agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

quinta-feira, julho 31, 2008

Mostra Obscena - REFLEXOS
JUNHO DE 2008
ENTRE CACOS, FLORES E
FRANGALHOS: PRECISA-SE DE MULHERES!
Precisa-se de mulheres pra rua. Na rua.
Que não tenham medo, nem pudor. Que não estejam nuas,mas, que estejam cruas.
Precisa-se de mulheres comuns. Femininas.Pra rua. Na rua. E que mesmo mulher,
não tenha pudor em “ser” e “estar”.Mulher que não esconda os “desejos” que
vierem á boca e ao corpo...Precisa-se de mulheres que queiram ficar á
margem de si mesmas; do que acredita e no que acredita em si, de si. Mulheres
que queiram deslocar-se para a “terceira margem”, sem rosa.
Precisa-se de
mulheres
que queiram morrer...assassinando as imagens morais e se colocando num
barco á “terceira margem”.
Precisa-se de mulheres que, se instalando numa
instalação, queiram
provocar o imaginário das pessoas. Que sejam santas profanas, sem profanar
as santas.
Precisa-se de mulheres que não tenham medo de homem. Que não
tenham medo de dizer que já fizeram simpatia para “arrumar homem”. Que já tenham
destruído matrimônios estáveis por causa de homem; que tenham sentido ou sentem
ódio por ter sido abandonada por homem; que dominam os homens; que não tenha
medo de dizer na cama que gosta de “estar”com seu
macho.Insubmissa.
Precisa-se de mulheres que não estejam á margem,mas, que
venham para a margem.Se ver na margem.
Precisa-se de mulheres disponíveis,
despudoradas. Que queiram estar livres.
São quase 20 horas.Um tecido vermelho
exposto em frente á vitrine desperta a atenção de quem passa. Teatro
Marília.Mostra Obscena.
Espero por elas. 2 mulheres.Espaço vazio. Elas
chegam. Uma senta-se, se ajeita no tecido. O trabalho já começou...velas
vermelhas por todo o espaço. Distribuo algumas comidas pelo tecido, em redor da
moça, nas bordas do tecido. Algumas pessoas se desviam. Não pisam. Outras nem se
importam. Espalho farinha.
_ Opa!Eu conheço este universo...ou melhor, não o
conheço.Não quero brincar com ele.
Mas ninguém está brincando. Resistência ou
desistência? Será mesmo o universo?
O trabalho mal começou e as reações
negativas já me são positivas. Ninguém se identifica.Mesmo desconhecendo.Nenhuma
mulher.Mas, será que desconhece mesmo?
A grande maioria, mesmo desconhecendo
o catolicismo, se despudora ao vestir-se de santa e criticar; em travestir-se de
qualquer outra representatividade feminina de qualquer outra religião e
representá-la, mesmo desconhecendo-a.
Vermelho é sexo.É paixão. Vela vermelha
é quimbanda.
Pomba- Gira é “mulher”- assim gosta de ser, mesmo sendo um
espírito. Portanto, é a revelação do que há de mais humano em nós.
Precisa-se
de mulheres humanas. Que de dia cortejem os homens e a noite o divino na santa
missa. Precisa-se de mulheres que saiam á noite ,mas, que não sejam
putas.
Precisa-se de mulheres que, mesmo não sendo evangélicas, ou
evangélicas não sendo, queiram sair á noite, numa procissão, embebidas pelo
espírito da moral, “violando os templos” sagrados (umbandistas)e quebrando as
imagens de barro que profanam a Deus.
Precisa-se de mulheres que se
interessem em violar os templos sagrados, nela instituídos como “religião”, sem
violar a Deus.
Precisa-se de Mulheres maiores de 18 anos. Que não
sejam virgens.
Que goste de Homem. Ou de mulher.
Dispenso as
passivas.
Convoco as MULHERES. As que queiram se instalar
em primeira pessoa.
Que queiram atuar em detrimento do contemplar.
Precisa-se de mulheres que me
ajudem a construir mosaicos, a desconstruir imagens, a se instalar no instalado
mostrando possibilidades, que me ajude a quebrar imagens santas, que queiram
colaborar, “performatizando” entre cacos, flores e
frangalhos!

A instalaçao parece provocar-me.Quero que seja tão novo para o proponente-atuante, quanto para o contemplador. Quero que o impacto aconteça a cada proposiçao e que seja diferente em cada ação.Nao quero uma instalaçao inerte,mas,viva,passível de ser mudada e transformada a cada intervenção. Que seja contruída a cada corpo colocado dentro dela. Haverá uma experiencia,onde estas mulheres criarão suas açoes a partir do material dado.E (re)construirão o espaço a partir de seus desejos.Serão elas as autoras do próprio trabalho,desdobrando as ações a partir de sua relação pessoal com o material proposto. O que isto provoca nela? O que isto provoca em quem vê?Quais as reações?São de que ordem?Quais os sentimentos provocados?São questões que me interessam observar. Portanto, representar não está em foco.Preciso de mulheres que queiram vivenciar!Desenvolver ações.
É ARTE OU É MACUMBA?
- Boa Noite!
- Boa noite!
- A peça é lá em cima? (estamos no passeio)
- Não senhora, é aqui embaixo.
- Que horas começa?
- Já começou!
Ninguém sabe onde começa ou termina esse “negócio”. Público á deriva no espaço. Onde é que se senta? Quem disse que é pra sentar? O que é e como é que se vê isto? Não tem frontalidade. Os espaços não estão definidos.
Sejam bem vindos senhoras e senhores!
Gostaria de dizer-lhes que vocês são um espetáculo! E nós, a mostra. Fique á vontade para atuarem como quiser. Não é espetáculo. Estamos em processo. Desculpem-nos o transtorno. Estamos trabalhando para levar á você um resultado satisfatório, caro usuário do teatro. Também para você que passa e que pára. Que olha e que não vê. Para você que não se interessa, que não se confunde.
Rapaz: É arte ou é macumba?
Diante desta dúvida, explicitada por um transeunte numa sexta-feira 13, em que grande parte das encruzilhadas abrigavam oferendas para a entidades regentes da “matéria”, o obscena iniciava sua segunda mostra em processo...de processo...num tom experimental, de procedimentos diversos propostos por alguns dos 12 “garimpeiros” que buscam, desde fevereiro de 2008, extrair da matéria feminina, o ponto de partida para suas investigações.
E ficamos nós, a beira do teatro Marília, buscando o centro. O eixo. O norte...colocando-nos á disposição do tempo e do espaço. Nossos corpos, desejos, observações, procedimentos, experimentos, ansiedades, dúvidas, certezas e incertezas, diante de uma temática que propõe o feminino em perspectiva e convida,audaciosamente,o publico a se relacionar de forma consciente.
Um imenso TNT vermelho, disposto assim mesmo, enquanto as pessoas passam vindo ou indo de/para algum lugar, ora desviando o fluxo, ora provocando olhares curiosos, duvidosos, desinteressados. Porém, uma vez que a proposta é interagir no cotidiano, acho que a simples ação de dispor o tecido, cumpre sua função.
A convidada chega. Eu a aguardava. É uma mulher. Negra. De forma que isto na me interessava.Bastava que fosse mulher. E mulher era. Com características que eu precisava.
Sentou-se despojada no tecido, mas,moralmente, parece que não. Se expor não é assim tão fácil.
E não ficou mais fácil quando vieram as comidas. As bebidas. Mas, a farinha espalhada, logo aguçou a imagem já constituída internamente.
“Não me interesso por este universo. Não gostaria de representá-lo”
Ninguém falou em representar. Em assumir um personagem, uma figura tal e desenvolve-la no corpo. Preciso, inclusive, do oposto neste tempo e espaço proposto. E que estando, não tenha receios, reservas. O espaço proposto é livre.
É na rua. E mulher na rua o que é? Quem cria as regras é você, mulher.
O abandono do espaço, da proposta, soou como um primeiro sinal. Abram as cortinas que o espetáculo vai começar!
Sejam – estejam!Talvez o Saulo tenha razão: é preciso dizer com maior clareza o que pode e o que não pode. Mas, naquela ocasião, eu não estava dirigindo nada. Orientar não era uma proposta. Queria deixar que o espaço estimulasse, agisse sobre elas. O resto viria pelo acaso, pela interação. A “liberdade”, ser e estar dentro desta instalação. Concordo com meu comparsa Clovis, “ precisaria de muito mais tempo para que as ações interativas acontecessem”.
É preciso achar o buraco, ainda que provoque algumas interrogações: é arte ou é macumba?
Macumba não pode ser. Arte muito menos. É procedimento. É processo.Ou talvez seja mesmo arte: afinal, “ tudo que é diferente, é arte” (disse uma senhora do público no terceiro dia de mostra).Ou de fato não seja: isto é arte nada! Isto é macumba!(disse um rapaz no primeiro dia de mostra)
“(...) eu usei pão nos trabalhos, fala-se que é simbolista, não, mas não há simbolismo, aquilo é o que é, não simboliza nada, é um pedaço de pão amarrado, um pão...só isso.”
NIESTZSCHE,Friederich. Humano, demasiado Humano. São Paulo: Companhia das ÇLetras, 2000. p. 115. In.BARRIGA,Ivone Merle.As Ações de Artur Barrio: Um modelom não Representacional para o Ator Contemporâneo.São Paulo:2006.pg.62
As coisas se confundem já nesta noite de sexta-feira. Querem significados.
E eu quero mulheres no tecido vermelho de Pomba-gira. Com as comidas e bebidas das Baras. Nina entrou. Já que não havia ninguém mais disponível. Levou o material de seu procedimento.Exatamente isto.Trabalhou em cima.Com velas vermelhas ao redor.Tirou as sandálias.Organizou o material de seu procedimento.Comeu suave.Discreta .Sem grande estardalhaço. Saiu e procedeu do lado de fora.Marcou mulheres no chão.Sua ação se resumiu a entrar e sair do tecido. Entrou Patrícia. Os amendoins espalhados foram o ponto de partida. Criou ação com os pés. Posteriormente Lica.Chegando do seu procedimento, entrou. Entrou livre, sem saber bem como se proceder no espaço.Trocamos olhares.Apenas sugeria que não havia regras. E não havia mesmo.E foi desenvolvendo intuitivamente. Com delicadeza nas ações, bebeu.Comeu algo?Conversou com as pessoas do lado de fora.Um homem quer entrar.No espaço. Quer beber a bebida exposta. Lica anuncia que “o espaço é para as mulheres!”.Era exatamente este o desejo.Não a fala em si, mas, a atitude. O colocar-se no espaço e construí-lo da forma como imaginassem. As pessoas receiam em entrar e interagir. Algumas entram e bebem juntas.Sentam-se,mas, pouco á vontade.Novamente a fala do Clovis ressoa: seria preciso um tempo maior para que o espaço se instaurasse.
Acredito que a Lica tenha apontado, aquilo que era a idéia inicial, o espaço e as relações pretendidas.
Mulher na rua o que é? Vulnerável á quaisquer situação. Frágil. Disposta a tudo e a todos. Vadia. Sem ação.
Os olhares indignados de uma senhora no ponto de ônibus, referia-se á situação como “que coisa ridícula! Que coisa horrorosa!”
Sim, são ridículas e horrorosas estas imagens, estas ações. Esta situação, sobretudo aliada á ação do Wilian que se despe na vitrine em frente: Está de calcinha.
Continuo a percorrer estas situações com o mesmo desejo de ver estas mulheres ali, desenvolvendo ações, comportando-se de forma audaciosa. Construindo e destruindo imagens. Sistematizando arte com a imagem da macumba!
“Destruir imagens santas!” na semana anterior aos procedimentos, a ação negativa dos evangélicos sobre o templo umbandista, no rio de janeiro, provocou-me a desenvolver a ruptura com estas imagens. As imagens sacralizadas nestas mulheres. Mulheres morais! Abram as vaginas sem dá-las a ninguém!Sentem de pernas abertas e rezem uma prece a Deus!Procurem homens pelas ruas!Ofereçam suas bocas, seus seios. Bebam sem ficarem bêbadas. Comam á vontade, assim como desejarem.Ainda que tenham "mais de setenta anos" Libere seus anseios, seus desejos, dando asas á sua própria vontade. Faça sem limites padronizados.Sem pedir licença. Estabeleça a sua própria ordem.O seu próprio limite.Vamos quebrar imagens e violar tempos sagrados!PRECISA-SE DE MULHERES!

terça-feira, julho 01, 2008

Atentados


Marília, dia 23 de junho. Somos obscenos.
Atentado ao pudor. Ludicidade inapropriada para todas as idades. Conteúdos existenciais questionáveis. Estética chula. Estética do lixo. Somos ilegais, imorais ou engordamos as fileiras?
Somos agradáveis? Devemos sê-lo? Devemos ter uma estética organizada, limpa, harmônica?
Até que ponto cabemos em um aparelho teatral público? Na vitrine, só uma ludicidade apropriada para todas as idades e públicos. Para a velhinha e para a criança. Criança não pode ler: vaca cadela cachorra filé gostosa. Não pode ler: limpar. Lavar. Chupar. Transar. Mesmo sem vontade. Não pode ver pano preto, vermelho e comida em cima. Criança não pode ver macumba.
Para bom entendedor, meia palavra basta. Não somos lúdicos o bastante para espaços controlados, administrados, com satisfações a dar. Não somos apolíneos.
Teremos bons ou maus entendedores? Quantas palavras? Quais palavras? Onde? Como?
Não vamos satisfazer.
Não estamos satisfeitos.
Pode?
Não faremos essa pergunta. Somos invasores. Invadiremos a cidade. Os bairros. Metrôs. Ruas. Invadiremos com corpos, panos e restos. Com o lixo que já invade a cidade. Com os esquecidos.
É preciso conquistar a rua. E o risco. A rua não irá nos proteger. Estaremos expostos. Afinal, ela não é uma vitrine.
É necessário traçar estratégias, buscar outros caminhos/espaços. Adensar materiais. Individualizar as pesquisas. Onde vou caber? Interromper?
Agora a pausa. O descanso. Juntar forças. Organizar cabeças e materiais. Desejos e procedimentos. Escrever. Escrever. Pensar. Articular. Lançar um olhar crítico. Objetivar. Pesquisar. Fontes. Corpos. Narrativas. Fazer seleções. Escolhas. O que me pertence?
E não estaremos sob a jurisdição de ninguém. Só acataremos nossas próprias regras. O resto, queremos descobrir. Nossas formas. Nossas imagens. Nossas palavras e objetos.

Nina Caetano