centro. 9106. Tomei o ônibus e meus companheiros – Lica e Idelino – ficaram para trás. Conforme o combinado, rumei para o Shopping Cidade. Mas antes, passei por outras lojas. C&A: entrei na loja portando minha taça de champagne. As bijuterias logo me atraíram. Grandes pulseiras de plástico. Vermelhas. Pretas. Brancas. Colares de contas ou de formas plastificadas coloridas. Experimentei vários. Experimentei lenços.
Rumo ao Shopping Cidade. Respiro fundo e entro. Logo um homem de preto vem atrás de mim. É proibido entrar no shopping descalça. Norma interna. Quero ver a norma. Aquilo atrapalha o homem de preto. Eles se comunicam com seus aparelhos. Uma vitrine de rosas vermelhas me atrai. Começo a passear no shopping enquanto aguardo a norma. Sorvete de casquinha. A norma não vem, mas vem o tenente da polícia militar. Chefe da segurança. Sairei assim que me mostrarem a norma. Até lá, me permitirei passear descalça, obrigada. Por mais inconveniente que a minha conduta possa parecer. Ou minha roupa de cigana puta inadequada. O bom é que em tempos de exposição de bonecas filés melancias samambaias na TV fica difícil considerar qualquer vestimenta imoral. Mais imorais são a minha liberdade absoluta e minha consciência dela. Meu corpo agora encontra sua sinceridade e quer desfilar nessa vitrine onde outros corpos se enquadram. Mesmo que meus pés descalços não caibam na norma invisível e que homens de preto me sigam.

Ótimo. Adoro homens de preto.

Nina Caetano

domingo, outubro 05, 2008

DIARIO DE UMA ESPERA SILENCIOSA.

Mais uma vez escutarei narrativas reais de dores e fracassos femininos no Marilia.
Aqui se inicia um relato de uma espera.

19:00hs. Estou aqui te esperando. Visto branco e estou sem sapatos.

19:15hs. Erica pega comigo os anuncios do procedimento e vai tentar buscar vozes femininas para uma escuta silenciosa. Hoje vou pedir permissao para gravar os relatos.

19:30hs. Continuo sozinho aqui. Eu espero. Acho que vou ler um pequeno livro sobre pomba gira que o Idelino me emprestou.....

20:00hs. Muito sozinho aqui. Espero. Talvez hoje nao escutarei nada. Pego um livro da Adelia Prado para ler onde uma mulher de meia idade fala de suas crises existenciais. Sera uma forma de escuta? Vou escutar Felipa essa noite.

20:15hs. Nada, nada e nada. Escuto somente os sons da avenida movimentada. Agora escuto mulheres rindo e contando fatos estranhos. Talvez sofrer esteja fora de moda.

20:25hs. Saulo aparece e pede para ser escutado. Claro que sim. Homem tambem tem mulher nas entranhas.

20:30hs. Saulo falou pouco. Tentou falar...falou? Sera que a Lica vem se confessar?

20:40hs. A Lica vai falar agora.......

21:20hs. Estou atravessado pela fala de Lica. Uma escuta preciosa aconteceu. Lica toca fundo nos sentimentos e faz musica. A mulher nao tem medo de tocar em todas as teclas do piano.

21:21hs. Erica traz uma mulher para falar, foi achada no Maleta. Escuto. Muita dor pede poucas palavras ou melhor, elas faltam e nao conseguem dar conta do real. Fala, mulher. Perfumo os pulsos dela e afirmo que a dor perfuma a vida.

21:27hs. Fim do trabalho. Erica me aperta e conforta. Foi bom escutar essas pessoas. Saulo traz o homem para a mulher que habita esse procedimento. A espera feminina. A espera do feminino.