agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

domingo, agosto 31, 2008

ÀS MARGENS DO FEMININO E DA DOR: ESCUTANDO MULHERES-BOSTA

Terceira mostra do OBSCENA. Novos procedimentos, experimentações e descobertas. Três noites para se tratar do feminino à margem. Trabalhos ganham o corpo da cidade e se alternam. Posso ver alguns, ouvir relatos de impressões de outros ou então imaginar como alguns aconteceram. Simultaneidade, acontecimento e evento. Parece-me que as pesquisas individuais estão mais definidas e ganham corpo e espírito.

Na quinta acompanhei o procedimento de Didi , uma persona atormentada entre os pólos feminino e masculino caminha pelo centro da cidade. Travesti? Mulher? Homossexual? Drogado? Decadente? Agressivo? O fato é que essa personagem altera o cotidiano das ruas e lugares por onde passa. Fronteira entre representação e vivência. Perigo. Muito perigo. Meu corpo se altera, sinto medo de acontecer qualquer coisa que rompa com uma possível sanidade do performer e das pessoas tão enlouquecidas e anestesiasdas pela vertigem da vida contemporânea.
A personagem caminha como numa procissão e encontra gente de todo tipo: pessoas chocadas com aquela aberração, trabalhadores assustados e excitados com aquele corpo tão ambíguo, mendigos marginalizados e solidários àquela moradora das ruas e das lixeiras, hippies imundos poetas e apaixonados, corpos que se desviam quando aquela figura aparece, enfim, causa incômodo e estranhamento num mundo tão asséptico e organizado.
A ida foi bem tranquila e apaziguadora, mas na volta.......garis começam a gritar o veadinho descalço pelas ruas. Talvez desejassem carregá-lo também como um saco de lixo. Marcelo fica chocado com aquela reação tão preconceituosa. Eu acredito que para o macho de hoje, tão oprimido para ser VIRIL e forte, apresenta-se como uma afronta ver um homem-mulher-travesti-aberração-sei lá o que- andando femininamente e ameaçando o reino da masculinidade.
Para mim foi uma experiência única, ver de perto o feminino na margem, ou melhor, o SER HUMANO na margem de tudo. Trabalho de muita coragem do Didi, pode gerar violência e reações inusitadas. Fiquei o tempo todo tenso e um pouco decepcionado com tanto horror à DIFERENÇA.

Na sexta-feira realizei meu procedimento no Teatro Marília. Escutei seis mulheres falando de dor, perda e abandono . Narrativas densas, doloridas e ricas de humanidade. No banheiro feminino, lugar da sujeira e dos excrementos, abrimos um espaço para a dor tão banida das nossas vidas e alegrias. A dor deve ser feminina, mais uma à margem.Willian distribuiu um folheto que fiz e capturou mulheres para um depoimento de fracasso e dor. Muitas entravam no Marília pela primeira vez e transgredimos o espaço da representação para torná-lo o ESPAÇO DA VIDA. Descemos até o porão e lá se escutava gente falando de vida real. Depois da partilha da dor eu passava perfume nos pulsos e no pescoço das narradoras e dizia: "para perfumar tua dor"....
Levei champanhe para brindarmos depois , mas acabou não acontecendo. Escuta, umbanda, alteridade, encontro, estranhamento, etc. ARTE COMO EXPERIÊNCIA DO SENSÍVEL. ESCUTAR PODE SER CONSIDERADO UM ATO ARTÍSTICO?
Completei o trabalho "Sete abandonos necessários", a primeira mulher que escutei foi Érica, como bem me lembrou a Nina. Parece-me que a pesquisa aponta para novos caminhos. E se eu juntasse mais mulheres e na verdade elas falassem e se escutassem?

No sábado foi a vez de assistir o processo criativo do coletivo SAPOS E AFOGADOS. Simplesmente fascinante e como dialoga com o trabalho do OBSCENA. Estamos na fronteira entre representação e vivência . Tem algo muito forte do desejo e da conexão ARTEVIDA. Fora que apareceram imagens desse feminino construído e representado que nós pesquisamos, como na cena em que Sílvia aparece como uma noiva. Tantas dramaturgias ali naquele fragmento de VIDARTE.
O Sapo e Afogados- outra cena obscena.
No procedimento de Saulo a utilização de narrativas dele com contos de Caio Fernando Abreu, uma estrutura mais teatral mas que subverte elementos do espaço e coloca o espectador dentro da obra ou do momento .
Foi uma mostra bem produtiva e acredito que vai trazer novas inquietações para o agrupamento.

Escutei histórias de dor e fracasso e não falei nada. Tão difícil escutar e não dizer!!!!!!!
Mas eu teria uma resposta na ponta da língua para tantas mulheres machucadas :"A VIDA NÃO TEM CURA"! Foi o Edmundo, ator do Sapos e Afogados que falou isso no debate final da mostra.
Escutar uma frase como esta vale uma vida inteira...........

quinta-feira, agosto 28, 2008

retiro de queixa ou nada a ver

25/08/2008

Não sabia o que fazer. Não havia o que fazer. Poderia fazer tanta coisa. Perdido. O tempo não me deixa terminar com as coisas. Encontro. As pessoas no palco. Parece que vamos fazer Shakespeare. Vou me trocar, disse Lica. E eu? Acompanhar o procedimento do outro. Esquivo, preguiçoso, desonesto! Acompanhar por opção é diferente de acompanhar por falta. “Faça o que fez em outro espaço”

Pessoas. Montar e desmontar na rua. Vamos lá. Construir e des- na rua. Cada gesto, cada palavra, na rua. Na caminhada uma pessoa montada por objetos. Aqui! Meu corpo se transforma. Quimono, camisa, calça, cueca, calcinha. Corpo, cabeça. Caminhada. Comentários. Povinho chato! Sinto falta do coletivo na rua. Qual a noção de coletivo do nosso agrupamento? Não sei responder.

Praça pública. Gente caminha, gente corre. O que fazer por queixar? Sou retirante, literal. Medo, frio, incerteza do retiro assombra. Em vários aspectos. Vou embora. Toda partida é sempre (de) verdade. O que fazer com o que ainda não foi? Dar. Vender. Mostrar. Despedir. Vou, quero ir. Fico, quero ficar. Aprendi demais no pouco tempo. Sede de mais. Cede de mais. Sede demais. Aprendi demais com as pessoas. Aprendi que há pouco risco no teatro de risco. Aprendi que execução não serve sempre na vida. Aprendi que pesquisa toma corpo. Aprendi que forma forma forma. Aprendi que propor machuca. Aprendi que escrita preserva o instante. Aprendi que caminho tem fortuna. Aprendi que o buraco é mais embaixo. Aprendi que censura muda o nome. Aprendi que saber é um estado. Aprendi que o alfinete atravessa a pele. Aprendi que o teatro anda chato. Aprendi que oferenda custa caro. Aprendi que se dá. Aprendi sobre sexo, amor, paciência, ansiedade, respeito, brabeza, preguiça, ligação, contorno, registro, encontro... Aprendi que não sei o que exatamente fazer. Nada a fazer hoje. Nada a ver.

Falei. Nasci para a fala, à noite, na rua. De cara com faróis, buzinas, motores. E agora? Agora digo. “Olha a calcinha!” “Olhe a calcinha!” Meu corpo disse antes de mim. O susto respirou. Surgiu no sinal, como surge o vermelho, o verde, o amarelo. Mas, na rua, ninguém obedece a calcinha. Carros atropelando. Não há átimo depois que o símbolo permite ir. Motores aceleram sob ordens do símbolo social. Se deixar, eu vou. Há de ser polido diante do símbolo. O símbolo é mais forte que eu. Todo símbolo é foda. O símbolo silencia, ele faz calar. O símbolo amadurece. O símbolo é o pai. Quero falar, deslocar o símbolo, signo. O símbolo ensina, molda, malha: professor! A fala corta, desvia, talha: profeta! Queria falar, cantar, dançar. Palavra, gesto, movimento. É muito! Atrevido! (risos)

“Olha a calcinha! Olhe a calcinha! Olhe pra calcinha! Olhe na calcinha! Olhe com calcinha! Olhe de calcinha! Para o tio! Para a tia! Olhe a calcinha! Tem nova! Tem usada!” Quem ri, olha. Quem vê, não compra. Quem quer, não manifesta. Mas a fala persegue sem descanso, sem ataque, sem revanche, ela atravessava e vai, em busca de outro lado das máquinas. Tentei catar cada palavra, cantar à transparência das calcinhas.

Nina me presenteou. “Diante da palavra”, Valère Novarina. Cheguei em casa e li assim na página dezenove. “A fala não se comunica como mercadoria, como bens, como dinheiro, ela se transforma, ela passa e se dá. Viva de um a outro, a fala é um fluido; ela passa entre nós como uma onda e se transforma por nos ter atravessado. É o dom de falar que se transmite; o dom de falar que recebemos e que deve ser dado. O dom de abrir por nossa boca uma passagem respirada na matéria. O dom de abrir por nossa boca uma passagem na morte”. Precisava ler isto. Não é coincidência. Ela sobre o que fez.

A morte novamente. A morte é o lugar comum. Toda arte tem um pouco disso e daquilo. Os seguranças da Liberdade se aproximaram:
O que é isso? Isso o quê? Você vende calcinha? O que você acha? É protesto? Qual sua intenção? Você estuda arte? Você estuda? Você fez faculdade? Você fez? Como é seu nome? Sua roupa é ritual? É seita? A calcinha é usada? Já disse demais. Querem entender. Posso fazer foto? Retorno à imagem. Querem capturar. Ídolos e mártires.

“Você conseguiu sua intenção: provocar interrogação”! (risos) Preciso continuar.

terça-feira, agosto 26, 2008


TERCEIRA MOSTRA OBSCÊNICA EM PROCESSO
Os procedimentos não se restringirão ao espaço do Teatro Marília e serão simultâneos, logo, abaixo relacionamos as propostas dos artistas pesquisadores: local, data e horário.

PATRÍCIA SENE – “Vão Côa Fé” - Teatro Marília, quinta-feira dia 28 de agosto, às 20h. E sexta-feira dia 29 às 20h.
WILLIAM NEIMAR - "Queixa Retirante - Calcinhas, quimono, corpo e mala” - Praça da Liberdade, quinta-feira dia 28 de agosto, às 20:00h, ou antes e/ou depois.
SAULO SALOMÃO – “Eu, ela mesma
Clara, pura, pureza, transparente, com carga menor do que 50
Ator/pesquisador - Saulo Salomão
Apóia-se em recursos performáticos, nas narrativas de Caio Fernando Abreu e na textura feminina
Bali,
Madagascar,
O desejo,
Belo Horizonte,
Sumatra,
Guarda-chuva,
O radinho,
A esperança
Uma busca constante, para não se perder no meio da estrada
Esse é um procedimento que exala sinceridade, querendo desbravar os signos da existência, e sem medo de ser qualquer coisa assim, talvez, barango, clichê ou três pontos. Até lá, com amor, Eu, ela mesma.”
- Teatro Marília, quinta-feira, 28 de agosto, a partir das 20 horas e sábado, 30 de agosto, também a partir das 20 horas.
ERICA VILHENA – “o mercado da buceta” – Alameda Ezequiel Dias, quinta-feira dia 28 de agosto, após o procedimento do artista pesquisador Saulo Salomão.
CLÓVIS DOMINGOS – “Escuto histórias de amor e abandono. Venha relatar sua dor!” – Teatro Marília, sexta-feira dia 29 de agosto, a partir das 20h.
LISSANDRA GUIMARÃES E NINA CAETANO – “Cidade das Mortas: narrativas jornalísticas dicionarescas corpo de embalagens plásticas metalizadas utensílios do lar eletrodomésticos” – Praça Sete, sexta-feira dia 29 de agosto, às 20h.
MARCELO ROCCO – “MÍNIMO 10 REAIS” – Praça Sete, sexta-feira dia 29 de agosto, às 20h.
IDELINO JÚNIOR -"Encontro Vermelho e Preto - Uma congregação para mulheres! Venha celebrar conosco este momento, só para mulheres, com outras mulheres. Venha ficar á vontade. Conversar á vontade.Tomar champanhe.Venha de Vermelho e preto.Ou de vermelho.De preto.Ou como desejar.” - Experimento nº 02 – Teatro Marília, sexta-feira dia 29 de agosto, a partir das 19h
DIDI VILELA – “É homem? É mulher? Reticências. Apenas um corpo andrógeno a vagar por esquinas e bares belorizontinos. Entre risos e estranheza no jeito de andar e de vestir, esse corpo reflete um grito em silêncio. Ele está á margem! É escatológico! É doce! Uma noite sem risos para esse corpo é uma noite perdida.” - Início na Praça Sete, passando pela Avenida Amazonas com seu término na praça da Estação, sexta-feira dia 29 de agosto, às 20h. E sábado dia 30 de agosto,
em frente ao Hospital João XXIII, às 20h.
COLETIVO ‘SAPOS E AFOGADOS’ – Teatro Marília, sábado dia 30 da agosto, a partir das 20h.
FIM

aniversário

21 de agosto. Hoje ela faz 40 anos. Mas nem parece. Hoje não há festa nem glamour. Vestida de branco, um carrinho de feira lotado de sacolas, balde, bacia, rodo e apetrechos variados, tamancos e uma capa (véu de noiva?) de supermulher vaca maravilha. Ela parte para a praça. Para a rua. Para o trabalho diário. Não, esse não é o seu trabalho. Ou por outra, é. Mas que trabalho é esse?
Partimos as duas para a rua. Ela armada com seus objetos. Eu, com minhas narrativas e meu olhar que registra sua passagem. Saímos de sua casa, na Floresta, e caminhamos pela avenida, carros passam, até o metrô. No caminho, os homens não se agüentam. A roupa branca, a calcinha sob a transparência... ah, os homens!
Descemos e subimos as escadarias do metrô. Eu caminho a certa distância. Alguém ajudará essa mulher? Um senhor oferece para carregar o carrinho. Cavalheirismos...
Saímos na praça da estação. Ainda é dia. Cinco horas. O trânsito é intenso. De transeuntes. De carros. A supermulher noiva maravilha posa junto à fonte. Repito. Centenas de noiva retratam seus dias de glória assim, felizes em praça pública. Ou parques. Ou shoppings. As noivas e seus noivos objetos posam felizes. Antes que seja tarde.
A mulher noiva vaca maravilha empilha embalagens e mais embalagens plásticas. Distribui bandejas e bandejas de isopor pela praça.

“Você é artista plástica?”, pergunta uma mulher que logo começa a trocar confidências com ela. Irmãs na desgraça, solidárias no conselho. “Mas você vai voltar pra ele? Onde é que ele tá?” “Tá lá, namorando a outra.” E as mulheres continuam insistindo em construir seus castelos sozinhas.
Os guardas perguntam: “o que ela está fazendo, o que é isso? Você está com ela?”. Os guardas têm medo do que foge à ordem. E olham de longe.
Aos poucos, lanço alguns registros dessa passagem sobre o cimento da praça.
Um dia, quando pequena, sua mãe a levou a uma exposição de bonecas. Bonecas de porcelana, bonecas de louça. Bonecas de plástico. Bonecas de trapo.
Mais adiante, um rol.
Parir. Amar. Cuidar. Limpar. Transar. (mesmo sem vontade).
A mulher de 40 muda de roupa. Muda de hábito, persona. Agora ela é outra e empunha balde e rodo como espada e balança. Sempre me lembrará a estátua da justiça nesse longo tubo de malha cinzento. A mulher justiça posta-se ao lado da árvore solitária e juntas compõem um monumento. Em breve, ela recolherá os objetos. Partiremos em nossa caminhada pela cidade das mortas. Ali ela ficará só o tempo da estátua.
Partimos para a caminhada. Para isso, ela troca novamente o hábito. A gente é aquilo que consome. Mulher bacia, mulher vassoura. É bonito vê-la se preparar. Ela coloca seus apetrechos, recolhe seus objetos. Mulher touca na cabeça e boneca de plástico. Mulher de plástico, meias e conformações. Prepara o carrinho de feira, seu companheiro jurado em frente à fonte. Afinal, a mulher precisa ter onde se apoiar. A mulher está em obras, desculpem o transtorno. Estamos trabalhando para você.
A mulher objetos parte. Dessa vez, ela fala. E muito. Subimos a Praça da Estação em direção à Praça Sete. E ela fala. Só se cala ao deitar-se no chão, modelo vivo de uma mulher morta. E sua fala se materializa escrita. Ela me inspira desvios. Fluxos velozes de giz. As mulheres mortas ficam na Estação e partimos. Na Praça Sete, os quatro cantos. Monumentos animados dessa mulher objeto. Outras mulheres objetos. Corpos mortos na paisagem da cidade. Mulheres bichinhos de estimação. Mulheres bonecas em exposição. Mulheres noivas. Mulheres rol. Registros de nossa passagem, marcas do nosso diálogo.
Agora já é tarde e estamos cansadas da lida. Voltar para casa lar reduto do feminino. Ela se desmonta, pega o seu carrinho companheiro de trabalho. Ela parte. Eu vou embora pensando que esse agosto que nos pariu é prenhe.

Nina Caetano

sábado, agosto 23, 2008

MÍNIMO 10 REAIS

Dia 11 de agosto. 20h30. Subimos a escadaria do prazer (sic). Luz neon. Muito vermelho. Uma luz que não evidencia muito, deixa apenas o desejo. Um desejo de que desejem, que comprem, que aluguem. Várias atrizes em suas performances. Um grande corredor com mulheres expostas, interpretando o fetichismo da mercadoria: tudo que podiam vender era uma imagem, uma mentira que logo se percebia ser fingimento. Ouvíamos gemidos, olhares sensuais, falsa ousadia (que, na verdade encobria uma timidez pisada pelo tempo), meninas maquiadas de mulheres, senhoras disfarçadas de meninas. Um movimento incessante. Eles procuravam por carne: uns desejavam carne barata, outros queriam carne nova, outros, quem sabe, apenas um buraco um pouco molhado e macio, para esquecerem que eram casados, talvez infelizes. Muitas alianças nos dedos. Um cheiro vicioso de cigarro e suor, mesclado com uma marca barata de desinfetante. No alto de uma porta fechada a escrita: NO MÍNIMO 10 REAIS (SENÃO NEM ABRA). Que falta de cordialidade a dona da escrita tinha com estes ilustres clientes que tanto davam lucro a elas!!!!
Tentei cheirar prazer, mas meu olhar distanciado só via cansaço e dor. Uma seminua gritava: É PRÁ ACABAR!! EU TO FECHANDO!! É PRÁ ACABAR!! Parecia uma feirante oferecendo suas últimas laranjas pokans...
Vi uma performer dialogando em alto tom com outra performer (as duas estavam vestidas com toalhas... de rosto..), sobre um cliente que saiu enfurecido, afinal ele desejava (sempre o DESEJO) que a performer enfiasse o braço nele... e ela, um tanto receosa, só enfiou o punho... o cliente saiu enfurecido... segundo ela, ele queria algo maior, sempre maior... fiquei imaginando que cena performática não foi!! Pena não ter público para ver...
A performer que ouvia a história, imperativamente, falou: - Enfiasse um de 40 cm nele!!
A dona da história respondeu:- fiquei com medo!! Imagina eu ir com meu braço preso no hospital!?.
Descemos, e pagamos dois reais para assistir uma performance de srtip tease dentro de uma cabine, a pobre performer parecia cansada. De óculos escuros ficava sentada mesmo e rebolava uma vez por ano. Eram um abrir e fechar de coxas!! Achei que faltou na performer mais presença de palco, mais vontade, afinal O CLIENTE TEM SEMPRE RAZÃO...
POR HOJE É SÓ PESSOAL...

quinta-feira, agosto 21, 2008

Retalhos de Amor Partido : dor e despacho sobre o corpo da cidade

Guaicurus. Rua sem saída. Sou testemunha de um ato artístico único. Uma mulher, Érica, corta pedaços de pano e vai " vestindo" cantos, postes, lixeiras e escadas do grande corpo da cidade. A seda vai sendo cortada e violentada. Uma mulher e uma tesoura. Há perigo nessa combinação. Junta-se ao fato dela estar sentada numa encruzilhada deserta. Mais perigo e desconfiança. Uma evangélica passa por ali e olha de soslaio. Duas mulheres em lados opostos. Uma está salva pelo Pai, já a outra é uma perdida de amor e dor. O feminino rasgado. Abandonar "representações do feminino domesticado". Castelos destruídos, a rua é agora o lugar da cura e do encontro com aquilo que não se responde.

Érica me conta que está abandonando colares e presentes pessoais. Objetos de amor. Objetos carregados de representação simbólica. Histórias e memórias.O Outro que vive e respira em objetos guardados como se o amor fosse durar para sempre. Objetos-amuletos- como guias firmadas na fé de um ritual. Amar é uma questão de fé e perseverança e mulheres amam demais, além da conta. Tá firmado, assim se declara na magia da umbanda. Está afirmado- é o que alguém diz para o outro quando coloca uma aliança no dedo ou acrescenta mais nomes ao seu nome.

O fato é que através de objetos ou roupas o ausente se faz presente, por isso guardamos os objetos com tanto cuidado e carinho ou então jogamos fora com tanta raiva.
E assim Érica despacha sua dor colorindo o corpo da cidade. Trabalho anti-espetacular, anti-representacional, é a vida dela. Ninguém que passar pelas ruas vai compreender o sentido de pedaços de seda amarrados e abandonados pela cidade. Ninguém saberá dessa narrativa de dor e abandono. Ato de uma mulher agenciando pedaços de histórias de outras mulheres. É uma conspiração feminina silenciosa.

Ao final da experiência a mulher me diz "Isso me ajuda muito"!!!!!
Eu é que me sinto privilegiado por testemunhar uma mulher enfrentando suas frustrações amorosas. Isso será arte?
Percebo um diálogo de vários procedimentos nessa pesquisa e acredito que temos muito a colaborar com o trabalho do outro. Acompanhar os procedimentos dos outros está me inquietando muito e criando novas investigações.
Voltando pela avenida Afonso Pena identificamos a passagem de Nina por ali: o contorno de uma morta no chão da cidade. E assim obscenamente vamos intervindo no corpo da cidade. Vários procedimentos-tecidos rasgados criando desterritorializações e estranhamentos.

terça-feira, agosto 19, 2008

a mulher caminha

Obscena, dia 18 de agosto.
Às sete horas cheguei ao nosso ponto de encontro. Lica já estava lá, aquecendo-se. Sairíamos às sete e meia, para voltar às nove. Tínhamos uma hora e meia para o trabalho.
Havia, para mim e Lica, uma proposta de ação/situação: a cidade das mortas (pelo menos para mim... Para ela, como se chamaria?). Lica seu corpo embalagens plásticas metalizadas utensílios do lar. Eletrodoméstica. Eu armada com meu instrumento: o giz, colocado singelamente numa embalagem de creme para cabelo: Hair construtor.
Eu também me aqueço, preparo meus instrumentos. Como avançar a ação? É necessário selecionar narrativas a serem experimentadas. Os anúncios das prostitutas de Curitiba devem percorrer esses corpos mortos, desenhos a giz no chão. Também deve estar lá o verbete do Aurélio. Também quero: a gente pensa que é mulher e é só fêmea, bichinho de estimação. Também quero: uma mulher é feita de arestas, becos, buracos. Voz, carne e sangue. E osso e pele. Quero brincar com as tarefas inúteis e com os desejos de consumo da mulher: depilação a laser, botox, jet bronze, diet, light. E quero jogar com as manchetes e estatísticas: Enterrada menor de treze anos, estuprada e morta. Cem mil crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil.
Eu e Lica nos guardávamos. Nosso trajeto: do Marília à Estação. Pela Afonso Pena, paradas no caminho. Corpos. Escritas. Patrícia nos acompanharia. Didi iria também caminhar, com um folheto de doe sangue, pés descalços, corpete. Idelino seria seu anjo da guarda. Durante uma boa parte do trajeto, eles nos acompanharam. Era interessante perceber como as duas figuras, estranhas, criavam impactos próprios à sua junção. Algo estava acontecendo.
Passamos na porta do Palácio das Artes. Muitas pessoas. Havia eventos na cidade. Ontem, a cidade estava quente. Por toda parte, grupos de pessoas. Em frente ao Chico Nunes, no parque, música. Continuamos nossa trajetória. A mulher objetos caminha à minha frente. Era possível observar as reações que provocava. Os olhares que se voltavam à sua passagem, os risos e estranhamentos. Os homens, ah, os homens... “Pra que tampar o bonito? Tira essa bacia daí...” “Gostosa... gostosa... vem, vem!”
Em frente ao Café Nice a mulher objetos foi ovacionada como uma miss no desfile de finalista. Ah, os homens! Ali nos pareceu um ótimo lugar para deixar nossas mortas. A mulher objetos larga suas inúmeras sacolas e deita-se no chão. Desenho um belo corpo no chão e começo a preenchê-lo: mulher ser humano do sexo feminino capaz de conceber e parir outros seres humanos e que se distingue do homem por essas características. Mulher da vida: meretriz. Mulher à toa: meretriz...
Estávamos em frente à McDonald´s. Eu escrevia. A Mulher objetos postava-se em frente ao M, compondo com o seu corpo naquele espaço. M. Mulher objeto.
Precisamos explorar mais a Praça Sete.
Mas, ontem, ali, nos perdemos. Desci a Amazonas, busquei-a na Praça Rui Barbosa. Praça da Estação. Onde estará?
De repente, a vejo. Do outro lado da rua, carregada de sacolas, numa alameda de luzes. Atravesso a rua. Ela senta-se em frente a um casal de mãos dadas no banco da praça. Desenho bunda e pernas. Mãos saem dos quadris. O desenho é interessante, mas o chão é árido. Já começo a criar preferências. Ah, adoraria poder deitá-la no asfalto. Desenhá-la em meio aos carros. Parar o trânsito.
Ela atravessa a grande avenida, avança para a Estação. Caminha entre os pontos de ônibus e deita-se na passagem dos pedestres. Afeiçoei-me às passagens de pedestre. O chão é liso e inclinado. O espaço é razoável e atrapalhamos o trânsito.
“Vocês são de algum movimento feminista? O que é isso? É teatro?”
A última morta deixamos sob o viaduto de Santa Tereza: Samy, 20 anos. Morena mestiça. Sapeca e safada.
É preciso ser mulher até o osso.
Deixamos o último traço e partimos. Eu bastante feliz. Achei o fio dessa meada.
Hoje até vou ao Maletta. É preciso beber as mortas.
Nina Caetano

segunda-feira, agosto 18, 2008

a riscar-se

Obscena, dia 15 de agosto.
No último relato de junho, eu ainda datava: Marília.
Mas somos obscenos. Fora de cena. Fora de teatro, casa, lugar seguro. O Obscena declara seu amor às ruas. Às margens.
No dia 04 começaríamos o trabalho na prática. Mas a instituição é proibitiva. Ela não respeita os acordos. Ela tem motivos. Aqui não cabemos.
Falamos do que não cabe. Fazemos o que não cabe.
No dia 11, meu aniversário de 39 anos, partimos para a efetiva prática. Nesse dia, eu acompanho. A raiva me fez esquecer meus materiais de trabalho. É preciso dominar a raiva, achar o centro. Riscar para arriscar. Riscar o desimportante. Concentração e propósito. Arriscar-se rumo ao fundamental.
Quais os fundamentos de minha busca agora? Achar o meu papel. A riscar-se.
Nesse dia eu acompanho Erica, William, Lica. Paramos no duelo de dj’s sob o viaduto de santa tereza. Ali é um espaço de homens. Mulheres, pouquíssimas. Só as das ruas, como nós. Mas temos trabalho a fazer, não podemos ficar.
Caminhamos rumo à Estação. Escura, sem luz. As águas jorram. Uma árvore bela e solitária, entre as águas. Espaço para a ação de Erica. Lica investiga a árvore. Eu acompanho a montagem dos bloquinhos de brinquedo de Erica. Fotografo. Logo chega Idelino. Depois Clóvis. Logo passa William, quimono e calcinha na cabeça. Outra na boca. Várias nos braços. Carrega uma mala, retirante. Caixeiro-viajante talvez fosse mais adequado, na perspectiva do senhor para quem a praça é ambiente de trabalho. Ele vende sua água cervejinha. O moço engraçado deve vender calcinhas. Assim, com ela na boca, as mulheres apaixonam. Segredo de vendedor. O capitalismo explica tudo. Qualquer ação estranha é justificada pelo objetivo nobre da venda. Da propaganda. Da mensagem. O que significa isso? Um outro pergunta... qual a mensagem? Do que se trata? Há que se achar a ordem. Os motivos que justificam dentro de nossa lógica de mercado. Aqui, nada se perde, tudo se recicla, se renova, se revende. Tudo é requentável.
William passa novamente, eu o fotografo. Erica termina. Agora é a vez de Clóvis. Relatos de dor. Confidências de fracasso. Erica desfia o seu terço para o mesmo santo desvestido. Desprovido. Desiludido.
Despacho dessas mesmas dores. Voltamos à praça, agora no trecho interiorano, com fonte, banquinhos e canteiros. Ali, Erica deita-se no chão. Clóvis desenha seu corpo morte no chão. Construí meu castelo sozinha. Sozinha. Sozinha. Ao lado do corpo desenho, outro despacho. Roupas, salto alto. Velas. Colares, esmaltes. Exposição de bonecas. Objetos vazios.
É preciso beber as mortas.

Nina Caetano

11 de Agosto

No encontro do dia 11 de agosto cada integrante do grupo deveria ir para algum local público em BH, com o objetivo de buscar materiais para a pesquisa individual de cada ator pesquisador. Bem... escolhi as casas de prostíbulos de BH! Segui rumo a duas casas, perto da rodoviária. Nas duas, o segurança me pediu carteira de identidade e ainda sim desconfiam de minha idade. As duas casas que conheci era praticamente idênticas. Tinham o mesmo aspecto: cheiro de incenso vagabundo, cheiro de perfume forte, cheiro de sexo ( algumas vezes senti o cheiro de goma de preservativo ). E nas duas casas, longos corredores... muitas portas... umas fechadas com plaquinhas escritas " FAÇO MASSAGENS POR 10 REAIS (...) PREÇO MÁXIMO ATÉ 10 REAIS (...) Já as portas abertas mulheres nuas deitadas sobre a cama lendo CARAS, CONTIGO, ou REVISTA EM QUADRINHO. Muitas com sorrisos forçados, outras nem forçavam seus desprazer! Algumas se masturbavam mecanicamente, outras gritavam, outras cantavam, outras escutavam FUNK! Houve um instante em que uma profisional do sexo estava contando uma história para a outra. Eu muito interessado parei e fiquei escutando, tentando me aproximar delas. E foi muito interessante que elas me inseriram na conversa sem nenhum problema. Ela contava que há instantes atrás um homem de camiseta cor de creme a pediu para enfiar um "consolo no rabo dele", e ela ao enfiar tal consolo foi impedida pelo homem, pois este disse que era muito pequeno. Ele a chamos de filha da puta e pediu para enfiar a mão inteira! A profissional do sexo ficou irritada por ele a ter agredido, chamando-a de Filha da puta. Ela disse a ele que não iria infiar a mão em seu rabo, pois seu rabo deveria ser sujo e que ela não queria ficar intalada com a mão naquele cu pobre". Depois dela ter me contado esse caso sai da casa e fui para um bar da esquina que havia estrip de mulher. Paguei R$ 2,oo para ter dois minutos de estrip. Começou: uma mulher bonita, morena, de óculos escuros dançando em uma cama em constantes giros. Ela se masturbava cenicamente! Evitava me olhar! Dançava... dançava e de súbito, as luzes se acabavam. Quem gozasse ótimo! Quem não gozasse que comprasse mais fichas! Quando deu 15 para as 22 horas precisei abandonar todo aquele universo e me retornar ao Marília. Quando estávamso reunidos um dos integrantes do grupo: Moacir, nos deu uma notícia ruim, falando que nos abandonaria temporariamente por motivos profissionais e pessoais. O clima ficou triste, mas em seguida comemoramos o niver de Nina no Maleta. Bebemos, conversamos, rimos. Enfim, foi isso...

domingo, agosto 17, 2008

nesse dia 11 eles estavam especialmente felizes.
sentaram-se ricamente na Cantina do Lucas, comeram, beberam, beijaram-se e foram irritantemente felizes, como só os obscenicos sabem ser.




























Relato(´rio) Obscênico 11 Agosto

Relato(´rio) Obscênico – 11/08/2008
Como propus trabalhei com os tijolinhos/bloquinhos de brinquedo. Pretendia trabalhar com quatro conjuntos, mas somente achei três caixas do brinquedo. Após acordar o corpo no Marília que hoje nos cedera o palco para trabalhar, hahahah!, fomos para rua. Descemos para a praça da estação, Nina eu liça William. Clóvis e Joyce foram para a rodoviária, Marcelo Didi e Saulo para a Guaicurus. Idelino encontrou-se conosco na praça e Clóvis também. Antes de chegar na praça paramos um pouco debaixo do viaduto de santê para ver o movimento BATALHA – 35 anos de hip hop.
Observei o espaço. A praça estava com as luzes apagadas, segundo o guarda a Cemig desligara. Será que o governo cortou por falta de pagamento?
Fui para frente do monumento onde um homem estava montando sua cama. Bem ali a seus pés eu montei meu castelo com os bloquinhos. O espaço fora extremamente generoso comigo, havia três folhas de revistas femininas soltas no chão, catei-as para serem meus ‘terrenos’, em cada uma construí meu castelo de bloquinhos. As imagens perfeitas construídas e sobrepostas. O micro e o macro o concreto e o virtual. Sobreposição de fascínios. Este brinquedo é bem diferente do que eu desejara este para minha surpresa não tinha a pintura de tijolinhos janelinhas portinhas. Este era uns bloquinhos de madeira com uma cartela de adesivos para colar. O motivo deste primeiro era um aeroporto.
Eu compunha o meu castelo e este morador o dele. Eu criava minha relação com a praça e ele ali estendia seus panos para descansar.
O segundo foi aos pés de uma árvore à direita donde eu montara o primeiro. O motivo deste era um clube – piscina sauna balanços escorregadores.
O terceiro depositei-o fechado sob as águas dos chafarizes à esquerda do monumento. Este eu deixei para que alguém além de mim pudesse construir este castelo. Molhado. Encharcado.
Deixei ali meus castelos virei as costas e fui observar Willam em sua caminhada pela praça. Vestido de gueixa tem várias calcinhas na cabeça, na boca, nos braços e anda solenemente pela praça. Pergunto ao senhor que vende refrigerante, cerveja, água... _ que é isso? Ele diz que Will está trabalhando, vendendo calcinhas, mas que aquelas não eram pra qualquer uma não. _são pequenininhas né. Se bem que esticam, ah! Mas num é toda mulher que gosta não.
_ é minha fia cada um se vira como pode pra ganhar um dinheirim né!?
Saí e fui pro bar vomitar minhas lágrimas para Clóvis Nina e Idelino.

Estas palavras são para Clóvis.
Os meus desacertos enredo-os eu a ti que generosamente e performaticamente os escuta e ouve.
E Ela disse assim:
_ bem, tudo começou quando... nossa! Que merda! Num é isso.
- na verdade estou cansada.
Semana retrasada algo acontecera. Ela decepcionara-se novamente. Os velhos erros em novos e eternos dias e atos. Prólogos de términos previsíveis. Não há mais razão para estar com ele. Isso é o que mais dói.
_ meu castelo eu construí sozinha.
E sozinha ela vê que é preciso desconstruí-lo. O quão nocivos que ela e o outro podem ser. Isso sim ficou muito claro. As almas não correspondidas e não correspondentes após aqueles anos de convívio. Acreditar. Fazer-se ser de tal e tal forma e assim formatar o outro. Dia a dia.
_ é preciso consciência. É preciso estar só. Limpar-me do que desejei ser para ele.
Só assim ela será outra. E... Agora eu desejaria sorte a ela em novas e possíveis conquistas amorosas, mas até a mim soa hipócrita essa ação viciada de desejar que somente um amor cure outro... não quer que homens a comam, nem mulheres, experimenta agora a plena e profunda solidão da carne. Logo quem?! É de admirar-se... logo você que sempre teve homens a seu redor. Agora é só. Nem mesmo permitindo-se brincar com os sentimentos alheios como fazia de costume em noitadas em butecos. Nem mesmo isso ela se permite mais. Fechou-se. Encasulou-se. Esta em prece. Ora por si. E pelos demais. Trabalha. Duro. Há alguns meses não sente o gosto do domingo. Mas, agora é de tudo isso que ela precisa: trabalho.
Dessa forma deitou-se no chão e deixou que o outro copiasse suas formas cobrindo-as de pétalas vermelhas sob o escrito:
_eu construí sozinha meu castelo.

O TRABALHO DE DESPACHO PARA IDELINO

Logo pela manhã leu o esquema de trabalho proposto pelo amigo obscênico. Num ímpeto levantou-se, virou para a esquerda abriu o armário e catou sem pestanejar um vestido vermelho meio espanhola os sapatos de salto da formatura três colares – branco vermelho preto – três esmaltes – dois tons de vermelho e um branco – uma cachaça e duas xícaras de esmalte – brancas – uma vela vermelha e um verde – cores de São Judas Tadeu seu santo de devoção.
Após ceder seus fracassos a Clóvis monta estes objetos no chão como um corpo que ali não habita mais e secou-se deixando somente os panos e ornamentos que o compunham. Ali uma mulher morreu. Jogou cachaça nos pés dessa figura e brindou a morta e bebeu a morta.
Por fim Idelino levantou-se em com extrema cerimônia recolhe os restos da morta e guarda-os como um tesouro em sua bolsa. São as cinzas de uma ‘sonhadoura’. De alguém que fascinara-se com a idéia da comunhão, fascinara-se com a idéia da metade reencontrada. E assim, distraída, caiu.

"_ Eu tinha umas azas brancas brancas brancas
Que em me eu cansado da terra esguia-as
Subia aos céus ..."

Três policiais ficaram a assistir e só se aproximaram quando o grupo se afastou.

E assim os obscênicos afastaram-se em direção ao Marília e de lá para o Maleta comemorar o aniversário de Tia Nina.

Transgênico, pura, pureza, clara, transparente, limpa, limpinha, indetectável, com carga menor do que 50.


Retorno aos trabalhos do Obscena. No palco do Teatro Marília, demos início às nossas conversas semanais e fizemos planejamentos para este segundo semestre de 2008.

A pesquisa de agora para frente torna-se um pouco mais individual, dando espaço

para o aprofundamento nas buscas de cada pesquisador, tendo como elemento que permeia todos os estudos práticos e teóricos a textura feminina.


No segundo encontro do mês de agosto de 2008, dividimos e fomos cada qual para sua sua busca, sendo ela prática ou teórica. E assim foi.



Nas linhas a seguir, contarei um pouco sobre as minhas férias do Obscena. No mês de julho, elegi “Triângulo das Águas”, de Caio Fernando Abreu, para minha leitura. Esse escritor tem sido um dos maiores motivadores de minha pesquisa. Tenho apropriado das suas narrativas como um elemento colaborador no tópico épico-dramático da pesquisa que estou fazendo e que fiz um batizado provisório de “Transgênico, pura, pureza, clara, transparente, limpa, limpinha, indetectável, com carga menor do que 50 ” (em uma outra oportunidade, falo um pouco sobre esse título/ nome).



É impossível ler o Caio sem dor, é uma coisa assim que incomoda, machuca, sabe, mas não porque ele tenha intenção de ferir ou chocar ou qualquer coisa assim. Existe uma série de fatores no “Triângulo das Águas” que ainda são questões em aberto, então, se pensarmos que está em aberto, logo podemos supor que existe algo desconhecido. E se é desconhecido, pode gerar medo, ansiedade e outras coisas mais ...


Nas linhas da obra do escritor, encontramos algumas figuras que, na maioria das vezes, estão vazias de afeto, cheias de dúvidas.... e que bom que existem as dúvidas, pois, assim, logo podemos imaginar que há uma busca. A sexualidade discriminada, a solidão constante, e outras coisas são verborragicamente soltas nas linhas dessa obra em que não se nega nada, não se pode velar nenhum desejo.



Escolhi algumas passagens de Caio para enriquecer esse relato:



De "Triângulo das Águas":

“ Só depois de sentir o sangue renovado nas veias ...”

“ Abraça tua Loucura antes que sejas tarde demais”

“ O Céu esta cada vez mais claro. Alguns pássaros começam a cantar. Tenho vontade de cantar também.”

“ A gente sempre sabia onde o outro estava, não tinha nenhum jogo de angústia. A gente cuidava um do outro, não havia dor.”

Um relato sem final.

384 x 281

11/08/2009

A preparação do ator. Vestir a roupa como ritual, como se veste defuntos vivos, construir um pré-velório de indumentárias, revestir a pele, cobrir partes castigadas pelo calor e pelo breu, tirar a calça por debaixo da camada de tecido para não ferir a humanidade pura, barganhar a cueca pela calcinha (detalhe para o cliente ordinário não descobrir). Revestido, há de carregar a mala. Atravessar. Quantos passos femininos bastam para ir e voltar? 384. Quantos passos masculinos bastam para ir e voltar? 281. É matemática. Atravessar, em gênero, é uma questão de matemática.

Primeiro o kimono cruza. Calcinhas penduradas no membro. Cortar a praça em estado outro que não o de cada dia, que não de mulher, que não de gueixa. Só isso! Lugar comum. Gueixa? Queixa? Samurai? Retirante? Protestante? Vendedor? Não mexer com ninguém, não violentar, não violar. Ludicidade apropriada como sinônimo de corpo coberto. Olhar o que cerca, traçar o caminho por entre todos, segurar os membros com cuidado e seguir em diante. Instalação movediça. Um corpo, um kimono, calcinhas e mais nada. A mancha se locomove por entre transeuntes. Comentam, comem, esperam, correm, param:

O quê que significa isso? (mostrei a calcinha)
Mas o quê que significa isso? (insisti com a calcinha)
Não entendi o lema! (aproximei a calcinha)
É sobre doença? (espichei a calcinha)
Mas não tem nada escrito! (reaproximei a calcinha. Olhou de perto)
Ah, é sobre doença! (acenou para o ônibus. Segui a caminhada)

“O gesto é aquilo que fica em suspenso em cada ação voltada para um objetivo: um excedente de potencialidade, a fenomenalidade de uma visibilidade como que ofuscante, que ultrapassa o olhar ordenador – o que se torna possível porque nenhuma finalidade e nenhuma reprodutibilidade enfraquece o real do espaço, do tempo e do corpo”.

Diálogo que não encontra a resposta no registro da realidade, que não mimetiza e nem tenta abarcar algum todo de real. Movimento como respostas. Isso me interessa. Restos e sobras me interessam, tudo que escapa. O gesto deixa escapulir, fugir. O gesto não responde, não cerca, não impõe nada, dispõe deslizes possíveis. O gesto desloca.

É protesto!

É vendedor de calcinha! Cada um faz o que dá pra ganhar a vida!

Ouvi. Ouviram. Volto ao ponto de partida. Retiro a indumentária. Limpo na calcinha a cara marcada de vermelho. Ritual de retorno à vida, desvestir o réu assassinado, retirar o véu, desfalecer o morto, revivar, vivalma. A mesma trajetória, de calça, sem calcinha, com mala. Passadas firmes e corpo veloz. Ninguém observa, ninguém comenta, ninguém vê. É preciso morrer, se aproximar da morte, para ser notado. É preciso morrer para transformar, para performar.

Nada ainda foi feito. Tentar, tentar, tentar. Daqui pra frente, vou prender mais, mover menos, locomover com dificuldade, marcar os passos, acentuar o gesto: objeto feminino que violenta o físico, tudo em exagero, em paroxismo: criar superclichês, supersignos. Instalação movediça. Instalar para entalar. Prestar vista ao vendedor de calcinhas (usadas). Sem personagem, sem linearidade, se historinha. Os objetos claros vão sujando de vermelho, quero o branco tinto. Pretendo ainda a-ca(n)tar, um dia. Desejo atravessar pelo real da caricatura e ensinar nada.


A citação: LEHMANN, 2007, p.342 (risos de clown e gargalhadas de Nietzsche)

sexta-feira, agosto 15, 2008

ABANDONO NÚMERO UM : Eu construí meu castelo sozinha....

Ela fala. Ela bebe. Ela respira profundamente. Ela me olha com vontade e dor.
Eu escuto. Eu me deixo atravessar. Eu deixo doer.
Num bar próximo a Praça da Estação ( BH) escuto uma frustração amorosa de uma jovem mulher machucada e repleta de medos. Mulher, artista e atriz. Ela abre meu processo prático de escuta de dores e abandonos femininos.
Escuto. Silêncio. É a voz da mulher que se escuta. Não há perguntas, interrupções ou análises. Fala-se o que quiser, do jeito que quiser, é um ato de exposição. Eu peço a dor dela, o fracasso amoroso, a mágoa, o não resolvido, o resto do resto. Fazer luz das sombras.........
No bar escuta-se canções populares de amores vadios. Ama-se e se sofre por amor. Mulher e entrega. Mulher perdida por amores perdidos.
Mulheres constroem sozinhas seus castelos de vida e realidade. Mulheres enganadas , quando meninas brincavam de casinha e sonhavam encontrar o príncipe encatado que as levaria para viverem felizes para sempre num castelo encantado. O homem como salvação , o amor romântico, as relações idealizadas, as renúncias em nome do casamento, a maternidade, na verdade um castelo de ilusões.
Após a escuta realizamos o abandono dessa dor no meio da praça. A mulher se deitou e eu grafei seu corpo no chão, depois risquei ali dentro trechos e frases da narrativa escutada e finalmente joguei pétalas de rosas vermelhas sobre aquela instalação de vidARTE.
Te agradeço muito, Érica Vilhena, pela coragem e pela sinceridade!!!!!!
Doeu escutar tua dor, mas ela já foi abandonada de alguma forma. Como aprendemos com a dor do outro ! A dor e o amor de alguma forma nos unem e irmanizam....
Primeiro abandono necessário!
Quem vai querer me doar sua dor da próxima vez?
Quem vai assumir a queda e a ruína dos castelos de areia e sonhos desfeitos?
Agora ela constrói seu castelo sozinha e pode morar dentro dele.

terça-feira, agosto 12, 2008

SEGUNDA SEM LEI - 11/08
reflexão rapidinha
Cheguei atrasado.Cheguei correndo.Nenhum recado.Nenhum sinal.Ninguem sabe dizer.Praça da estação.Por certo.Ninguém atende telefone.Chego ao final Procedimento do Clóvis.Mesa de bar.Confessionário: irmã Erica.Bom, ela disse que...isto é la com o Clóvis.Mas, enqanto se confessava ao "sacerdote", muitas coisas vieram.Muitas respostas práticas.Mas, a cerveja descia e muito.Podia ter sido mais. Aliás, o bar é o melhor confessionário.É de todos, o melhor espaço.A cerveja abre os campos,e por que não uma dose de pinga.Alivia as tensões.Libera o corpo.Solta a boca.Faz fluir as palavras.Externaliza o íntimo.Por que as entidades bebem? Em parte pra soltar a "matéria", dura de tantas tensões.Pra trabalhar macio no "cavalo" duro.E só então podem ficar á vontade pra saravá á vontade.A bebida foi essencial.Mas, é um trabalho solitário, sem testemunhas.
Assim como o despacho...deixe que se va sozinha...sem testemunha...despachar suas desgraças,a fim de que o tempo leve e cure.Uma terapia será.com certeza.Mulheres á beira de suas misérias.É o próprio Lebara acompanhando suas comadres!Que as ouve e compartilha equilibrando as forças diante daquilo que é negativo.É o próprio exercíco de memória-emotiva para outros fins.Despachamos Stanislavski com seu procedimento emotivo.Usamo-o aqui,ao contrário.Evocamos a "emoção verdadeira".No entanto para nao representá-la, mas, para despachá-la.Isto me puxa novamente ao meu trabalho: a "Emoçao Verdadeira".Tenho lido Peter Brook.E está em pauta nas minhas observaçoes "esta emoção verdadeira"como fim.Quero investigá-la, a partir daquilo que não se representa.Os trabalhos se cruzam.Você me inspira e me abre as portas!Me provoca outras questões.Saravá meu camarada Cló!

segunda-feira, agosto 11, 2008

Deriva de língua para acertar as contas .com

04/08/2008

Voltamos à ativa. Pelo menos, a língua, enquanto o resto descansa sobre o palco que nos protege. Há linóleo sobre a madeira e nosso corpo sobre o linóleo. Idelino lembra linóleo. Linóleo lembra dança. Dança lembra Patrícia. Patrícia, cadê você? Nem notícia da dança criativa, nem sombra, nem derivação de dança pura. Onde dançará Patrícia? Saudades de Clóvis, do sorriso dele. Vou amassar Moacir, o nariz e a cara do cineasta na frente das câmeras. Mariana agora anda grávida demais. Não dá mais. Mulher barriguda que vai ter... Qual o destino que o Obscena vai ter? Seja qual for, quero. De longe, talvez, farei quase nada, além de divulgar, promover, lembrar. Mas volto, um dia eu volto.

Falamos, falamos, falamos. Falamos demais. Vou consultar o papel. O caderno é o oráculo que diz o passado. Discutimos sobre o futuro. O presente foi adiado pra não sei quando. Deixe o presente pra depois. Vamos fazer, faremos. Vamos mostrar, mostraremos. De agosto não passa. Vamos abater o touro. Como?

Marília não nos suporta mais. Ele quer nos vomitar. Comeu, não bateu bem, oh oh, oh. Vomitam a gosto, em agosto, o gosto de amostras frágeis, talvez fáceis, mas que têm incomodado puritanos cidade afora. Vai entender esse povo que não saiu da caverna, esses mineiros que vomitam Prometeu por politicagem. Não é isso. Não foi ruim. É que podemos mais! Eu sei.

Marca agenda, depois remarca ao deus dará. Foda-se! Esse povinho não é bem vindo aqui. A voz do teatro, coberta com boné e projetada com óculos, me atormenta. Querem nos calar. A vitrine só poderá ser ocupada com ludicidade apropriada. Que os loucos não se aproximem mais de hospitais. Atentado ao pudor não vale. Estética não é conteúdo. “Não vou discutir seu conteúdo”. Então discuta nada. Tudo é conteúdo ou nada é conteúdo. “Moderno por fora; barroco por dentro”. Temos que respeitar as leis. Que nada! Temos que respeitar as pessoas que são esmagadas dia a dia, que são caladas do lado de fora das vitrines, que são rejeitadas pelas arquiteturas da imponência, que são expulsas dos saberes como se faz com favelado em porta de palácio, que são cegadas, anestesiadas, alienadas, esquecidas, vomitadas e sorriem com batom caro, registrando o lábio grosso e marcando a escrava contemporânea. Eu respeito o sujeito, o corpo, o quase animal ainda não domesticado. Respeito tudo que escapa. Respeito as sutilezas do gesto teatral. A lei não me serve, a lei não me atende, a lei não me cerca, a lei não me dita, a lei não me cala, a lei não torna meu corpo dócil, a lei me diz muito pouco. A lei tenta abarcar o todo. As sutilezas sempre escapam à lei. Não sei se submeter ao direito ou endireitar o submetido. Não há justiça mesmo. A gente escolhe. A gente repensa o direito. A gente refaz a lei a partir do cinestésico da dança criativa...

Em termos de pesquisa, cada um no seu cada um. Fica assim de agora em diante. Cada um na sua pesquisa. Como dialogar com outros na zona do individual? Descobrirei. O que quero eu com a forma das coisas? Como organizar meus processos de criação? O que fazer com a narrativa? Não quero mais cuspir as palavras na cara dos outros sem acertar no olho. Quero invadir espaços urbanos, me instalar no desconhecido da superfície como objeto estranho sem violentar nada, sem agredir ninguém, introduzindo narrativas sonoras que plantam sons nas copas do caos sonoro. Quero pesquisar os estados do corpo, os estados da voz. Andei lendo Lehmann pra ser contemporâneo. “O estado é uma figuração estética do teatro que mostra mais uma composição do que uma história, embora haja atores vivos representando. (...) O teatro pós-dramático é um teatro de estados e de composições cênicas dinâmicas”. Quero revisitar a cidade dos mortos, sem matar nada, sem deixar meu impulso morrer. “O teatro é um diálogo com os mortos”. Ah, quero ser um bom moço. Vou tentar.

As referências são respectivas para assegurarmos os lugares. Alguma coisa está fora da ordem?
[1] LEHMANN, 2007, p.114
[2] LEHMANN, 2007, p.116.
Como bem me fez lembrar a Erica hoje pela manhã,os procedimentos que proponho abaixo,serão realizados em dias fora da segunda, ou na própria segunda, com outras mulheres, alheias ao OBSCENA.Salvo, alguma mulher do OBSCENA queira de livre e espontânea vontade,vivenciá-los de acordo como estará sendo proposto! ou mesmo se considerar que cabe "colaborar" algum material pessoal, dentro desta estrutura proposta.

O MERCADO DA BUCETA - procedimento urbano


O MERCADO DA BUCETA: ‘oferta aquisição destruição e incorporação ao urbano’ numa composição espacial
Este ano um incômodo me acerca: a estrutura sociocultural que rege a educação feminina. Os meios e ferramentas utilizadas para construir a identidade necessária para a manutenção das relações de poder entre os gêneros masculino e feminino. Comecei pesquisando histórias de mártires como Joana D’Arc., e algumas santas... Por influência do sincretismo religioso que compõe minha brasilidade escolhi a história de Santa Bárbara. Uma pagã que encontrou na imagem do Deus único e seu benevolente filho a devoção de sua vida, mas sendo filha de Rei e tendo a mão em oferta à casamentos rendosos seu Pai, depois de mandar prendê-la e torturá-la dia e noite até que por fim, em praça pública, decapita a filha em nome de sua superioridade social cultural e de gênero.
Começamos então a pôr em prática nossas pesquisas e num primeiro momento propus o seguinte procedimento:
- uma série de objetos foram ofertados aos demais OBSCÊNICOS;
- estes estavam divididos em grupos de dois ou três, em acordo com a consonância de suas pesquisas;
- cada um devia simplesmente relacionar-se com o objeto, com o espaço e com uma narrativa trazido pelos mesmos.
O objetivo era perceber o modo como cada um reage aos objetos ofertados, mesmo estes não estando em total consonância com suas pesquisas e anseios; captar ações programadas; suscitar a diferenciação entre agir e representar.
Assim percebi que nosso corpo é extremamente dócil e programado. Os objetos suscitam em nós ações pertinentes à utilização dos mesmos no dia a dia ou mesmo trazem locais estabelecidos em nós. Temos o ‘dom’ de estagnar os conceitos para formar imagens seguras. As imagens só se mantêm seguras quando não desvirtuamos a utilização dos objetos e espaços à nossa volta. Não, a questão aqui levantada não é a resignificação de espaços e objetos, não é esse o ponto. E sim, a busca da compreensão do objeto e espaço como reverberações da composição sociocultural de nós indivíduos ditos OBSCÊNICOS.
Quando partimos para nossa primeira mostra utilizei como suporte a narrativa da história de Santa Bárbara e convoquei a todos os pais e mães de ‘meninas’ que se manifestassem diante às formas e lições de educação pertinente ao gênero feminino. Os pais e mães, mas principalmente ‘mães solteiras’, manifestaram-se com interesse. Muitas vezes direcionei a discussão, mas ao mesmo tempo consegui mobilizar mais de trinta pessoas acerca de algo tão banalizado: a construção do ser mulher.
As colocações de meus colegas de pesquisa ampliaram meu conflito: _Você quer ensinar algo? (William); _Algumas questões por você colocadas direcionaram muito a discussão! (Maroca e Moacir); _Não havia um personagem, mas havia um status em relação ao público. (Nina); _Sua proposta aglutinou as pessoas. (Lica) e por aí vai...
Diante da primeira pergunta percebo que não há o que ensinar e sim criar um meio de expor em forma de ‘espaços’ a cultura que educa a mulher e assim convocar uma ação por parte dos visitantes: desconstruir, consumir, aniquilar essas imagens/objetos/conceitos acerca do feminino.
Diante da segunda e terceira colocações dos meus companheiros OBSCÊNICOS retiro-me de cena e ofereço então aos visitantes um locus para usufruírem, um mercado no qual irão realizar a ação mais aclamada da história da humanidade: adquirir uma buceta para domesticá-la, consumi-la, engravidá-la e alargá-la.
Fazendo uso da última colocação assumirei a ‘composição de espaços’ como foco de minha pesquisa, uma vez que creio na comunhão para realização de qualquer mudança que seja. E esta comunhão será espacial, concreta objetiva, desejo através da ação provocar a reflexão e não o inverso. Não desejo fazer os participantes refletirem acerca da educação destinada ao gênero feminino e sim agir sobre os espaços/imagens que ofertarei a eles.
Creio que meu desejo é reverberação dos desejos alheios com os quais venho trocando desde ano passado. Portanto a ação de cada um neste locus é de extrema importância. Desconstruam essa imagem, tragam-na para seus estômagos e devolvam-na reestruturada, remixada, revirada e transgredida.
Desta forma convido-os ao MERCADO DA BUCETA.
Dia 11/08 por volta das 20h – Pça da Estação.
Experimento: ‘o castelo da princesa’
Objetos: brinquedo ‘pequeno arquiteto’ – bloquinhos de montar casa/castelos;
Ação: compor no espaço da praça casa/castelos – construção destruição abandono aquisição e aglutinação ao espaço urbano.
Dia 18/08 por volta das 20h – Rua Guaicurus, quarteirão fechado atrás do Centro Cultural da UFMG
Experimento: ‘a noite de núpcias’
Objetos: retalhos de seda + revistas de mulher nua
Ação: compor no espaço do chão da rua uma colcha para a noite de núpcias e abandoná-la para que ‘esta zona de meretrício’ a incorpore.
Nomes: BARRIO (ações/situações/obras), BOYES (ações/situações/obras), BACHELARD (A poética do espaço), TOM ZÉ (Estudando o samba), Lar’s Von Tier (Dog Villie e Dançando no escuro), barriga (um modelo não representacional para o ator contemporâneo)...

Venham todos, venham todos conferir!!!!

Relato(´rio) Obscênico 04 Agosto


Relato(´rio) OBSCÊNICO – 04 de agosto do presente ano.
O MÊS DO CACHORRO DOIDO
Eu, uma ‘mulhercadelacachorraembucetada da e navida’ encontro-me novamente com meus companheiros de trabalhos OBSCÊNICOS. Após o mês de ‘férias’ retornamos ao nosso espaço, opa, nosso? Já de cara o secretário do teatro no avisa que as atividades do mesmo não são compatíveis com nossa estadia, teremos que nos adequar. Eu tenho vontade de gritar: ADEQUAR DE CU É ROLA! Sim, sei que é no mínimo escroto o meu grito, mas será tão mais que a DITADURA BRANCA que nos cerca? Eis a pergunta que não se cala, que não se engole!
Enfim, esta é nossa sina: VAGAR PELAS RUAS DA CIDADE OBSCENANDO.
Assim mesmo no gerúndio.
Não temos nada a perder, creio que este parto do espaço tranqüilo e seguro do teatro será mais producente a nós.
Afinal nada me interessa no teatro, principalmente no teatro de nossa cidade, não todo, mas a grande maioria.
Não creio mais no teatro como ferramenta ou instrumento de mudanças sociais, humanas, ecológicas, psicológicas e seja lá mais qual função o destinaram ao longo dos anos. Do entretenimento à revolução todas as formas já estão batidas e desnecessárias.
VÁ AO TEATRO E NÃO ME CHAME!
Mesmo assim não creiamm em mim. Sou uma mentirosa. Minto todos os dias para me safar, para pagar minhas contas e viver uma vidinha pequeno burguesa pseudo confortável. É isso mesmo. Não creiam em minhas palavras, mas antes confrontem comigo em meus experimentos!
E no mês do cachorro doido desejo que todos nós nos contaminemos pelo vírus da raiva e babemos nossa hipocrisia, nossa preguiça, nossas mentiras e verdades pelas ruas dessa cidade concretamente encaretada.
SARAVÁ!

sábado, agosto 09, 2008

Obscenicamente

O palco. Um lugar de representação mimética que serviu de abrigo aos obscênicos. Nos reencontramos entre tantos assuntos calados, lacrados durante o mês de julho. Saudades de todos, de novas propostas, de caminhos percorridos e bifurcados, lemos e nos ouvimos pensando em trajetórias novas e em novas estruturas espaciais, já que não poderemos contemplar velhas pilastras devido o nosso alto teor de subversão e sadismo, e parafraseando Nelson: Toda nudez será castigada"... e fomos... por que colocar pontos questionáveis em nós e em nosso trabalho sugere uma certa ousadia e conflito legal, permeados por um pouco de moralismo, pois colocar na vitrine a exposição da vida diária é espelhar o plano cotidiano que tanto vemos, mas que se torna invisível a olho nu, quando não é feito por grupos de artistas, mas está lá, saboreado pelas ruas, pela noite, noite esta que possui uma cor própria, regada por corpos a mostra, cigarros, dinheiro e dor. Muita dor. Mas como nem todas as flores são artificiais, o reencontro fortaleceu a idéia de risco e verdade, sair da minha simulação para a rua, para a exposição. Penso no que eu quero a partir de agora, quais as escolhas já que todos ficarão mais independentes, e percorrerão linhas mais fechadas e próprias. e o que eu quero? Entre tantos entremeios acredito que desejo a aproximar a vida e e minha proposta de cena, e isto me sugere muitas questões:Como aproximar o espetáculo da vida em uma época em que a vida já é espetacularizada? Como o teatro pode assumir mecanismos de aproximação com o público presente nos espetáculos, sendo que este se acostumou à apenas observar, ficando confortável em sua poltrona, sem ser atingido pela obra? Quais os procedimentos prescritos pelo Obscena que possibilitam a modificação estrutural do drama? Esta é minha busca agora

sexta-feira, agosto 08, 2008

PROCEDIMENTO PROPOSTA:

Pra quem não tem medo de ser...LAROYÊ... MULHER!

Ê pomba Gira, onde é que você mora?
Sua casa é na rua, é no meio da encruza
Suas paredes são de flor e seu teto é a lua.

ENTRE
CACOS,
FLORES E
FRANGALHOS!!


DO PROCEDIMENTO 1 :
LOCAL: RUA.COMÉRCIO.BELO HORIZONTE.QUALQUER DIA.QUALQUER HORA.
QUERO A EXPERIENCIA DE MULHERES, QUE TENHAM CORAGEM DE “SER E ESTAR” Á VONTADE, ASSIM COMO QUISER, NA RUA. VESTIDA EXUBERANTE. DE PRETO OU VERMELHO GRITANTE. MAQUIADA.ASSIM MESMO, COMO UMA MULHER.PRODUZIDA.O MAIS EXUBERANTE POSSÍVEL.BONITA.COM UM CHAMPANHE Á MAO E UMA TAÇA NA OUTRA.PARA APENAS CAMINHAR POR BELO HORIZONTE. NO CENTRO OU NA PERFIFERIA. Á VONTADE, FAZENDO AQUILO QUE TIVER DESEJO. CAMINHAR DA FORMA E NO RITMO COMO TIVER VONTADE. DIANTE DOS OLHARES EXTERNOS DE QUEM PASSA. DIANTE DAS REGRAS SOCIAIS.
DO PROCEDIMENTO 2:
LOCAL: PARQUE MUNICIPAL, RUA E OUTROS.QUALQUER DIA.QUALQUER HORA
CONSISTIRÁ NUM ESPAÇO, FIXO, CONTENDO UM TECIDO VERMELHO COM COMIDAS E ALGUNS OBJETOS DO UNIVERSO DAS POMBAS GIRAS, ONDE A MULHER, INSTALADA, PODERÁ ESTAR Á VONTADE PARA FAZER O QUE DESEJAR: COMER, BEBER, RIR, CANTAR, FUMAR, CONVERSAR COM AS PESSOAS, CONVIDÁ-LAS PARA A CEIA, ENFIM, FAZER O QUE DESEJAR. SER APENAS NESTE LUGAR, COM ESTAS COISAS.
DA PROPOSTA: O TRABALHO É UMA AÇÃO OU O DESENCADEAMENTO DELAS, ONDE CONVIDAREI MULHERES PARA REALIZÁ-LA. E SÓ MULHERES. PARA VIVENCIAREM A RUA, NA RUA, ESTAS AÇOES. PORTANTO, NÃO É REPRESETAÇÃO, OU SEJA, NÃO IREMOS REPRESENTAR NENHUMA PERSONAGEM OU DESENVOLVÊ-LA, AO CONTRÁRIO, TRATA-SE APENAS DE AÇOES. AGIR NESTE ESPAÇO DA FORMA MAIS VERDADEIRA POSSÍVEL. APENAS ISTO.
DO PROCEDIMENTO 3
LOCAL: Marília.Principalmente o quintal, não descartando a entrada principal e outros espaços.A rua.Um poco antes de começar.Mulher ou mulheres.Uma galinha e um procedimento.Um vestido de Noiva.Um passeio.2 horas oU mais de trabalho pela frente.Instalação.Será vermelho.Preto.Escuro e Claro.Será mulher e serão mulheres.
Será uma reunião.Uma assembléia.Fazer aquilo que te der prazer.
DO PROCEDIMENTO 4
Espaço aberto á outros procedimentos e necessidades surgidas no decorrer do processo.

DOS RECURSOS:
O TRABALHO SERÁ ACOMPANHADA POR MIM, MAS, NÃO HÁ DIREÇAO, NÃO DIRIGIREI, APENAS REGISTRAREI CADA PASSO; CADA ESPAÇO PERPASSADO. SERÁ NECESSÁRIO PARA ESTA - e todas as outras - INTERVENÇÃO UMA ROUPA TODA PRETA OU TODA VERMELHA OU TODA VERMELHA E PRETA, SOBRETUDO SE FOR UMA ROUPA DE FESTA/ DESCALÇA / A MULHER DEVERÁ ESTAR MAQUIADA / PODE USAR UMA BOLSA / E ACESSÓRIOS: BRINCOS, COLARES, PULSEIRAS, ETC.
EU ACRESCENTAREI TRES OBJETOS: CHAMPANHE, UMA TAÇA E UMA PEÇA DE TECIDO .
DO RESULTADO:
TODOS OS RESULTADOS COMPORÃO MINHA INSTALAÇÃO (OS REGISTROS PRINCIPALEMENTE) ,COMO PARTE DO MEU TRABALHO QUE SERÁ “MOSTRADO”, NA TERCEIRA MOSTRA ABERTA DO OBSCENA NOS DIAS 28, 29 E 30 DE AGOSTO NO TEATRO MARÍLIA. TEM TV.TEM SOM.TEM IMAGEM.TEM VELAS.TEM COMIDA.TEM FESTA,MUITA FESTA!
TUDO QUE SOBRAR É RESTO, E TODO RESTO SERÁ ARTE!

AGOSTO DE 2008
Relato
Primeiro encontro do 2º semestre
04 / 08 /08
Luzes nos miolos!
DAI-ME LICENÇA QUE EU QUERO ARROTAR
!
é segunda.é 4. é Agosto. é folclore:
LÁ VEM O SENHOR REI, COM A SUA RAINHA ATRÁS
SÃO AS FESTAS DE AGOSTO MINHA GENTE, QUE TANTA ALEGRIA NOS TRÁS! SÃO AS FESTAS DE AGOSTO MINHA GENTE, QUE TANTA ALEGRIA NOS TRÁS!
(dos cortejos das festas de agosto em Montes Claros)
Horários alterados. É 20 h. é tudo 20. Até o de sábado. Sem escolhas. Logo o sábado. Tinha os SAPOS no sábado!Afogados? Vamos chegando ao final da rua, sem saída. Somos indigentes mesmo. Sem “teto cultural”. As primas pobres. Somos da rua de fato. É na rua o nosso lance. Tornou-se uma exigência.Somos dos cruzamentos, das encruzas, das calçadas, das portas, das beiras, das derivas infinitas...Seremos marginais também no estrangeiro, sem roupa...pode me dar seu casaco?...e sem dinheiro. O obscena rompe as barreiras da tolerância (com tolerância) e dá o tiro de misericórdia. Vamos pra rua? Eu sou favorável a permanecer...não podemos nos embrenhar num caos maior do que aquele que exige o próprio processo.O teatro não vai morrer!Como diz sempre um amigo meu que ouviu de um amigo que ouviu de outro amigo... “o teatro não morre nunca, sabe por que ? Não tem onde cair morto!” “Orgulho artístico” á esta altura do campeonato.Acalmem os nervos. Pouco mais dos 45 minutos do segundo tempo? Não. Ou aceitamos nossa marginalidade, ou comprometemos nossa deliciosa criação. Neste caso,
Senhor DIRCEU, MARÍLIA pode esperar!
A mostra continua. No Marília. Enquanto suspiramos. Enquanto discutimos.Cuspimos. Ironizamos. Enquanto desejamos “ter uma troca maior entre o grupo, no sentido de cada criador mostrar forma, expor na roda, colocar na reta, o seu trabalho para o grupo. Para que se possa avaliar, tecer críticas, ajudar a esclarecer.”
Eis aí um “ato colaborativo” no trabalho do outro. E repito novamente, mesmo que pareça óbvio, é este tempo e o momento mesmo dos solos. Talvez esteja um pouquinho só mais claro o que é mesmo o negócio; onde é mesmo o buraco...eu disse, um pouquinho só. Talvez esteja mais evidente quais são os recursos, os mecanismos. É hora de cada um por o cú na reta. E desvencilhar...e caminhar só.Estamos todos num caos. E o caos me excita e me apavora. Me tortura e dá prazer. Não tenho certezas. Não tenho dúvidas. Tenho vontades e são estas, que provocam dúvidas e certezas que se desenrolam e tecem pedaços de “textos” que se formam e se tornam úteros, fertilizados, a cada sono perdido, a cada madrugada em claros, em cada folha riscada, em cada mesa de bar, em cada soprada forte e intensa...Sim, por que se eu quero me compreender no teatro, ele precisa estar de fato em mim, impregnado,colado, presente em cada gota de suor.Me corroendo.Me provocando.Silenciado. Á espreita, esperando o momento certo de sair de mim e materializar-se, ser “parido”. Não em mim. Embora em mim ele será “gerada”, mas,transfiro-o para outro de forma que é deste outro que sairá o fruto...é de seu ventre criativo. E é no parto que eu quero ver se “ela” é mesmo mulher!
Vamos mulher!Vem comigo, vamos vadiar!Vem comigo pra rua, na rua. Quero que me leve ás praças, aos parques, ás calçadas, ás encruzas...Quero vê-la despir sua alma na rua. Materializar seus desejos, suas vontades, com verdade e liberdade: entre Cacos,Flores e Frangalhos. Vem agir, vem buscar, vem ser. Me mostre como é ser você EM QUEM é VOCÊ. Eu tô pagando pra ver! Mas, venha descalça, com roupa para festa. Preto ou vermelho. Com os adereços que te der prazer. Produzida. Tudo da melhor qualidade! Eu lhe oferecerei champanhe. Com uma taça da melhor qualidade. Sirva-se á vontade!
E depois, "despacharei" você para sua morada.
ê Pomba Gira, onde é que você mora?
Sua casa é na rua, é no meio da encruza
Suas paredes são de flor e seu teto é a lua!

É pra casa das Baras, com sol ou com lua, que “despacharei” mulheres, verdadeiras instalações móveis, para diante dos olhares múltiplos. É pra casa das Baras, com sol ou com lua, que “despacharei” mulheres pra “demandar” em busca do axé criativo,das idéias interventivas,das ações não representativas, pra desenvolver experiências artísticas criativas; colocando-se á disposição da vida e confundindo sua ação com a da própria vida.
Tudo que resultar é matéria, é “cavalo” para minhas perturbações.É forma, é texto, é estética, é obra...tecido junto,tornar-se-ão arte: junção de cacos, flores e frangalhos.
É texto, é ritual, é vida e é arte.
Será texto o que restar, no relatado dessas mulheres?
Será ritual seu processo, seu percurso?
Será teatro, uma vez que não se representa?Outra vez que não se ficciona? Que se vive junto com a vida?Será vida? Mesmo que não se represente?
Será arte? Ou será macumba?
Será mulher Pomba Gira? Ou será Pomba Gira mulher?
O que eu quero é “resto”.É o resto. E o que restará. Material e humano. De todas as naturezas. Instalado. Neste caso, a instalação passa a ser fruto das experiências vivenciadas em ato performático? Interventivo?
Será de restos meu texto.
De cacos minha dramaturgia. Se “Estamira” sobrevive do lixo e ainda é filósofa contemporânea, nem tudo que é (considerado) lixo, é ruim. Ali também tem alimento. Tem vida!
Se o que geralmente se despreza, faz outro viver: quero comer os restos e arrotar arte!sem poesia.Discordando do meu comparsa Clóvis que contrapropôs a certa altura, diante de uma proposiçao minha: "que distribuíssimos flores ás mulheres".Não quero poesia!Quero uma ação mais "vadia".
Se é performance...se é teatro...se é instalação...intervenção...Não sei. Quero é lançar-me no abismo e descobrir nele, arte.

domingo, agosto 03, 2008

SETE ABANDONOS NECESSÁRIOS ( rascunhos e anotações para um futuro ensaio )

Desde minha entrada como artista-pesquisador do agrupamento OBSCENA interessavam-me três pontos específicos: 1- a atuação não dramática; 2- o acontecimento performático e 3-a experimentação e exploração das pesquisas dos outros artistas-criadores como procedimento performático (collage ou emsemblage).
Dentro do projeto "Às Margens do Feminino: texturas teatrais da beira", optei pelo tema da pomba-gira e o feminino marginalizado na umbanda. Na verdade fui seduzido pela proposta de outro colaborador, Idelino Júnior, que também se interessa por essa questão.
Em diálogo com Idelino fui percebendo que a transgressão é o elemento mais forte no universo das pombas-gira. Transgressão em vários sentidos: social , religioso, sexual, etc.Comecei a pensar na possibilidade de se criar estratégias que tratassem principalmente da questão sexual. A sexualidade da mulher ainda está muito ancorada na idéia de reprodução e maternidade. Há uma pedagogia cristã pregando uma sexualidade domesticada que se opõe ostensivamente a qualquer possibilidade de prazer e liberdade. E pomba-gira é sempre fora, rua, festa e movimento.
E se eu criasse um procedimento em que mulheres e homens pudessem confessar seus desejos proibidos, suas taras sexuais e suas vivências eróticas? A idéia seria trazer o espectador para o desvio.
Esta possibilidade foi sendo descartada aos poucos quando pude perceber que falar explicitamente sobre sexualidade já se tornou algo banalizado e mercantilizado em nossa sociedade atual, visto a incidência de revistas de celebridades e suas "íntimas confissões ".
O que pode se apresentar como transgressor nos dias de hoje?
Em torno dessa questão tenho trabalhado ultimamente: Como relacionar feminino marginalizado, pomba gira e transgressão (materiais temáticos) a atuação não dramática e performance ( materiais de linguagem)?

A influência das Mostras Obscenas.

Na primeira mostra de trabalhos do OBSCENA propus um procedimento que intitulei "DESPACHO" . Convidei artistas obscênicos e pessoas comuns a experimentarem o que é estar presente no espaço de um palco de teatro. A provocação era : " apenas estejam aí, somente isso."
Queria ver como a presença se altera ou não quando se confronta com um espaço específico de representação. Como estar natural neste lugar? Estar é diferente de agir? Como é ser olhado pelo outro?Deixei-os nessa experimentação por algum tempo até para que o desconforto e o constrangimento surgissem. Como lidar com o vazio e a não-ação? Será que vivemos o tempo todo "representando", que o contrário disto nos é impossível?
No segundo momento ofertei aos atuantes um objeto: uma boneca embrulhada com papel de presente. Eles deveriam se relacionar com esse objeto sem considerar sua “representatividade”. Mas isto seria possível? Brincar de boneca é um dos primeiros aprendizados da menina. Ao dar bonecas para os participantes eu repetia o procedimento de muitos pais que já domesticam a feminilidade de suas filhas desde pequenas. No centro do palco do Teatro Marília observávamos senhoras brincando com bonecas e cuidando delas como se fossem filhas. Estabeleciam um comportamento maternal e cultural apreendido há muito tempo.
No terceiro e último momento de minha proposta eu exigia que os participantes deixassem o teatro e se encaminhassem para a rua de forma que abandonassem aqueles objetos em qualquer esquina ou encruzilhada. Uma senhora reagiu na hora alegando que era difícil não levar para sua sobrinha pequena aquela boneca para brincar. Proibi que aqueles objetos fossem guardados de alguma forma e gritei : “ despachem isso lá fora e retornem depois. Ninguém que está no teatro vai ver a ação de vocês. Não é representação , é ação.”
Nesse meu procedimento eu trabalhava algumas questões relacionadas ao Barrio, às pombas-gira e a atuação não representacional (leia-se dramática). Primeiramente era o convite a se despachar essa representação do feminino ligado a maternidade. Não era jogar uma boneca fora, mas jogar um “objeto representacional” de toda uma cultura machista. Era como negar esse feminino domesticado e abandoná-lo nas ruas. Aqui entra o aspecto da encruzilhada, do desejo e da transgressão. A mulher-mãe não é a das esquinas, das ruas e das aventuras. O feminino liberto é fora da casa?
Uma senhora participante dessa experiência afirmou que no final parecia uma macumba, afinal de contas abandonar uma boneca na esquina é muito estranho e até assustador. O fato de ninguém testemunhar a ação dos atuantes se deve pela não espetacularidade da proposta.
Alterar a percepção dos espectadores tem sido um dos caminhos desse teatro pós-dramático. Como criar uma interrupção no cotidiano do espectador? A arte de Barrio tem essa potência de criar deslocamentos e vertigens numa sociedade marcada pelo espetáculo e a evolução racionalista e científica da vida.

A rua foi então se apontando como lugar de investigação desse feminino nas margens, nos restos e nas representações objetuais, visuais, etc. Daí que propus como exercício para o agrupamento uma “caminhada performática”. Sair pela cidade e se deixar atravessar pelos seus cheiros, ruídos, geografias, entulhos e habitantes. Ampliar os canais perceptivos, recolher aleatoriamente objetos esquecidos e abandonados e continuar abandonando-os e recriando novos territórios dentro dessa mesma cidade. Foi importante quando tempos depois Nina Caetano falava desses objetos que educam o feminino (caixas, papéis, revistas, etc) e se encontram por todos os cantos e lados da cidade.
A rua como lugar do risco, do acaso, do imprevisível, da aventura e do perigo. Tudo pode acontecer, tudo pode romper com o premeditado. Não há segurança, não existem certezas, só há trilhas, encruzilhadas e esquinas.

Na segunda mostra do OBSCENA propus novamente a caminhada performática com o público participante. Só que depois de recolhidos os objetos, deveríamos organizá-los numa instalação temática: o feminino marginalizado. Em vários trabalhos o CORPO do Outro foi solicitado a emprestar sua presença. Corpo que altera, cria significados, forma e deforma, denuncia, provoca e desestabiliza. E nesse procedimento de “se emprestar o corpo” várias imagens e idéias foram sendo tecidas e entrelaçadas. A atriz Lissandra Guimarães afirmou que emprestar seu corpo é diferente já que a proposta é do outro e com isso se cria um estado de distanciamento. Não se entra na ação de forma empática, pelo contrário, se trabalha para a realização do trabalho do outro, apenas de DOA a presença.

Então surge para mim um conceito novo em minha pesquisa “o CORPO EMPRESTADO”. O ator que empresta seu corpo ao personagem, o performer que empresta seu corpo-presença à instalação do outro e o médium (o cavalo) que empresta seu corpo-energia para a entidade espiritual. Ato de doação, entrega e fé.
Na última mostra o procedimento de Nina Caetano (ao circundar e delinear os corpos de mulheres que se deitavam no chão e ali naqueles espaços escrever verbos e textos sobre a opressão feminina) também me trouxe muitas provocações. Vejo nessa ação performática executada por uma dramaturga-performer um ato de despacho. Ali eram abandonados textos de dor, revolta e condicionamento aos direitos da mulher. No chão ficavam registradas e expostas essas escritas de violência que marcam carnes, vidas e histórias. Mas quem quer se confrontar com essa terrível realidade? Não seria mais bonito, prazeroso e até aceitável falar das delícias de ser mulher?Pra quê tocar nessas feridas e zonas escuras?

Eu acredito que tenho uma possível resposta: porque é necessário sair do silenciamento das violências nossas de cada dia. É urgente, necessário e saudável aceitar e lidar com as SOMBRAS. Aqui recupero uma característica fundamental das pombas-gira e exus (o povo da esquerda, da rua) que é jamais fugir daquilo que nos traz dor e sofrimento. Pelo contrário: o equilíbrio só se faz quando aceitamos lidar com os opostos da harmonia, do prazer e da felicidade. Exus e pombas-gira acolhem a dor alheia e nos ensinam a enfrentar as adversidades da vida.
Mas quem hoje assume que sofre, está doente e precisa de ajuda? Talvez eu tenha encontrado a grande transgressão de nossa época: assumir os próprios fracassos. Numa sociedade marcada pelo compromisso em ser feliz, realizado, saudável, bonito e bem sucedido quem se atreverá a expor sua dor e fragilidade? E mais: quem vai querer escutá-lo?
Volto à Segunda Mostra. Nina, Saulo e Túlio param para escutar uma mulher que conta sua relação com o lixo da cidade. Fico impressionado com a força daquele ato tão simples: escutar. Como o outro se sentiu aceito e reconhecido em sua humanidade! Logo pensei: quero mais esse verbo performático para minha pesquisa. Fui sendo contaminado pelas ações de vários criadores do OBSCENA.


CONCLUINDO......

Então surge o trabalho “SETE ABANDONOS NECESSÁRIOS’’. A idéia é utilizar vários desses procedimentos que tratei neste ensaio e realizar uma intervenção urbana. Para isso procurarei entrar em contato com as histórias, dores e sofrimentos de mulheres que não conheço e que habitam as paisagens dessa cidade.
Vou me colocar à ESCUTA e acolhida dessas narrativas e depois vou registrá-las conforme escutei e fui atravessado pelas mesmas.
Uma vez tendo reunido essas narrativas , vou despachá-las nas ruas da cidade. Vou emprestar meu corpo ou pedir emprestado corpos de mulheres e juntos vamos em procissão. Uma mulher se deita no chão e delineamos seu corpo com giz. Depois leio a narrativa da experiência da escuta e deixo o papel abandonado ali coberto por rosas vermelhas. Assim vamos percorrendo a cidade. É arte ou macumba?
Interessa-me nesse trabalho a EXPERIÊNCIA ALTERITÁRIA. Sou homem, mas totalmente dependente e atravessado pela temática da mulher. Ir atrás de um Outro é buscar o encontro, o diálogo e o compartilhamento de vivências.Juntas a dimensão estética e ordinária da existência.
Escutar a dor do Outro, como as pombas-gira e os exus nos terreiros de umbanda. Fronteiras entre vivência e teatralidade. Experiência humana e experiência artística. Mediação do universo religioso com o universo artístico. Ato de transgressão ao convidar as outras pessoas a lidarem com a dor alheia.
Abandonos de dores. Abandonos poéticos. Abandonar como que pedindo libertação e renascimento. Abandonos necessários. Abandonar abandonos femininos.
Nessas POÉTICAS DA ALTERIDADE penso na possibilidade de se denunciar o feminino marginalizado convidando o espectador a uma nova percepção e produção de pensamentos e ações afirmativas da vida.

Possíveis referências bibliográficas:
- Focault, Lehmann, Barrio, Silvia Fernandes, Keiserman, Birman, Prandi, Montero, etc. (transgressão, teatro pós-dramático, teatros do Real, desempenho rapsódico, pomba-gira, umbanda, o mal estar na atualidade, etc).