agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

terça-feira, dezembro 15, 2009

Última reunião do ano de 2009

Ontem, dia 14 de Dezembro na casa de Nina realizamos o encerramento das atividades do ano. Um encontro para avaliações, propostas e desejos para o próximo ano. O que me entusiasma no agrupamento é a possibilidade de INVENÇÃO DE UM FAZER ARTÍSTICO.

Obscena é construção, desejo, trabalho e pesquisa.

O ano de 2009, sem um projeto mais institucionalizado, foi um ano de desafios, crises e descobertas. Destaco a projeção do BABY DOLLS: UMA EXPOSIÇÃO DE BONECAS e o projeto DIÁLOGOS OBSCÊNICOS com as jovens internas do São Jerônimo. Fora outros momentos como congressos, eventos e mesas de debates onde falamos um pouco das pesquisas do agrupamento.

Ontem assistimos o curta-metragem do Saulo Salomão intitulado PARTE DE MIM NA PRIMAVERA , feito com imagens que ele recolheu com as jovens mulheres do São Jerônimo. Um documentário interessante, poético e com um olhar de quem muito se envolveu com aquela realidade. O trabalho com vídeo é mais uma textura para nossas pesquisas, assim como as maravilhosas fotografias do João Alberto de Azevedo. Acredito que ainda chegaremos à uma miscelanea destas linguagens, um diálogo mais forte e provocativo, estamos ainda caminhando.

Minha pesquisa é um pouco de todas as pesquisas, acompanhei as práticas de todos e aprendi muito.
A residência artística no Centro Cultural da UFMG não funcionou bem, estamos buscando novas ocupações, é um agrupamento nômade.

Ainda em construção esta possibilidade de uma rede de colaboração e criação. Até onde individuais e até onde coletivos? Como sermos independentes e dependentes ao mesmo tempo? Afinal se nos juntamos é porque desejamos construir uma ponte com e para os outros. Caso contrário faríamos tudo sozinhos...

Como alimentar e ser alimentado? Como provocar, trocar, colaborar e construir este lugar que se institui pela força do desejo?

O QUE QUEREMOS PERGUNTAR E INVESTIGAR EM 2010?

domingo, dezembro 06, 2009

Recife, onde a lama é a insurreição - parafraseando Chico Science é claro...

Há 72 anos nasceu uma menina, era um ano difícil, mãe de mais três, Eleonora Mariano Grillo de Vilhena dera luz a sua caçula e para continuar a história da família o nome seria também Helena, Maria Helena, assim como foram suas tias, avós, bisas e por aí vai. 1937. A família morava num sítio em Passos, o pai, José Sebastião Grillo de Vilhena, um professor ginasial matinha sua mãe em casa junto à sua família, também havia Sara, uma prima distante que viera ajudar na lida da casa. Ursulina, a matriarca, restringia a alimentação da nora, mesmo esta estando grávida. Aos primeiros netos, Zélia e Edésio, ela reservava a melhor parte e à Terezinha, a até então caçula, uma parte a menos. Maria Helena ao chegar demorou-se o quanto pode ao seio, mas a tensão familiar secava Eleonora.

Maria Helena tinha 03 ou 04 anos e cantarolava feliz enquanto os vizinhos depositavam flores no caixão do pai. Hoje ela completa 72 anos.

Hoje eu tenho 30, mãe. Há uma semana estive em Recife/PE trabalhando. Só hoje tento dizer sobre o que vivi. Darei então à você, no seu aniversário, a mulher na qual me transformei, a mulher que luto para ser todos os dias e também a menina que você ‘pariu’ a contragosto de vários médicos, devido as seus adiantados anos.

Assim como dizia Chico Science - ‘é só equilibrar sua cabeça em cima do corpo, procurando antenar boas vibrações, procurando antenar boa diversão’... Em Recife foi difícil equilibrar a cabeça, o coração bateu forte diariamente, não houve descanso. Não houve a hipocrisia salutar da mulher mineira e não houve a disfarçada discrição masculina belorizontina, houve sim o olhar duro das mulheres dum estado que mais as mata no Brasil, houve sim os urros surdos e debochados dos homens que nos vêem como cabritas, que se espanta, que se tange e se encurrala.

Hoje, mãe eu venho lhe dizer que não me dobrei, meu corpo foi firme, segurei o olhar, segurei-me em mim e encarei-os. Não há palavras, não há necessidade destas para se fazer entender, o corpo age, ele se faz entender. Eu venci a Erica, eu a encarei nos olhos de cada uma daquelas e daqueles com os quais intervi e interferi pelas ruas de Recife. Sim, ela mesma, aquela que a Senhora sempre advertia, sim, aquela que se escondia, aquela que tinha medo, mas um medo que a senhora nunca entendia da onde vinha e eu te digo – vem de mim mesma, eu tenho medo de mim, finjo não me ver, calo meus desejos e opiniões por medo de reprovação, por medo de desagradar e não ser amada. Sou brigona, claro, mas sou submissa também, e muito. Submeto-me a mim mesma, a meu julgo, a meus medos e assim fico apática. Perco o rebolado. Mas, lá não, lá eu não pude fraquejar lá eu não tive onde me esconder, tudo o que até então esteve seguro e a salvo – foi-se. Houve um esgarçar da minha carne, alma tudo. Meu organismo revirou-se, não consegui agradar, não pude. Minha força não se submeteu, eu não me submeti a mim e tranquei-me para entender o que se dava.

Assim o trabalho com o Baby Dolls transcorreu – RUA DA IMPERATRIZ, FEIRA DE CASA AMARELA, VÁZEA, ESTAÇÃO TERMINAL DO METRÔ DO BARRO E PRAÇA DA BOA VIAGEM, a nova fase boneca que compus, o novo tapete, materiais que me deslocaram da intervenção que até então havia feito e me colocaram em outros graus de dificuldade e exposição. Senti-me mais produto, mais industrializada, mas seriada. Não que isto tenha trazido empatia dos transeuntes, não, não mesmo, o saco preto na cabeça é, como diz nina, macabro! Sim, Maria Helena, instalei no meu corpo peças de roupa duma possível puta e em minha cabeça um saco preto de lixo. Anulei minha identidade em prol duma generalidade, não há nada de heróico nisso, só sou mais uma que não quer ser mercadoria, nem de si mesma.

Bom, faça comigo a jornada:

1º dia – chegamos às 18:40h, mas como lá não tem horário de verão, ganhamos 1h!!! O cheiro do mar ao longo do caminho para o hotel se misturava com as descargas dos carros, muito trânsito. No hotel, no Pina um dos bairros ao longo da Avenida Boa Viagem, um concurso de misses, todas muito maquiadas e acompanhadas da mãe e/ou família. Bonecas por toda parte e seriadas. Mesmo sendo de estados diferentes os padrões de beleza quase que anulam as reais belezas de cada região do pais, sem falar nas misses contratadas para representar estados outros... ‘sede não é nada, imagem é tudo’.

2º dia – café da manhã maravilhoso! É bom ressaltar!!! Saímos para visitar os lugares das intervenções. Estes foram muito bem escolhidos, a Prefeitura é quem produz o Festival e tiveram sensibilidade e compreensão do trabalho, Olorum Modupé!

Só ficou pra trás a Praça da Boa Viagem. O tempo é curto e o sol aqui anda rápido.

Rua da Imperatriz – 1ª intervenção ‘Baby Dolls, uma exposição de bonecas’ em Recife. É uma rua de calçadão e comercial, há sempre um vendedor na porta chamando os clientes, brincando ao microfone com fundo musical tecnobrega. Utilizamos o camarim dum cine teatro muito antigo e belíssimo que me foge o nome agora. O filme do Chacrina está na tela e nós passamos pé ante pé por detrás, nosso ‘anjo especial’ do dia foi Williams, o coordenador das ações descentralizadoras do Festival, está ansioso, nós também. Em silêncio me arrumo, é o primeiro dia da ‘mulher do saco’, apelido ganhado lá para a 1ª fase da minha boneca. A rua da intervenção está próxima, mas as calçadas são cheias de bancas e com buracos, tenho que me concentrar. Nosso tempo é outro agora com as modificações da minha boneca, re-conversamos as chegadas e nos conectamos umas às outras, é hora. Eu e Lica montamos a noiva e saio. Puts, respirar é preciso, ver não é preciso! A rua é cheia, as pessoas passam o dia nela, guio-me pela igreja que está à frente, sua sombra me serve de mapa, os ouvidos se aguçam, os motoristas aqui são pé quente e não há muitos semáforos. Alcanço o início da Imperatriz. Ainda não me fiz notar. Aqui não é a roupa curta, aqui é a cor! O vermelho da meia é o primeiro a ser olhado. Percebo que Joyce está já no tapete, há uma roda em torno da banca de revistas. Passo por Nina, entro no meio das pessoas, me ajunto à roda que assiste Joyce. Aos poucos começam a se incomodar comigo ali, saio e vou em direção ao entulho que havia escolhido para apropriação. Paro, olho e coloco a bolsa no chão. Inicio o processo. As pessoas vão se chegando, o vendedor de água começa a cantarolar ‘compra água e assiste a mulher do saco’. Lica chega. A noiva arrasta as mulheres à sua volta, ela e elas com várias sacolas nas mãos. Sinto tudo isso como uma onda, rebatemos e retornamos e assim repetidas vezes. Experimentei retirar o saco e olhar a platéia que se formou à minha frente, daí em diante montei a Santa, mas não sei se foi o melhor revelar o rosto... a não identidade incomoda mais eu creio.

Duas meninas nos acompanham até o camarim. Thais que virou boneca no tapete de Joyce e sua amiga. Ambas são pedintes no centro, vem com seus pais para ganhar o dia nas ruas. Elas saem com lanches nas mãos e nós vamos para o hotel, Recife começa a se mostrar.

As integrantes de movimentos feministas e artistas mulheres estiveram presentes e se fizeram notar na ação, MARAVILHA! Elas nos convidam a participar duma ação que ocorrerá no dia seguinte, 25/11, dia nacional da não violência contra mulheres, mas temos intervenção no mesmo horário, mesmo assim o recado está e será dado!

3º dia – iniciamos o workshop ‘como se constrói uma mulher?’ proposto por Nina e Lica, com participação e apoio meu e de Joyce. O Espaço Compassos nos cedeu a sala para trabalharmos, modupé!

08 mulheres apareceram – Andala, Angélica, Flávia, Gabriela, Mariquinha, Mônica, Rebeca, Sandra – todas atrizes, acima dos 20... Mulheres fortes, dentre elas uma paulista e uma gaúcha, Flávia e Sandra, as demais pernambucanas na veia!!!!

Saímos para uma caminhada performática. Cadê as mulheres nas ruas? É a pergunta que não quer calar. Os prédios antigos fechados, lacrados, outros em pleno uso. Extremos todo o tempo pelas ruas do Recife Antigo. Os homens inquietam-se com este bloco feminino, uma se destaca e eles dizem que esta está procurando homem... no marco zero um vendedor de sombrinhas de frevo nos oferece e sua companheira coloca-as nas mãos de todas, a cena é linda. Diante da escultura de Brennand, sob a bancada rente a margem do Capibaribe, Lica se ergue também em forma e Nina a sinaliza com fita zebrada. Andala, ao lado, instala pedaços de cascas de laranja e as abandona. Retornamos e pelo caminho nos instalaremos. Numa caçamba Nina e Joyce se colocam, Rebeca e outras também se instalam, é uma rua muito movimentada com muitos funcionários almoçando nas calçadas. Fiquei no registro o tempo todo! Isto me dá liberdade de criar imagens das mulheres em ação. Faço comunhões/oposições entre corpos e arquitetura, conversas e objetos aleatórios que encontro pelo caminho. A câmera me é muito bem vinda! Neste registro é preciso estar atenta à imagem e ao áudio, as pessoas reagem muito e os sons que produzem têm de ser também composto nesta ‘edição do instante’, ihihh!!! Este termo já usam né, kkkk!! Nina, me apropriei!

2ª intervenção Baby Dolls – Pátio da Feira de Casa Amarela. É mercado antigo, 1930. Um bairro populoso e tradicional em Recife pela festa de Nossa Senhora da Conceição. Passeio mais livre na feira, entre barracas os homens me chamam de ‘dama da noite’, se riem do saco em minha cabeça, entro no mercado. Entre lojas passo. ‘é dia das bruxas no mercado?!’ alguém grita. Continuo, passo por Joyce, vejo Lica às voltas com suas fotografias. Nosso tempo de chegadas e trajetórias foi mais uma vez revisto devido ao trabalho de ontem. Instalo-me na parte de dentro do portal da entrada principal, meu tapete atravessa a passagem. Na calçada Joyce e Lica se colocam, as pessoas se aglomeram, adolescentes fazem auê, senhoras nos olham ávidas e teimam em ficar e seguir-nos. Alguns homens chegam mais perto, seus olhares são mais sutis, eles percebem a relação com a violência e há uma certa vergonha em seus corpos, outros não, se colocam mais garbosos ou debochados. Uma mãe e sua filha, de uns 7 anos, acompanham toda a ação, a menina tenta se desgarrar da mão da mãe para ir ao tapete de Joyce, mas não consegue. Eu fico ali a observá-la. Desde ontem estou experimentando me mover mais já que agora tenho mais tempo. Criar imagens nos outros tapetes também é muito interessante. Compor com as outras bonecas no e pelo espaço amplia o sentido da intervenção para mim. A anja que nos acompanhou, Hammai, registra-nos com avidez, ela é forte e artista também, falou-nos muito sobre a violência na cidade e os tabus. Ao final, mulheres se aproximam para agradecer a experiência, estão emocionadas e nós também, deveras.

Hoje optei por não revelar o rosto na passagem da ‘mulher do saco’ para a ‘santadonadecasa’ e é mais forte a não identidade!

4º dia – não participei do workshop, fiquei no hotel me revirando entre a cama e o vaso, kkk! _Num guenta, toma leite!, diz bocudinha!

As mulheres trabalharam com seus objetos e iniciaram a composição de suas ações/intervenções.

3ª intervenção Baby Dolls – Várzea. Este bairro é grande e já pertenceu a família Brennand, holandeses que se instalaram na região e numa antiga olaria da família hoje temos o Instituto Brennand. O local é a praça Pinto Damásio, ampla e plana, com quadras e áreas com brinquedos para crianças, há um palquinho ao fundo onde senhores jogam dama. Um homem me pára e quer falar comigo, me chama de meu amor e pega na minha mão, começa a me puxar sutilmente, me desvencilho e sigo, o sol me cega, preciso atravessar a rua. Vou para uma sombra, assim enxergo melhor, a luz refletida pelo saco não ajuda em nada. Passo para a outra parte da praça, esta é maior. Dou uma volta, duas, olho por vários ângulos para escolher onde me instalar, Joyce já está à direita frente, Lica posa numa árvore, é magnífica a composição com o rosa ao fundo – branco/verde/rosa – paro. Atrás de mim uma quadra onde um grupo de mulheres da 3ª idade se exercitam ao comando da professora de educação física, crianças giram por todas as partes e de repente a praça até então calma se alarde com as bonecas que se instalam. A cada dia sinto-me mais calma na nova trajetória de chegada, antes era a erica na tora, agora é a ‘mulher do saco’ e ela precisa ser vista, apreciada, depreciada e assim instalada. O caminho agora é outro. Espero, como todos os dias, Nina vir marcar meu território com a frase ‘Rainha do Lar’, eu gosto mesmo é de ‘santadonadecasa’ tudo junto mesmo. Ela escreve e saio a andar, já com a santa. Os homens do jogo de damas nem se abalam. As mulheres da ginástica saem atrás de nós ou se agrupam por perto. Há muitas crianças e quando vejo Joyce trás consigo duas meninas/bonecas!! Duas!!!!

Nina escreve avidamente, o chão é ótimo, percebo que uma moça com o filho que a acompanha, quando o giz é solto no chão ela não espera, agarra-o e põe-se a escrever! Esta foi primeira vez que tive vontade de escrever. Nosso anjo de hoje foi Jeová, nos fotografou e se riu de nossas bobeiras de mulheres. Mas, contudo, contudo os anjos têm sido os motoristas!! Axé!!

Os dados estatísticos têm recheados nossos corpos grafados no chão, são da cidade, será que a população sabe? Sim! Sentem na pele.

5º dia – voltei ao workshop ‘pra rever as amigas que um dia...’ após uma experimentação individual e mostra dos roteiros de ações, saímos com as sobreviventes – Sandra, Mariquinha, Angélica, Andala e Gabriela. Nina, Lica e Joyce nortearam a ação e elas se somaram ao Baby Dolls. Paramos na dita rua movimentada do centro antigo, onde noutro dia Nina e Joyce se instalaram durante a caminhada. Eu com a câmera em punho como uma arma em fogo! Sigo-as. Engulo alguns que passam. É hora do almoço, a calçada está cheia, há várias barracas de comida e elas se põem a ser digeridas. Os homens no ponto de táxi se alvoroçam, querem colocar moedas no meu cofrinho, ergo-me e mastigo o pretendente com sua própria imagem na câmera, ele se encolhe, não estão acostumados a reação feminina, esta quase não existe. Grupos de curiosos se formam e debatem o que se passa. Mulheres dizem de Joyce morta no chão – ‘antes ela do que eu!’, outras se inquietam, não querem que ela seja de fato atropelada. O trânsito se acumula. Ônibus param para ver! Eu corro em todas as direções, capto conversas, histórias de violência contra a mulher são narradas com indignação por uma senhora que não se intimida com minha presença. Saímos e deixamos os rastros, eu aguardo um pouco, ainda respiro o burburinho, ainda sinto a onda se espraiar...

4ª intervenção Baby Dolls – Estação Terminal do Metrô do Barro. Um mar de gente, isso sim! Ondas de ônibus, metrôs e gente, muuuuita gente! Joyce se coloca na entrada da estação, eu em frente os trailers de lanche à esquerda e Lica a minha frente numa espécie de ‘cercadinho’ onde as pessoas esperam o ônibus. O sol está forte. Um homem se põe a meu lado e pergunta incessantemente por que estou com o saco na cabeça, para isto troca sempre o adjetivo – minha linda, gata, amor... – Minha cabeça dói. Não mostro meu rosto, me transformo na santa e encaro-o avidamente, ele some, não mais o vi ao longo do trabalho. Sinto náuseas. É muita poeira, de todos os tipos, muito barulho de motor, muitos cantares dos vendedores... o caos. O lugar é maravilhoso e não me sinto forte o suficiente com esta dor de cabeça. Respiro fundo e vou caminhar, as pessoas vem e vão, um homem muito negro com chapéu canta ‘o canto da ema’ para Lica, ela em noiva dança altivamente, ele se encanta. O ponto de ônibus vira o salão da festa, há um certo brilho nos olhos das pessoas, eu me coloco ao fundo de santa e observo junto aos demais. Precisaríamos de mais umas quatro bonecas para ocupar este espaço!!! As marcas hoje foram especiais, Lica usou também as pilastras e eu deitei-me logo abaixo para compor.

6º dia – Bate papo sobre o trabalho – Baby Dolls (MG), Bagaceira (CE) e Trupe Sinhá Zózina. Infelizmente não vimos os trabalhos uns dos outros, logo cada qual falou do seu...

5ª intervenção Baby Dolls – Praça da Boa Viagem. O vento é muito forte, foi o que primeiro assustou quando fomos ver este espaço na noite de sexta-feira. É uma praça muito antiga, de frente pro mar e cheia de barracas de roupas e artesanatos. Ao fundo a Capela de Boa Viagem e uma pracinha circular atrás. Nesta que elegemos a ação, não por ser o melhor espaço, mas devido ao vento. Não me sinto bem. Desde ontem estou atravessada!

As participantes do workshop chegaram no hotel para nos organizarmos, elas integrarão a ação. Após voltas e mais voltas subimos para o quarto e nos arrumamos lá mesmo, eu não me sentia nada bem, havia um incômodo, um cansaço e um série de sentimentos que me inquietavam. Hora de arrumar a noiva, minha proposta não é aceita, ela deseja algo como no dia anterior quando montei seu vestido como uma borboleta, volumosa! Travo, não consigo repetir esta forma! No dia anterior eu havia dito isto, enfim, simplesmente não vejo sentido em repetir... travei, não consegui fazer, Lica desmontou e tentou remontar a peça do dia anterior, mas nada, fiquei sem ação. Fui para meu quarto, sentia-me impotente e sem lugar. Quando retorno ela ainda não havia conseguido a forma, o clima não está nada bom e o que fiz foi calar-me. A noiva deste dia não brilhou, ou foram meus olhos que murcharam? Seguimos para o espaço, não me sentia nada, nada bem! Algo se quebrara. Algo me quebrara. A intervenção foi tensa. Uma luta com o vento, com o espaço que direcionava para a formação duma platéia em meia lua... Angélica, Mariquinha e Sandra se integraram a ação, Andala ficou assistindo. Ter mais bonecas e mais materiais para interferir e dialogar no espaço de ocupação é interessantíssimo, creio que amplia a ação e abre fendas nas nossas certezas, nas nossas comodidades. Por mais que lutemos o trabalho tende a se formatar e novas energias dão vigor!

Foi um dia extremamente difícil, senti-me no chão, espremida, espicaçada, mas viva! Uma Erica morreu ali, e hoje mãe, após uma semana eu percebo isso, ficou uma no solo de Recife e a que voltou está mais forte, mais ciente de si, do seu valor como criadora e proponente. E muito, muito mais incomodada com a situação das mulheres. Incomodada com a minha situação.

No sétimo dia descansamos! Williams nos levou a Itamaracá! Conhecemos o Forte Orange e Lia de Itamaracá! Uma grande Mulher e Cirandeira!!!!

Awrè minha mãe, que Oxalá te abenções e Obaluaê te encha de saúde, força e fé! Amo-te muito além dessas palavras, você está nos meus trabalhos, comigo, na mulher que sou e estou!

Awrè Pernambuco, Olorum Modupé!!!!!

Asè!!

quarta-feira, dezembro 02, 2009

Recife no Youtube - Pitadas de Baby Dolls

primeiro dos videozinhos feitos durante a intervenção realizada no mercado de Casa Amarela. os restantes podem ser visualizados (na página do youtube) em: mais de obscenica.
clique no título para visualizar este vídeo.

Recife I



Praia da Boa Viagem, Recife, Pernambuco. Hotel em frente ao mar. Dia 26.11.2009.


Ontem, pela primeira vez desde que chegamos aqui, pisamos na areia e “butamos” o pé no mar... por pura gratidão.

Gratidão por estarmos aqui, nessa terra abençoada, realizando nosso trabalho. Uma semana em Recife, realizando Baby Dolls pelas regionais da cidade e experimentando, pela primeira vez, realizar o workshop “como se fabrica uma mulher?” exclusivamente para mulheres e com a participação de Joyce e Erica: pela primeira vez friccionando nossos materiais também na sala. E todos os dias essa experiência aqui me arrepia e me transforma. Abençoada a terra, abençoadas nós.

Em Pernambuco, de janeiro a outubro deste ano, 291 mulheres foram mortas. 95% dos seus agressores foram homens, sendo 70% companheiros ou ex-companheiros, maridos ou ex-maridos, noivos, namorados. 70% destas mulheres foram mortas por homens que diziam amá-las. Pernambuco é, hoje, um dos estados nos quais mais se mata mulheres no Brasil. Aqui, em Recife, embora haja 100 mil mulheres a mais que homens, temos a impressão de predominância masculina. As mulheres, não as vemos tanto pelas ruas. Não as vemos tanto pelos bares, desacompanhadas.

Sandra, atriz gaúcha que há seis meses mora em Recife e é uma das participantes do workshop, traz, no segundo dia, um cinzeiro e uma lata de cerveja entre os objetos do “universo feminino” que escolheu para realizar o trabalho conosco. Ela relata que, ao sair do nosso trabalho no dia anterior, resolveu entrar num bar, sozinha, pra tomar uma cerveja e fumar um cigarrro. Era a única mulher do lugar. Uma estrangeira, alienígena.

Aqui, a população que transita livremente é a masculina. Apesar disso (e, talvez, em razão disso mesmo), nunca as mulheres foram tão cúmplices de nós. Aqui a realidade é mais dura. Não é possível fingir que está tudo bem, que somos emancipadas e que o feminismo é um movimento arcaico e obsoleto. Aqui, não é possível ignorar o machismo e fingir que somos donas de nosso próprio corpo e da nossa vontade. Ontem, quando realizamos a caminhada performática pelo Recife Antigo, Andala (atriz recifense) se postou numa esquina. Do lado de cá, ao meu lado, um grupo de homens a olhava e um dizia: “Aquela ali tá querendo homem. Vou arrumar um pra ela”. Outros ameaçavam colocar moedas no “cofrinho” de Erica que, abaixada, registrava tudo. Aqui, a hipocrisia mineira que permite às mulheres de lá achar, no reverso de narciso, que feio é o que é espelho, não tem solo para grassar.

No entanto aqui, como lá, a potência dessas mulheres unidas desarranja, desconstrói, destrói, desordena. Sentimos essa força na Rua da Imperatriz (na primeira intervenção), quando as mulheres do grupo Loucas de Pedra Lilás aplaudiram Joyce ao vê-la arrancar a peruca loira e revelar seus cachos negros. Sentimos sua força em nossa caminhada performática pelo Centro do Recife Antigo, sentimos ontem, no mercado de Casa Amarela, quando alteramos nossos desenhos e relações, fortalecendo nossas imagens e bagunçando os sentidos de quem transitava por lá (pela primeira vez, senti o impulso real e a cumplicidade necessária – o desejo – daquelas pessoas de compartilhar da escrita. Corpos vazios foram preenchidos por outras mãos armadas de giz. Essa mesma força senti hoje, na Várzea, quando as mulheres avançaram, tomando posse do giz e dos corpos. Potência Performática). Aqui, como lá, somos “incontornáveis e irreversíveis”...

Praia da Boa Viagem, Recife, Pernambuco. Hotel em frente ao mar. 29.11.2009.

Sete dias em Recife e pus o pé na água duas vezes. A segunda (essa da qual estou voltando agora, entre o não almoço e o aeroporto) – graças! – pus todo o meu corpo até a cabeça. Para agradecer. Agradecer a experiência maravilhosa, transformadora, que vivi neste lugar. Sou eu também – assim como Mariquinha – outra mulher.

domingo, novembro 08, 2009

Mais um diálogo obscênico: o encontro com o N3PS

Nos dias 31 de Outubro e 01 de Novembro ocorreu um primeiro encontro entre os pesquisadores do Obscena e N3PS.
Foi em Casa Branca, região de Brumadinho, sede do N3PS e muitas trocas aconteceram:

- a experiência do projeto no S. J. foi por nós relatada e Clarissa e Matheus nos criaram novas questões e visões sobre este trabalho. Uma discussão entre o instituído e o INSTITUINTE muito interessante e o fato dos dois agrupamentos que fazem um movimento instituinte a partir das ações dos pesquisadores;

- o desafio de se rotular ou nomear uma prática de fronteiras nas ações e desejos de ambos os agrupamentos, que passam por questões artísticas, filosóficas e políticas. Fazeres que borram conceitos duros e fixos e que se dão no fluxo dos movimentos, devires e acontecimentos. São as forças, potências e afecções que vão delineando nossos trajetos sempre dinâmicos;

- uma caminhada pela mata e a busca de uma vivência livre de qualquer intenção pré-determinada, nômade, aberta e atenta aos fluxos. Acabou que recolhi "restos" da natureza e com eles realizei uma instalação na casa de Clarissa. Recolhi objetos abandonados e perecíveis ( estava lendo muito o Artur Barrio) que geraram uma possibilidade de trabalho....Geraram uma escrita como "prática de si":

"Esse alguém que eu não sei, mas me carregou..."

"O que é que resta? Quem disse que isso é um abandono?"

"Porque tem certas coisas...que não adianta...elas sobrevivem."
( este trabalho foi fotografado)

- o N3PS mostrou o vídeo do Occursus 1 para o Obscena e debatemos várias imagens, impressões e afetamentos;

- Convidei a todos para um momento no estúdio de trabalho e tivemos um ACONTECIMENTO muito forte envolvendo algumas linhas de pesquisa de ambos os coletivos ( estou nos dois, no ENTRE ): O FEMININO, A POMBAGIRA, O CORPO QUE TRANGRIDE, O CORPO PERFORMÁTICO etc. ( Trabalho também registrado com imagens muito fortes que podem se desdobrar em vários outros processos de criação );

- Matheus relatou processo criativo de uma oficina de teatro e escutamos uma partitura sonora com fortes elementos de DESCONSTRUÇÃO que muito nos impressionou. Trabalho em parceria com Clarissa e no N3PS a possibilidade e espaço de contaminAÇÕES...

- Conversas diversas, já que pensar é também criar e fazer......muita comida, muita partilha e trocas: BABY-DOLLS presente, corpo alíngua, esquizoanálise, micropolítica, Cia Ueinzz e ...........e....................e também.......................................................

UM BOM ENCONTRO ( ESPINOSA) QUE ACREDITO TER AUMENTADO NOSSA POTÊNCIA DE AÇÃO E NOSSO DESEJO DE INAUGURAR NOVOS FAZERES E SABERES.

UM ENCONTRO QUE SE DEU NA ALEGRIA QUE PRODUZ VONTADE DE TRANSFORMAR, CRIAR E RESISTIR.
VONTADE DE TROCAR
MAIS
E
MAIS......


só começou, gente...........................

Intervenção do Saulo numa atmosfera de caça às bruxas

Foi no dia 31 de Outubro no S. Jerônimo que Saulo fez seu trabalho registrando e filmando cenas das vidas das jovens internas e até um depoimento de alguns obscênicos sobre o projeto que desenvolvemos lá. Foi uma tarde agitada, dividida entre um culto religioso e uma festa de haloween e as meninas se vestindo de preto, vermelho, verdadeiras bruxas , deusas e pomba-giras. Uma tensão entre o sagrado e o profano e mais uma vez a festa trazendo o perigo, a possibilidade de desordem e transgressão.

Saulo filma e escolhe certos momentos deste filme tão inusitado e interessante. O que restará de tudo isso?

Eu ofereço minha presença, minha atenção e meu desejo de estar junto dessas mulheres tão à margem e tão ao centro.....

sábado, outubro 24, 2009

A MINHA EXPERIÊNCIA NO SÃO JERÔNIMO

HOJE FUI AO SÃO JERÔNIMO E COMO NÃO SEI SEPARAR A RELAÇÃO DE PESQUISADOR NO OBSCENA E A MINHA FORMAÇÃO DE ARTE-EDUCAÇÃO, PERCEBI PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS NO PROCESSO, EXPLICO: ACREDITO QUE AS REVERBERAÇÕES FORAM MAIORES PARA MIM QUE PARA AS MENINAS, POIS AS MESMAS SE INSERIRAM COM O LUGAR DE INTERAÇÃO E DESPOJAMENTO, E ACREDITO IMENSAMENTE QUE O TRABALHO TEATRAL É UM PROCESSO COGNITIVO TAMBÉM, E REALMENTE EU NECESSITARIA DE MAIS TEMPO, PARA HAVER UM PROCESSO DE EVOLUÇÃO NAS QUESTÕES QUE DESEJO PONTUAR. AS QUESTÕES QUE FALO SÃO REFERENTES AO UNIVERSO DA MULHER, DERIVANDO VÁRIOS SUB-ITENS , DO QUAL, ACREDITO, QUE DEVERIA HAVER UMA PREPARAÇÃO. INFELIZMENTE, ESTE TEMPO EU NÃO POSSUO AGORA, OU PELO MENOS NÃO ESTOU DISPOSTO A UTÍLIZÁ-LO POR TER OUTRAS QUESTÕES MAIS SALIENTES NESTE MOMENTO. MAS ACREDITO QUE, MAIS QUE O LUGAR DA MINHA PESQUISA, A LINGUAGEM TEATRAL SENDO INSERIDA NAS MENINAS COMO FORMA DE ARTE-EDUCAÇÃO, TERIA UM RESULTADO MAIOR NO PROCESSO DE CRÍTICA E CONHECIMENTO COM AS MENINAS.
BEM, ISTO A PARTE, QUERO DIZER QUE FOI MUITO PROVEITOSO E AINDA NÃO SEI EM QUE EXATAMENTE TAL EXPERIÊNCIA IRÁ ACARRETAR. RESSALTO A IMPORTÂNCIA DO SAULO ESTAR AO MEU LADO, POIS SEU CARISMA COM AS MENINAS FIZERAM PRATICAMENTE TODAS PARTICIPAREM, E TAMBÉM PORQUE ELE ME APOIOU EM TODOS OS SENTIDOS.
PROCEDIMENTO:
ESPALHEI FIGURINOS FEMININOS NA SALA, DESDE LINGERIES, OU ALGO MAIS SENSUAL E "FEMININO", ATÉ ROUPAS MAIS LÚDICAS, COMO AS DE BAILARINAS, OU DE SENHORAS E AS DEIXEI EXPERIMENTAR AQUELES MATERIAIS. A RELAÇÃO DELAS COM AS ROUPAS É IMEDIATA, POIS AS MESMAS QUEREM SAIR DAQWUELE AZUL E BRANCO DIÁRIO QUE UNIFORMIZA A IDENTIDADE E, AO MEU VER, AS TRANSFORMA EM NÚMEROS.
DEPOIS COLOQUEI OS CLASSIFICADOS À DISPOSIÇÃO, EM UMA RELEITURA DE CLASSIFICADOS DE JORNAIS, E DE DESEJOS. ELAS LERAM , RIRAM, E AS PARTES QUE HAVIA APELO OU SUGESTIONAMENTO SEXUAL FORAM AS PARTES MAIS FALADAS. PEDI PARA ELAS ESCREVEREM COMO ELAS SE CLASSIFICAVAM, E QUAL O RÓTULO QUE ELAS ENXERGAVAM, OS RÓTULOS POSTULADOS PELOS OUTROS. ELAS ESCREVERAM , A PRINCÍPIO, TIMIDAMENTE, E POSTERIOREMENTE COM ÊNFASE. NÃO SENTI A NECESSIDADE DE FOTOGRAFAR, POIS ERA UM MOMENTO ÍNTIMO,ACREDITO QUE QUEBRARIA ESTE LUGAR DEPOIMENTAL. DEPOIS ESPALHEI OS CLASSIFICADOS DE JORNAIS NA QUADRA E EM TODA ÁREA EXTERNA, DEIXANDO-AS RELFETIR E PERGUNTAREM SOBRE AQUILO. FALEI DO MEU TRABALHO E DA MINHA PESQUISA.
POSTERIORMENTE, FOMOS BRINCAR DE CORDA, DEIXEI DENTRO DE UM SAQUINHO PERGUNTAS SOBRE O UNIVERSO FEMININO E PEDI PARA CADA UMA QUE PULASSE A CORDA FALAR SOBRE AQUELAS QUESTÕES QUE HAVIA NOS PÁPEIS. ELAS LIAM E PULAVAM A CORDA POSTERIORMENTE, TENTANDO RESPONDER AQUELAS QUESTÕES. APÓS ISSO , DEIXEI-AS LIVRES COM SUGESTÕES DE MUITOS CDS QUE EU HAVIA TRAZIDO E TAMBÉM, BRINCARAM COM OS FIGURINOS.
ABAIXO REPRODUZO ALGUNS DOS TEXTOS PESSOAIS, SÓ DAREI A PRIMEIRA INICIAL DO NOME PARA NÃO HAVER CONSTRANGIMENTO:
CLASSIFICADOS:
A., QUER CASAR, SER MÉDICA, TRANQUILIDADE.
Â, VAI À IGREJA, QUER ESTUDAR, NAMORAR, SER FELIZ.
Q, BAIXA, GORDA, MORENA, MAS APESAR DE TUDO, GOSTOSA.
R., CONSTRUIR FAMÍLIA, CONSTRUIR CASA, SER ENFERMEIRA.
J., PROCURA-SE EMPREGO, NÃO TENHO CARTEIRA ASSINADA, NÃO TENHO EXPERIÊNCIA, NÃO TENHO NADA.
MORENA, BAIXA, PROCURA EMPREGO, DISPOSTA A APRENDER MAIS, PREFERÊNCIA ESCRITÓRIO.
I., MEDO DE PERDER A FILHA
E., EU NÃO SEI SE SER HOMEM É BOM , EU NÃO TENHO PINTO.
E., NÃO APRENDI NADA AQUI.
J., CAÍ NA PISCINA VAZIA, DE CABEÇA. CAIO NA VIDA DE CABEÇA.
J., EU PREFIRIRIA SER HOMEM, HOMEM NÃO AMAMAMENTA, HOMEM NÃO CARREGA FILHOS, HOMEM TEM VISITAS ÍNTIMAS.
P., QUERO IR EMBORA, TER DIPLOMA PARA DAR ORGULHO PRA MINHA COROA QUE JÁ SOFREU POR MINHA CULPA.
D., EU AGUENTO MUITA COISA AQUI DENTRO, QUERO IR EMBORA O MAIS RÁPIDO POSSÍVEL, EU SOU UMA PESSOA MUITO GENTE BOA.

segunda-feira, outubro 19, 2009

batom preto

elas estão lá a nos esperar. entramos, eu, nina, joyce e ana luisa, 'a virgem do dia'. acompanhei mais este dia de trabalho. a proposta de nina e joyce era associar a transformação visual - com roupas e maquiagem - à transformação em mortas grafadas no chão do pátio da instituição, com textos sobre 'o que é ser mulher?'. o medo de dizer o que se pensa e a desconfiança eram resignificados nos corpos coloridos pelas roupas e maquiagens, a liberdade desta imagem e o cerciamento do verbo. travestidas, elas são as máscaras de bobas da corte e por isto anarquisam como podem a instituição. escrever, não, isto é perigoso, alguem pode ler e 'reler e' ...
reeducação social do verbo?

segunda-feira, outubro 12, 2009

Sobre o exercício de se identificar com a PIEDADE - um e-mail do João Alberto Azevedo

"Chegar ao patio do Instituto Sao Jeronimo onde um funk ensurdece a melancolia e quebra nossos espiritos , nossos e de todas aquelas meninas ....._ Nada estava a meu favor ( mesmo sendo Erica, Saulo e eu ) que a espectativa de algo producente pesava sobre mim como uma razão a se emocionar.

Havia o nosso atraso, havia o filme ( que não permitimos aos agentes serem gentis conosco , seguindo o filme até seu fim ) o funk invasivo ensurdecendo a violência , os pequenos delitos, as causas perdidas, o tráfico, os assassinatos, os abortos e alguns filhos , alguma tristeza se congelava nos cantos . E de repente " um moço " de cabelos brancos com uma coisa interessante " para fazermos juntos " !!!_ De longe a mais desinteressantemente e destrambelhada ideia !Foi assim que me julguei quando a turba de dez ou doze daquelas meninas adentrou a sala derrubando minha arrogância.

Ainda paralisado de medo por um unico motivo : eu ainda tinha pretensões e entre aturdido e timido peço ao agente que inicie a apresentação do data-show que havia preparado para elas na forma de um mini documentário / registro de uma escultura famosa . Eu iria " rechear " de curiosidades sobre técnica de esculpir material , como foi executada por quem foi feita para quem e em que tempo .... assim por diante , ficando surdo aos meus medos de aquilo tudo atravessá-las como o funk com nós todos.

Ouvinte de minha própria fala segui o que em mim era paixão : afinal mostrava e falava sobre a Pietà de Michelangelo , buscando ganchos na memória por agumas delas serem mães e todas , filhas ....alguma coisa naquela imagem só encontrava ecos na maternidade e se contrapunha à ideia de redençao através da dor e sim a beleza como consequência de se " aproximar de deus" , os corpos da mais sincera humanidade , mais que nudez e detalhes de veias ,essa carne morta e este colo de mãe , eu contava que produzissem seu efeito : impressionar . O convite era que encenássemos a Pietà - quem seria a mãe de largo colo ?quem serà o filho morto ?Quantas ou quais se disporiam , melhor dizendo , se sentiriam compelidas a comporem sob o véu da farsa a sua dor ; alguma falta ?

Haviamos levado uns cinco ou seis lençóis brancos para a composição do que na Renascença se julgava que a virgem houvera por vestir e que ajudasse a imagem imaculada mas transida pela dor e paixao o filho morto no regaço , a falha nos braços . Como seria isso ?_ De repente nos vimos cercados por virgens marias , jesus inertes , outras tantas marias que carregavam tambem outras marias ....marias com filhos pequenos e cristos com seu " madeiro "se engatinhando ao calvário ( tinhamos cadeiras que fizeram bem seu papel de cruz , despareadas , só faziam par no desconforto ).

Povoados de virgens de grupos de santos e meninos jesus contrições e expressões de antiga fé , as fotos , quando fui editar muitas próximas do do final estavam desfocadas algumas mais que outras ...percebi que isto se deu pela urgência dos grupos em se fazerem registrar a tal ponto se desenvolviamas composições da paixão da virgem que a camera nao tinha tempo hábil para acertar seu foco automático : para mim isto dizia tudo sobre minhas dúvidas ,conservei todas as fotos.

Nós ali cercados pelas mães de deus, assassinas , virgens estupradas e filhos de deus mortos por futuras overdoses , algumas daquelas nossas senhoras foram chefes de tráfico, mas por um momento estávamos todos ali ocupando todos os nichos de uma igreja inventada por nós com nossa melhor santidade ! _ Lembro me de Jean Beaudrillard nas " ESTRATEGIAS FATAIS " , falando sobre POMPEIA para dizer do efeito mental da catástrofe : " Parar as coisas antes que elas acabem e mantê-las assim suspensas em sua aparição "; porque afinal , despidos de sol , quem resplandesce ???

Joao alberto azevedo , sobre um exercicio de se identificar com a piedade...
out. 2009 -"

E-mail enviado para mim relatando a vivência feita por ele no projeto Diálogos Obscênicos.

domingo, outubro 11, 2009

A criação de um espaço sensorial e corporal para as jovens do S. Jerônimo

Eu e Lissandra criamos uma sala de vivências sensoriais para as jovens internas do S. Jerônimo como uma ação interventiva dentro do projeto Diálogos Obscênicos. Nosso objetivo foi o de tentar criar uma percepção e sensibilização corporal por parte das jovens, visando uma preparação para a criação artística. A percepção do corpo como um território mapeado por afetos, memórias, traumas, acontecimentos e possibilidade de novas subjetivações.

A ação foi realizada individualmente, o que permitiu que cada jovem pudesse ter seu momento singular e pessoal e assim estabelecer uma comunicação mais efetiva e afetiva com seu corpo em experimentação com cheiros, sabores, objetos, sons e espacialidades diversas.

Eu e Lissandra também fazíamos um trabalho de escuta de nossas ações no contato com cada jovem que chegava para a experiência. Um trabalho de percepção do Outro: suas fragilidades, tensões, defesas corporais e emocionais, sua respiração, sua reação ao contato etc. Dessa forma pudemos escutar o corpo dessas jovens e depois escutar seus discursos sobre o impacto das ações, as imagens, as sensações etc.

Conseguimos propor a atividade a cinco jovens e as duas agentes que testemunharam a ação também afirmaram ter sido afetadas pelo trabalho. Momentos intensos de troca, silêncios, contatos e abertura para diálogos e criações.

Um exercício de DESLOCAMENTO : espacial ( todas afirmaram se sentir fora da instituição durante a atividade e o fator de que criamos um espaço outro dentro da instituição , espaço real que se contrapõe ao espaço construído), temporal ( o tempo vivido de forma individual para cada uma e de acordo com as necessidades de cada uma , levando a uma suspensão e dilatação do tempo cotidiano), corporal ( o corpo se deslocando em sensações e produzindo imagens e resgatando memórias , se percebendo "outro e o mesmo") e conceitual ( para as agentes eu e Lissandra éramos terapeutas, daí a questão de até onde teatro e até onde outras práticas ) .

Foi uma tarde intensa e saimos de lá mexidos com a experimentação. Acho que o impacto desse nosso projeto é institucional mesmo.

terça-feira, outubro 06, 2009

chegamos na margem

após a visita de christina fornaciari, fizemos nossa primeira incursão coletiva ao são jerônimo. um dos intuitos do encontro com ela tinha sido justamente esse: nos prepararmos para o trabalho que iríamos iniciar junto às internas da instituição. claro que o fato da erica já ter iniciado a ação e já ter demandado a presença dos outros, os quais, por conta própria, já começaram a participar, já tinha, de algum modo, "coletivizado" as visitas. mesmo assim, carecíamos de um início mais formal, de um momento em que todos fôssemos nos apresentar e apresentar a proposta. para esse dia, tínhamos decidido realizar, diante de uma demanda das próprias internas de "ver o teatro que a gente fazia", uma interferência com os materiais de baby dolls dentro do centro.
as questões pós-praça da estação - as crises que se acentuaram devido ao caráter espetacular que a ação adquiriu, enfraquecendo sua potência - ainda estavam latentes e marcamos, joyce, eu, lica e erica, de nos encontrarmos ainda na parte da manhã, em um almoço-reunião para aprofundarmos a discussão e pensarmos a ação neste dia. erica amanheceu doente, mas, mesmo assim, resolvemos, nós três, realizar o trabalho. faríamos uma estrutura mais aberta, propícia ao diálogo direto com as meninas.
chegamos na hora do lanche. os cartazes "ética e caráter" grassam por toda a instituição. agentes por todos os lados. são amistosos conosco. eu era a única "virgem" do dia. tanto lica quanto joyce já tinham visitado o centro e já eram conhecidas das meninas. também já conheciam o espaço e já tinham passado pelos procedimentos de revista etc. conosco, os procedimentos de revista foram "leves": não tive que tirar a roupa nem exibir todos os meus orifícios para as agentes. mas não sou parente de bandido, sou uma pessoa filantropa que visa o bem das internas.
chegamos na hora do lanche e do cigarro no pátio: as garotas nos recebem, sedentas. são carentes de tudo: liberdade, afeto. ficamos ali, a conversar, enquanto aguardamos que o restante do obscena chegue. elas não sabem ainda da ação que irá ocorrer em breve.
eles chegam aos poucos. todos reunidos, voltamos à salinha para nos preparar para o trabalho.
em conversa com a chefe da guarda, joyce coloca que as meninas estão liberadas para tocar em tudo e ela é a primeira a sair, com seu carrinho de acessórios.
o que se passou foi para além de todas as expectativas.
elas avançam sobre joyce, mexem no carrinho, retiram tudo e vão experimentando. estão maravilhadas com o espelho, maquilagem, perucas. elas se pintam, se exibem. desfilam com o salto, fazem o tapete de pelúcia rosa de saia, de capa, de roupas várias. elas brincam de bonecas. são meninas marginais, a grande maioria negra e pobre, a se fazer de bonecas loiras e brancas.
entra a noiva e é recebida com uma marcha nupcial, sofejada por todas. a noiva causa espécie, elas não entendem o que ela é: por que a mordaça na boca? por que o plástico, as sacolas, a mudez?
a noiva cai e eu traço o primeiro corpo. escrevo nele. muitas deles se deitarão, ao longo da ação, para que eu desenhe seus corpos e neles escreva. mas o trabalho ali é outro, ele se modificou inteiramente. elas tomam conta da ação, a subvertem. elas nos pintam, manipulam nossos corpos. o jogo é direto conosco. não há espectador, a não ser os agentes que observam o caos se instalar, a brincadeira tomar conta.
a porta está aberta. já sabemos como entrar.

quarta-feira, setembro 23, 2009

BATE-PAPO COM CHRISTINA FORNACIARI

DURANTE SEU MESTRADO EM LONDRES, CHRISTINA TRABALHOU EM PRESÍDIOS COMO PROFESSORA E ORIENTADORA DE MONTAGENS PERFORMÁTICAS, EM QUE PARTE DOS PRESIDIÁRIOS TINHAM COMO PARTE DO CUMPRIMENTO DA PENA, AS AULAS ARTÍSTICAS, TENDO NESTAS AULAS, UMA FORMA DE ALCANCE EFETIVO DE EMPREGOS E DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL. FORMADA EM DIREITO, CHRISTINA TRABALHOU A RELAÇÃO ENTRE DIREITOS HUMANOS E PRÁTICAS TEATRAIS, UTILIZANDO OS JOGOS DE BOAL COMO PONTO FORTE EM SEU PROGRAMA DISCIPLINAR. CHRISTINA DETALHOU QUE OS INTERNOS POSSUÍAM INÚMERAS DIFICULDADES, TAIS COMO A BAIXA AUTO-ESTIMA, A DIFICULDADE DE CONCENTRAÇÃO E APRENDIZAGEM. ELA RELATA QUE OS PASSOS DADOS ERAM TÃO PONTUAIS E PEQUENSO QUE, A CADA AULA, APLAUSOS ERAM UTILIZADOS, A FIM DE ALIMENTAR O CRESCIMENTO E INCENTIVAR A CONTINUIDADE. AOS POUCOS, A FRAQUEZA INTERIOR DAVA LUGAR À VONTADE DE SE COLOCAREM NO DISCURSOS DA CENA, DE MANEIRA AUTOBIOGRÁFICA, COMO ATUANTES DOS SEUS PRÓPRIOS PROCESSOS, E ÀS VEZES, REINVENTANDO OS SIGNOS DE SUAS HISTÓRIAS. SEGUNDO CHRISTINA, OS PRESIDIÁRIOS ERAM, EM GRANDE MAIORIA, IMIGRANTES POBRES DE OUTROS PAÍSES. O QUE LEVA A REFLETIR SOBRE ÀS CONDIÇÕES SOCIAIS (E APARENTEMENTE XENOFÓBICAS) QUE OS MOVERAM PARA O CRIME. FALAMOS SOBRE A PERDA DE IDENTIDADE E COMPARAMOS AS RELAÇÕES ENTRE O PRESÍDIO LONDRINO E O SÃO JERONIMO:
PARA MIM, FICARAM ALGUMAS QUESTÕES:
-ATÉ QUE PONTO APROXIMAR FISICAMENTE DAS INTERNAS, E QUAIS TIPOS DE RELAÇÕES ESTABELECER? JÁ QUE PERCEBEMOS QUE A RELAÇÃO HIERÁRQUICA, PROFESSOR- ALUNO NÃO É NADA ADEQUADA.
............................................

IMAGEM E LÍNGUA

SOBRE A PALESTRA DE EUGÊNIO BUCCI, REALIZADA NA CASA FIAT DE CULTURA NO DIA 17 DE SETEMBRO:
BUCCI APONTOU QUESTÕES E FEZ CONSIDERAÇÕES (DE MANEIRA BEM SARCÁSTICA, DIGA-SE DE PASSAGEM) SOBRE O OLHAR E A IMAGEM NA SOCIEDADE ATUAL. PONTOS QUE ACREDITO SER DE GRANDE RELEVÂNCIA PARA O OBSCENA, OS QUAIS DESCREVO ABAIXO:

-ATÉ QUE PONTO FAREMOS SACRIFICIOS FARMACOLÓGICOS E ESTÉTICOS PARA CORRESPONDERMOS ÀS EXIGÊNCIAS DOS OLHARES EXTERNOS?
-O OLHAR SEMPRE É EXIGENTE, TANTO QUE A PROPAGANDA SE UTILIZA DESTE OLHAR ATÉ EM BANHEIROS PÚBLICOS;
-A IMAGEM ESCRAVIZA A MULHER , TORNANDO-A AMANTE DESTA SUBSCERVIÊNCIA MERCADOLÓGICA;
-DIVERTIR-SE É ESTAR DE ACORDO COM AS REGRAS DO ENTRETENIMENTO;
-O CAPITAL REMUNERA OS OLHOS COMO EM UM ESCAMBO;
-A IMAGEM PROPORCIONA UM PRÉ-GOZO, MESMO QUE INSTANTÂNEO;
-A MERCADORIA SOMENTE EXISTE QUANDO ELA É EXCLUSIVA, OU SEJA QUANDO ELA EXCLUI.
- O CORPO COMO SUPORTE DO DISCURSO VISUAL TEM TOTAL RELAÇÃO COM O MEDO DE SER REPROVADO PELO OLHAR.
....................................................................................

A criação de novos olhares através do exercício artístico/teatral

Segunda-feira , noite de 21 de Setembro de 2009 , recebemos a visita de Christina Fornaciari, performer, atriz, professora do Curso de Artes Cênicas da UFOP e fez mestrado na Inglaterra sobre "Performance e Direitos Humanos" focando o trabalho teatral nas prisões.

Sua visita se tornou especial ( partiu de um convite de Erica Vilhena) pelo fato de que no próximo sábado iniciaremos o projeto "DIÁLOGOS OBSCÊNICOS" com as jovens internas do Centro de Reeducação Social São Jerônimo aqui em Belo Horizonte. Nossa proposta nos próximos dois meses é tentar um díálogo artístico com essas jovens mulheres a partir de uma série de procedimentos artísticos e performáticos.

A conversa com Christina foi muito interessante devido a alguns aspectos abordados por ela, tais como:

- Ter calma no processo de trabalho dando cada passo em consonância com o ritmo e tempo do grupo e valorizando e incentivando cada momento vivido. É importante começar do mais fácil para que cada uma possa se sentir capaz de participar das atividades.

- Valorizar aquilo que elas têm como refência cultural: música, filmes, revistas etc. São materiais que podem ser utilizados na criação e improvisação de cenas.

-Propor exercícios e atividades mais corporais e deixar que as palavras venham aos poucos, isto é, mais prática e menos teorizações. Uma vez que o corpo se encontre menos defensivo e mais relaxado e aberto, aí se tornam possíveis mais conversas e reflexões.

- Importante trabalhar com o audiovisual pela questão da imagem e depois a possibilidade de se verem e se reverem. No exercício artístico a RECRIAÇÃO DE SI MESMO.

- Os exercícios do Teatro do Oprimido do Augusto Boal são muito interessantes e apresentam perspectivas não somente artísticas mas também sociais e políticas.

-A proposta mais potente é a abertura para novos olhares e pontos de vista sobre o mundo, o Outro e si mesmo. Não trata-se de um procedimento de reabilitação, mas a possibilidade de experiências novas, singulares e capazes de produzir deslocamentos e descobertas.

- Instalações corporais, de objetos pessoais ou construídos, enfim, a dimensão plástica e performática de variadas atividades. Falar do pessoal para se chegar ao universal.

Acredito que oferecer a PRESENÇA HUMANA já se configura como poética e política da existência. Fica nosso desejo de continuar dialogando com Christina.

terça-feira, setembro 22, 2009

Procedimentos domesticados e espetacularizados?

Semana passada deambulei por dois trabalhos do Obscena: "Desejos classificáveis" do Marcelo Rocco com o Didi e a Patrícia na porta do Palácio das Artes e o "Baby Dolls" com Nina, Erica, Lissandra e Joyce na Praça da Estação. É sempre bom presenciar experimentos e poder avaliá-los, ser atravessado por eles e criar novas perguntas para a pesquisa.

São três vetores que me chamaram a atenção no que presenciei nos trabalhos e me provocaram algumas questões: o espaço, o tempo enquanto duração e a natureza ou forma do experimento. Vou tentar passar por estes tópicos.

No caso dos "Desejos classificáveis", avalio que foi uma experiência interessante pelo fato de ter provocado alguns movimentos e deslocamentos no olhar dos transeuntes da cidade. O experimento que priorizou a imagem e ação dos atores e não qualquer tipo de texto ou fala, provocou pelo estranhamento de algumas imagens. Tudo foi sendo construído de forma orgânica e isso trouxe uma presença mais dilatada dos atores. Ficou evidente que Marcelo atua neste procedimento através de sua corporalidade presentificada no entorno e no centro da ação. Só que em alguns momentos isso se perde e Marcelo fica muito de fora, distraído e atuando muito como um diretor ou o responsável pelo acontecimento. Isso se dá por exemplo quando é ele que entrega os folders do evento Terças Poéticas e deixa claro que a ação faz parte de uma programação do Palacio das Artes.

Considero que a intervenção se mostrou muito leve e perdeu uma agressividade potente que sempre existiu nela. Para mim isso se deve pelo fato do espaço escolhido ( um espaço artístico, o que deixa claro do que se trata e acho mais potente criar ambiguidades ) a duração ( somente 20 minutos onde o trabalho não acontece e perde força ) e a forma como a ação acontece, isso porque influenciada por fatores externos como o fato de estar dentro de outro evento. Para mim essa concessão é pouco interessante porque retira a força e a violência da ação. Questiono então Marcelo, Didi e Patricia: não seria perigoso demais atender outras expectativas e perder algumas linhas de força da pesquisa? O que perceberam, descobriram e problematizaram com essa experiência? Certamente novas percepções surgiram. O procedimento não acabou por se domesticar? O que se ganhou e se perdeu? Pergunto porque me interessa identificar todas as possibilidades existentes. Nas ruas a ação de vocês não os coloca mais em risco e traz a possibilidade de um "CORPO VULNERÁVEL"? A opção de participar deste evento ( o lançamento do livro ESCRITURAS BORDADAS ) dialoga e provoca a pesquisa de vocês em que sentido?

Aguardo as respostas para que um diálogo se estabeleça.

Quanto ao "Baby Dolls" na Praça da Estação tive a sensação de que o trabalho ficou disperso e sem força. O espaço ficou maior que a ação e tudo muito "policiado" e espetacularizado demais. Havia um público ali convidado para assistir uma peça de teatro?

Aconteceram imagens potentes e até belas, mas isso é muito pouco. Faltou talvez mais risco e presença das atuantes. Acabou que também ficou leve e gostoso de se ver...O mesmo se deu em relação ao tempo: uma passagem muito rápida da exposição para a cidade das mortas. Faltou mais tempo distendido, mais calma e escuta e tudo foi muito veloz, que a passagem não alterou nada. Faltou tempo de exposição das imagens a se contraporem à velocidade da cidade e dos passantes.

Pergunto: o que é ocupação? E o que é intervenção? Serão a mesma coisa?Existem pontos aí a serem investigados. A ação pede mais tempo, mais exaustão, mais "tatuagens", sujeiras e restos no corpo da cidade?

O procedimento terminou e o rastro não ficou.

Nina deixou 14 marcas no espaço, foi a última a abandonar a ação e senti nela a densidade do trabalho, tinha uma presença diferenciada. Pude sentir a potência desta escrita.
Pergunto: será que a ação não pede mais riscos, espaços diferenciados e novas formas a se experimentar? Não estará já se fixando? Penso na destruição como forma de reconstrução.

João me revelou que se ateve ao olhar e reação dos passantes frente ao procedimento. E o que foi percebido? Como seu trabalho atinge o procedimento? Longe, perto, claro ou escondido? Mas que altera, não resta dúvida.

Ficam aqui meus rastos, restos, memórias e ficções dessas deambulações obscenas.
Cadê o risco, a margem e dúvida?
Esta minha escrita tem um pouco disso tudo e exponho assim minha pesquisa de espectador, mas necessito de diálogo, conflitos e questões. Senão corro o risco de ser um crítico e ter a última palavra.

Quem vai me questionar?

segunda-feira, setembro 21, 2009

Setembro, obscena no são Jerônimo.




O agrupamento de pesquisa Obscena, através de uma parceria com o Euler, que atualmente trabalha como professor do instituto São Jerônimo, viabilizou este contato entre o agrupamento e a instituição.
Fizemos alguns encontros com este professor do instituto São Jerônimo.
Levantamos questões que fossem pertinentes para estabelecer este dialogo e a partir daí fomos para as propostas individuais de cada pesquisador onde elaborou, uma forma pratica de dialogo com as internas do instituto.

Hoje é o segundo dia que vou ao São Jerônimo, tudo parece uma aventura,
conhecer novas pessoas, dialogar com elas e ver o que vai sendo possível de trocar.
A instituição esta toda bem cuida, limpa, paredes bem pintadas, na verdade a estrutura física é bem diferente do que eu imaginava.

Entramos e saímos em varias portas e sempre acompanhados pelos agentes de segurança, tudo me parece tranqüilo.

Lá de fora já se ouve a voz dessas garotas, tão novas mais já cheias de
“Cicatrizes, feridas....”

Depois de destrancar, abrir, fechar, passar por corredores, chegamos ao pátio, elas estão vestidas azul e branco, umas com calças azuis de moletom ou brim outras de bermuda.
Os cabelos esta bem cuidados a grande maioria com unhas feitas.

E alguma diz assim a Erica: “e aí doidinha, beleza?” e por aí, varias outras já começam também a cumprimentar, comigo que estava chegando ali pela primeira vez junto a elas recebo: olhares. Eu disse: oi, elas: oi beleza, você também mora no Floramar? Eu disse: não nós trabalhamos juntos.... ( referindo a Erica)

Este primeiro dia foi mesmo uma forma de aproximação, apenas para conhecer,
Criar algum vinculo.


Sábado 19 de setembro de 2009,



Adolescentes/Mulheres
Lembranças
Saudades dos filhos, da mãe.
Lembranças dos amigos



Mais um dia de trabalho no instituto São Jerônimo, Saulo, João e Lica são os Obscenicos presentes nesta tarde.
Chegamos com filmes, bastão, revistas, livros e uma vontade imensa de revelas.
Logo na entrada, já encontramos com algumas conhecidas, algumas lembro do nome, outras não, cumprimentamos, sorrimos e demos apertos de mão, como se estivéssemos selando algo de bom que estaria por vir.
E não foi diferente.

“Para conhecer um preso ou uma presa, basta ter contato com uma pessoa pobre que não teve garantidos proficuamente seus direitos econômicos, sociais e culturais e que, por este motivo, muitas vezes não conseguem exercer plenamente seus direitos civis e políticos. Lógico que não são todas as pessoas pobres que vão para prisão. Mas indivíduos com este perfil são vulneráveis a ingressar no sistema de segurança......
São os cidadãos considerados de segunda classe pelo Pode Publico...”.

Lica, sugeriu uma biblioteca ao ar livre e montamos, foi maravilhoso, com colcha de retalhos, livros, revistas e almofadas. Deitamos, sentamos e algumas preferiam ficar de pé rodeando a colcha de retalhos estendida ao chão.

Muitas não se misturavam, então preferiam pegar o que lhes interessavam e procuravam outro canto, pelo que percebi uma forma que elas encontram para tornar a convivência menos atrituosa.

Na colcha de retalhos tecemos prosas, trocamos experiência de vida, à medida que alguma via alguma imagem, uma fotografia nos livros, elas lembravam de uma época da sua vida e acabavam falando, desabafando, falamos também da gente, contamos casos, rimos, escutamos, algo de bom aconteceu ali.

O desejo de sair é latente, xxx reclama que sua cabeça esta doendo, yyyy chora no canto da quadra escorada no ombro da amiga.

O jogo com bastão:

Aconteceu de forma bem sutil, começamos com uma dupla, eu e ttttt jogamos bastão, estabelecemos uma confiança, chegando a ficarmos bem distantes e arremessamos o bastão sem medo. Depois João também entra no jogo, uma outra garota também chega.
Ficou mais animado, lançamos desafios, olhamos olho no olho estabelecemos uma regra: “quem errar sai” o desafio deu gás maior na parada, uma mistura de nervosismos e vontade de vencer ou não..... Talvez uma forma de ludibriar o tempo, que para elas ali parece passar tão lento, é o que elas dizem.....

O jogo de basquete:

João e eu aproximamos em momentos diferentes e juntos brincamos de um jogo: 21 com a bola de basquete que acontecia entre duas garotas, João lembra de um tempo que ele já foi esportista, compartilhou algumas técnicas e é verdade, funcionou mesmo.... Tanto para elas quanto para mim.

Os filmes:

Convidamos algumas garotas para assistir um curta metragem “Jardim das Cores” de Guilherme Reis, levei este filme que trata de um universo infantil propositalmente, para ver o que acontecia ali, pois sei que algumas delas são mães, assistimos, quando chegou ao final uma garota perguntou: “ não tem filme de tiro? Gosto de filme que fala de bagulho e tiro....” então passei um outro onde passava um pouco por este universo, elas gostaram mais, no final fizemos um rápido bati papo, onde cada um falou de suas impressões dos filmes exibidos.


È hora de ir embora, passo perto de hhhhh uma garota que estávamos conversando e ela de uma certa forma esta bastante envolvida nas atividades que estamos fazendo, ela me chamou para dançar um fank que estava tocando na radio , coincidentemente o mesmo do dia que a conheci.

Neste primeiro dia ela falou da sua vida.... hoje quando estávamos despedindo mais uma vez a mesma musica repeti, dançamos um pouco em uma roda , depois Lica chegou ... dançamos ...


“Prisão perpétua é a morte e eu volto sim
Você é a parte boa que existe em mim...”

Precisamos ir até mais....

“Pedindo de joelhos pra Deus me Proteger.
Na vida loka é assim parto pro tudo ou nada
Sem saber se volto, só tenho você por mim
Então não me abandona amor eu te imploro...”


e realmente, nosso tempo ali, naquele sábado, já estava esgotando...

“ até semana que vem..., até. Tchau.... até mais... ooooo lembra de trazer a musica é mc romeu...”


“ Hoje perdi meu bem eu rodei,
Mas troquei foi tiro a riviria
Armaram pra mim
Quem foi eu não sei
Me entrguei pra te rever um dia.


Hoje, fico por aqui.
Abraços,
S.S

sexta-feira, setembro 18, 2009

bonecas domesticadas




não, ontem não foi uma intervenção. não fizemos uma interrupção. não provocamos nenhuma ruptura. nem em nós mesmas. claro, podemos culpar o espaço. não havia fluxo de passantes, a praça da estação é uma praça que leva à contemplação... que leva à autorização.


evento tem que ser autorizado.


ordenado.


como dialogar com o espaço no qual nos propomos a interferir?


estávamos apresentáveis ontem. autorizadas. ordenadas. domesticadas.


sintomático todo o aparato da lei e da ordem presentes no local. todas as formas de dominação do poder. homens fardados. motos. máquinas. guindastes. tudo a serviço da ordem. e nós, sob o monumento em homenagem à ordem e ao deus pau. pai. domesticadas. pequenas. fêmeas.


penso que não pode existir mais uma definição a priori da forma de ocupação que não venha do diálogo direto com o espaço escolhido para a ação. penso que temos que, urgentemente, considerar o elemento "câmera/registro" em nossa ação. Como lidar com esta obsessão pela imagem que nossa imagem causa? como reverter isso em questão para o trabalho? devolver a imagem para as pessoas? hipertrofiar a presença das câmeras? questão presente na primeira experiência de baby dolls e que retorna, cada vez mais forte.


para alguns espaços, mais amplos, talvez o giz não seja a forma única, e mais eficiente, de escrita. quais os meios possíveis para a interferência escrita nos espaços? em espaços como esse? placas, avisos, faixas? cartazes? talvez eu também devesse ter um carrinho, com materiais escritos diversos. palavras recortadas. colagens.


ontem explorei a escrita contornando os corpos. e a palavra que se desdobra em outras. preciso fazer mais isso. ainda estou em estudo. ainda estou em processo.


precisamos novamente nos colocar em risco. sinto que a ação precisa mover-se. literalmente. pelo centro da cidade. pelas estações de metrô. pelos bairros e periferias.


mover-se e nos mover.


sim, proponho percursos pelas estações de metrô. cartografias para essas mulheres objetos.


carrinhos e sacolas carregadas. um elemento de estranhamento? um corpo/parte de corpo plastificada? como as embalagens, envoltas em filme plástico? um objeto estranho porque deslocado do seu habitat natural: a casa, a prateleira? erica a carregar vassouras, calcinhas na cabeça? lica a passear de noiva?


proponho a ação sem licença, nas travessias para o metrô, nas rampas de acesso. nessa arquitetura vazada.


a cada vez, os percursos se encontram numa mesma estação.


baby dolls, a qualquer hora, em qualquer bairro desta cidade.

quarta-feira, setembro 16, 2009

DEAMBULAÇÕES OBSCENAS- UMA NOVA PESQUISA

Trata-se de minha nova pesquisa dentro do agrupamento Obscena. Agora em 2009 fui um ativo participante e pesquisador-espectador de vários trabalhos dos artistas do agrupamento. Percebo que "deambulei" muito, isto é, caminhei e andei atrás, em torno, longe e perto, pelas variadas experimentações que aconteceram na cidade e pude ser atravessado pelos fluxos e refluxos dessas interrupções performativas. Principalmente o "BABY DOLLS" foi um território muito potente de novas questões e investigações. Daí muitas trocas, relatos e produção de novas perguntas.

Com as questões vivenciadas no e pelo Obscena tenho deambulado pela UFMG e mais precisamente em meu projeto de mestrado. Em variadas trocas com outros grupos artísticos e de pesquisa cênica tenho "raspado" muitos conceitos, dúvidas e inquietações. Enfim, no ato de deambular de lá para cá, em todos e vários sentidos, o Obscena se faz presente, se faz encontro, se faz lugar de produção de novas subjetividades e construção de relações coletivizadas.

Na deambulação se encontra o OUTRO, o diferente, o acaso, o risco e o obsceno. Nas palavras de LACAN : "IR ALÉM DA CENA, NÃO É VER MAIS, MAS SE TORNAR OBSCENO." Não temer ou se defender das multiplicidades ou acontecimentos que escapam da lógica do sentido, ou então, estão em outras lógicas com ou sem sentido. Há de se reiventar novas formas.

Duas deambulações me atravessam:
- as pesquisas do Obscena
- a intervenção artística com as jovens do São Jerônimo. Aqui recupero minha pesquisa anterior sobre o feminino e a escuta dele, no caso agora, através da juventude. Aqui se mesclam pensamentos artísticos, estéticos e meus estudos de psicanálise.

Meu desafio : como estar dentro e fora do agrupamento? Como ser um espectador-pesquisador?
O que fica de uma ação performativa na cidade? O que o Obscena faz hoje é performance, teatro ou é o quê? Como espectador posso interferir també? Enfim.....acho que é isso.

Eu também entendo que o transeunte da cidade quando se depara com uma ação do Obscena age e deambula de alguma forma. Deambula nas suas percepções e leituras do acontecimento. Deambulação física, mental, cultural etc. Abrir-se a outro tipo de experiência e contato. O mesmo se daria para quem faz a ação? Haveria então uma deambulação recíproca? Ou antes uma AFETAÇÃO ou AFECÇÃO?

Deambular de lá para cá, caminhar, criar movimentos, abalar certezas, interromper, incomodar,suportar o vazio e o não-saber, perguntar. Isso está presente nas pesquisas dos obscênicos?

AINDA QUE CONSERVADOR

DIA 15 DE SETEMBRO DE 2009. 18 HORAS. PALÁCIO DAS ARTES. ENTRADA ENTRE A RUA E O FOYER.PATRICIA CAMPOS, DIDI VILELA, MARCELO ROCCO. PROCEDIMENTO DESEJOS CLASSIFICÁVEIS. CLÓVIS ESTAVA LÁ. APENAS ELE DO OBSCENA. OBRIGADO CLÓVIS. NOSSA PROPOSTA ERA ENGAJAR O PROCEDIMENTO QUE FAZIAMOS SOBRE "CLASSIFICADOS", NA PROPOSTA DA ARTISTA PLÁSTICA FLÁVIA CRAVERO, QUE HAVAI FEITO UM LIVRO E UM DOCUMENTARIO SOBRE MULHERES DO INTERIOR DE MINAS QUE BORDAM SUAS VIDAS EM TOALHAS, BOLSAS, PANOS DE PRATO, ETC. ELAS ESCREVEM SEUS DESEJOS, SUAS ANGÚSTIAS NAS SUAS OBRAS:OS PANOS. FALAM SOBRE A CONDIÇÃO DE SER MULHER, ÀS QUAIS ASSOCIAMOS AO NOSSO PROCEDIMENTO:
DESEJO SER HOMEM
DESEJO CASAR
DESEJO TER FILHOS
DESEJO NÃO MENSTRUAR MAIS
DESEJO UM PRÍCIPE
DESEJO SER MAGRA
DESEJO AMAR INCONDICIONALMENTE
DESEJO SER MAIS BONITA
DESEJO FAZER FACULDADE E CASAR
DESEJO SER FELIZ
DESEJO TER BUMBUM MAIOR
DESEJO NÃO SER TRAÍDA
ACOPLAR AS IDÉIAS AO NOSSO PROCEDIMENTO DESVIAVA UM POUCO O NOSSO CURSO, MAS DESEJÁVAMOS EXPERIMENTAR, MESMO SABENDO QUE O PALÁCIO DAS ARTES DARIA UMA CATEGORIZAÇÃO DE ARTE AO NOSSO TRABALHO, OU SEJA, FICARIA MAIS CLARA A IDÉIA DE PERFORMANCE, MENOS DILUÍDO O LIMITE ENTRE O REAL E O FICCIONAL JÁ QUE ESTÁVAMOS EM UM LOCAL CATEGÓRICAMENTE TEATRAL.
COMEÇAMOS O TRABALHO. PATRICIA E DIDI DEITADOS. CARNES AO REDOR: MUXIBA, PELE, RESTOS DE VACA E GALINHA. COMO ESTÁVAMOS ACHANDO O NOSSO TRABALHO UM TANTO DIDÁTICO E VERBORRÁGICO, EXPERIMENTAMOS RETIRAR A FALA, APENAS GESTOS PARA UMA NOVA PROPOSIÇÃO. PRECEBI NESTE MOMENTO QUE A FALTA DE VERBO DEIXOU NOS ATORES UMA LEVEZA MAIOR, RETIROU A AGRESSIVIDADE QUE BUSCÁVAMOS EM NOSSO DISCURSO. MAS AS IMAGENS ERAM CRIADAS. OS TEXTOS NO CHÃO ERAM O COMBUSTIVEL DAS CONSTRUÇÕES: DORA: HOJE SOU DOR. MARIA: BEBE, COME, PROCRIA. E DESEJOS. CARLOS: DE NOITE CARLA. JÁ TINHAMOS O NOSSO DISCURSO E NÃO PODÍAMOS NOS DESPRENDER TOTALMENTE, ENTÃO TRABALHAMOS TAMBÉM OS TRANGÊNEROS: DIDI TROUXE OS DESEJOS DELE, SOBRE MASCULINIDADE, SOBRE O QUE É SER MACHO. ENTRE AS IMAGENS FORMADAS, CONSTRUÍMOS:
-A TENTATIVA DE SER MAGRA, BELA, PRINCESA;
-O CORPO EXPOSTO COMO CARNE;
-AS POSIÇÕES FEMININAAS SEXUAIS DO UNIVERSO MACHISTA;
-OS DESEJOS DO CORPO;
- A ANIMALIZAÇÃO DAS PESSOAS;
-A COISIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES;
DIDI E PATRICIA SE ANIMALIZARAM SE MISTURAVAM À CARNE, SE TRANSFORAMVAM EM COBRAS, PIRANHAS, GALINHAS.COMIAM RAÇÃO. SAIAM, DEIXANDO OS RESTOS DE CARNE E ESCRITOS PARA TRÁS. TRABALHARAM OS TEXTOS CONSTRUINDO IMAGENS SOBRE O FEMININO E SOBRE OS CORPOS. EM UMA MISTURA DE SERES HUMANOS COISIFICADOS.

terça-feira, setembro 15, 2009

cadê o salto no escuro?

sim, um tempo de muita ação. empenhadas no fazer, carregadas de compromisso, nós mulheres nos lançamos à aventura de fazer correr baby dolls...

da última interferência realizada em belo horizonte, em 05 de junho de 2009, à próxima, a ser realizada no próximo dia 17, na praça da estação, muitas coisas aconteceram.

estivemos em ouro preto e em mariana, palco histórico de uma cultura católica e machista. novamente as meninas interagiram completamente com a boneca joyce, negra que que se transmuta em loira boneca rosa (como já tinham feito na praça sete, no dia 05). elas brincam com ela com brincariam com suas bonecas. e brincam com seus corpos como se também fossem, elas mesmas, bonecas. bonecas em série. a poderosa imagem de erica dona de casa santa santo orixá ganhou beleza especial no altar da praça tiradentes. mas lá quase (quase?) resvalamos em espetáculo, perdendo a dialética necessária à construção do estranhamento que queremos. fomos simpáticas. desejadas. amadas. faltou o nó amargo. de minha parte, me pergunto: será que tenho sido muito condescendente em meus escritos a giz no chão? como lidar com as meninas sem perder a potência da ação? o que escrever em seus corpos de criança marcados no chão? como relacionar estes corpos aos outros corpos de mulheres mortas?

em seguida, fomos para o festival de são josé do rio preto, onde iríamos enfrentar o não lugar, bar do festival. como fazer tal ação naquele espaço de diversão? como não sermos engolidas? a experiência foi exaustiva, confesso. não foi fácil segurar aquele espaço. mas acho que conseguimos, mesmo assim, garantir um mínimo de atrito para o incômodo necessário às mulheres dondocas burguesas, fabricadas sob medida para o mercado da buceta, para a caça de todo dia. estas têm um "plus a mais": consomem cultura.

no dia seguinte, fizemos em uma praça, no centro comercial da cidade. primeiro sinal de uma percepção que a mip2, em agosto, veio a fortalecer: de que uma platéia constituída como tal altera o sentido da ação. como quebrar com as expectativas de um público já instruído? como garantir o estranhamento da ação em diálogo com esta espetacularização da forma? como romper com este lugar? o que é necessário para garantir a eficácia da ação? como garantir a processualidade desta construção e a manutenção dos espaços de experimentação e risco?

essas questões ainda estão latentes em todas nós, ou, pelo menos, em mim. baby dolls precisa novamente saltar no escuro. ou, pelo menos, eu preciso.

terça-feira, setembro 01, 2009

Inquietações Obscênicas...

Um tempo de silêncio e muita ação.
Entre julho e agosto levamos a intervenção urbana ‘Baby Dolls – uma exposição de bonecas’ ao Festival de Ouro Preto e Mariana, ao FIT - São José do Rio Preto e à MIP2 – manifestação internacional de performance. Clóvis esteve no 1º Festival de Performance de BH com o trabalho ‘corpoalíngua 4x4’ e Joyce com ‘Promoção do dia: entre sem bater e suba na vida’.
Participar destes eventos colocou-nos diversas questões e a que me move agora é a relação entre o ato performativo e a formação do indivíduo. Será a ação interventiva ou performativa também potente na construção da cidadania? Como a ação performativa pode realmente interferir no presente construindo brechas e espaços para a geração de identidades autônomas? E por que tal inquietação se dá em mim? Creio que muito devido à mudança de eixo que impus a minha trajetória profissional, pessoal e intelectual. É na crise e no caos que surgem as potências e como não há lugar para mim que não este optei por ser uma ‘facilitadora’ do projeto PRO JOVEM (FMC e Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social) que atua junto a coletivos de adolescentes de famílias cadastradas no Programa Bolsa Família (Governo Federal) e também pelo trabalho com jovens adolescentes do Centro Reeducacional São Jerônimo, destinado a meninas entre 13 e 18 anos que infringiram a lei. Um trabalho totalmente novo e no qual terei de me reinventar, pois não sou nem de longe uma arte educadora.
Percebo que há um reajuste no foco do meu trabalho, passei o ano de 2008 direcionando minha pesquisa junto ao OBSCENA partindo de questões pessoais. Estas motivaram meu caminho em busca dos elementos e ferramentas da educação destinada às mulheres. Minhas limitações, frustrações e necessidades me impulsionaram ao entendimento daquilo que se caracteriza como o gênero ‘feminino’. A gama de instrumentos para a composição deste encontra-se desde o nome do bebê até os tabus destinados à população feminina. Através dos ‘procedimentos cênicos’ – no OBSCENA utilizamos este termo para designar ações individuais e/ou grupais que efetivamos ao longo de 2008 – e da aglutinação destes compus a imagem ação ‘Santadonadecasa’. Uma intervenção urbana que não compartilha da simpatia do público feminino. Isto devido à exposição de utensílios domésticos? Ou devido à imagem estagnada da mulher que carrega em sua boca seu molde? Ou será que em tempos de Mulheres Melancia, Jaca, Melão e Abacaxi é difícil encontrar reflexo nesta que se apresenta tão coberta em panos? Ao longo de nossas exposições – ‘Baby Dolls – uma exposição de bonecas’ fruto da fricção das pesquisas da dramaturga Nina Caetano e das atrizes Erica Vilhena, Joyce Malte e Lissandra Guimarães - em alguns cantos do centro urbano de BH – Pça da Savassi, Pça 7, Pça da Estação – observei a curiosidade das adolescentes, a irritabilidade das jovens acima dos 20 anos e a indignação das senhoras. Será este fato a constatação do acirramento dos códigos sociais destinados à mulher e à sua submissão à sociedade paternalista e capitalista?
Bom, uma vez que as adolescentes se mostraram mais instigadas pelo trabalho, por que não ir até elas e averiguar o quão afetadas estão por esta ordem social? Creio que por isto cheguei aos trabalhos aos quais me dedico agora neste segundo semestre. Desejo encontrar-me com estes jovens adolescentes e instigá-los. É necessário agir sobre eles com imagens e ações diversas às incutidas pela cultura de massa. É necessário criar junto a eles brechas para suas expressões. Assim retorno a Artaud (1896-1948), as bases precisam ser revistas e revisitadas, é necessário re-compreender a cultura

“Nunca como neste momento, quando é a própria vida que se vai, se falou tanto em civilização e cultura. E há um estranho paralelismo entre esse esboroamento generalizado da vida que está na base da desmoralização atual e a preocupação com uma cultura que nunca coincidiu com a vida e que é feita para reger a vida.”

Os coletivos de adolescentes encontram-se em áreas de risco social. Eles moram na área limítrofe da guerra civil que enfrentamos no Brasil há anos. O tráfico, os assassinatos pelas mãos da polícia ou pela própria justiça do local, este é o cotidiano. As jovens do São Jerônimo já ultrapassaram a linha tênue entre o risco social e a criminalidade. Um fator comunizante é a ausência da figura paterna, a mãe é santificada e sobrecarregada por toda a responsabilidade sobre a família. O acesso aos bens de consumo é significativamente restrito e da cultura não é diferente. Mas, eles têm fome, querem pertencer, querem também inscrever sua história na história da cidade.
Tento aqui e agora traçar um paralelo entres as duas realidades que apresentam: jovens em livre processo de formação e criação de suas expressões e jovens reclusas e em progressiva estagnação do processo de formação e criação de suas expressões. Os adolescentes dos coletivos mesmo com sérias dificuldades na aquisição de bens culturais estão amparados por um aparelho governamental que se esforça em mantê-los ‘ocupados e afastados’ da criminalidade; as jovens do São Jerônimo romperam a barreira do socialmente aceitável e encontram-se reclusas num aparelho governamental destinado às suas reinserções no convívio social. A força criativa dos primeiros ainda não foi subvertida pelas drogas, tráfico e homicídios; já nas jovens reclusas esta força encontra-se totalmente calcada na justiça do ‘olho por olho, dente por dente’, a agressividade é a arma empunhada dentro da instituição, o corpo é uma armadura e a voz expressa em monossílabas e grunhidos. Mas, é justamente aí, nesta armadura que se expressa suas potências. Agora o desafio é transformar este corpo institucionalizado em corpo autônomo. Mas como? Ainda não tenho respostas, somente inquietações.
Os jovens dos coletivos responderam muito positivamente às dinâmicas propostas. Cada um guarda suas singularidades, como dizia minha mãe: ‘_ um tem que empurrar e o outro segurar’; expansão e contenção são as ações que terei de empreender em cada.




O ato performático como ação cidadã – utilizando exercícios teatrais para a construção do indivíduo (Esta prática desenvolvo junto aos coletivos de adolescentes, por hora vou abordar somente esta frente de trabalho uma vez que o trabalho com as jovens do São Jerônimo está ainda na construção duma confiança mútua)

E é este viés que tenho utilizado para impulsionar os jovens dos coletivos para um exercício de autoconhecimento e reconhecimento de sua situação/localização sócio cultural e assim estimular a criação e desenvolvimento de ações que permitam burlar a ordem geral da sociedade, que visa estratificar as camadas sociais e estagnar o indivíduo em seu processo de autonomização. Para tanto exercícios de narrativas acerca de si mesmo e da sua vida cotidiana são a matéria prima para geração de questões fundamentais para nossa formação como cidadãos – Quem sou eu? Onde estou? O que faço? Eles têm muita energia e é preciso incentivá-los a gastá-la, ou melhor, aplicá-la diariamente na busca do próprio caminho. Ir em busca daquilo que eles não têm em suas comunidades e tomar posse de suas auto expressões. Creio que este exercício é uma ferramenta na luta contra esta dita ‘cultura’ que Artaud suscita, a Indústria Cultural. Como os próprios jovens disseram: ‘_ a Favela tem cultura também, aqui a gente também faz nossa história!’ e é atrás disto que estou: do que é pertinente a eles, às suas famílias, à suas comunidades. Desejo insuflar os seus desejos de compartilhar com jovens de outras regiões e assim formarmos uma rede de agentes que estão inseridos na sociedade de consumo e que fazem uso de suas arestas para gerar meios e possibilidades de ações efetivas para si.
Estes dias ganhei do pesquisador Clóvis o livro ‘Culturas juvenis – múltiplos olhares’ de Afrânio M. Catani e Renato de S. Porto Gilioli. Já no primeiro capítulo ‘Faces do consumo cultural’(pág.19) me deparo com a seguinte questão

“(...) Ainda que o consumo cultural construa uma imagem positivada da juventude, a diversidade de condições sociais e econômicas nem sempre permite que os jovens possam vivenciar as idealizações de que são objeto. A indústria cultural contribui de forma decisiva para uma série de exclusões e diferenciações entre as múltiplas condições juvenis.”

e mais,

“(...) A juventude é ... tanto ... um mito fabricado por um ramo industrial específico da sociedade capitalista, o da Indústria Cultural, quanto um consumidor cultural a ser domesticado (D. Helder Câmara).”

As observações acima trazem luz ao exercício que propus no primeiro dia de trabalho junto ao Coletivo Vista do Sol (12/08/2009). Pedi a eles que criassem um cartaz com o título – ‘Quem sou eu?’ como material de composição cedi revistas, canetas coloridas e papel branco. A maior parte utilizou imagens que não têm correspondência com a realidade sócio econômica deles, e o mais agravante, as meninas têm as composições mais deturpadas pelas imagens midiáticas dos corpos femininos e os acessórios e modos de agir pertinentes a este gênero. Um modelo aí se reafirma.
Não repeti este exercício com os jovens do Coletivo Arthur de Sá (27/08/2009). A partir da colocação de um dos jovens quanto a expectativa me relação ao projeto, este jovem perguntou-nos se iríamos trabalhar com a cultura afro brasileira, então perguntamos o que era isso para ele _ uai, são nossos ancestrais... Logo, propus que cada um contasse sua história, compreendendo-nos como descendentes de alguém, que também descendeu de outrem... E que principalmente localizassem suas histórias nos locais onde já moraram e moram. Alguns souberam compor bem seu quadro histórico, outros tinham a narrativa mais fragmentada. Este coletivo, talvez por ter um Educador, Ricardo, com um perfil mais assertivo, também se coloca de forma mais contundente que o primeiro citado. Mostrei a eles duas fotografias de Cláudio Versiani – ‘Projeção’. A primeira imagem mostrada é de uma multidão de crianças negras, provavelmente africanas e a segunda é duma arquitetura super higth tech. Pedi que cada um dissesse, ao admirar a foto, uma palavra que resumisse a imagem. Depois traçamos um paralelo entre ambas. O resultado foi estimulante, eles são muito agitados, mas creio que consegui transpor esta energia para o trabalho.
Enfim, estou caminhando.

sábado, junho 20, 2009

CLASSFICADOS E A SÍNDROME DO PEQUENO PODER


ONTEM FIZEMOS UM NOVO PROCEDIMENTO, AS PESSOAS DESTA VEZ, ESTAVAM MAIS DISTANTES QUE A PRAÇA SETE, COMEÇAMOS A MONTAR O NOSSO MATERIAL: CARNES MUXIBENTAS, CORPOS PROSTITUIDOS, CLASSIFICADOS (VER A POSTAGEM ABAIXO). AS PESSOAS COMEÇARAM A SE APROXIMAR. DIDI E PATRICIA COMIAM RAÇÃO, PUNHAM CARNE CRUA, ANIMALIZARAM-SE. APÓS ISTO, LIAM OS CLASSIFICADOS E FAZIAM POSES, POSES DE VENDA, POSES DE PRODUTOS NA VITRINE, POSES DE QUANTO VALE? SILENCIO E POSES. PATRICIA LÊ O PRIMEIRO CLASSIFICADO: LEILA: TRABALHA, COME, PROCRIA, TRABALHA , COME, PROCRIA. NARRA LEILA, SE TORNA A LEILA. DIDI SE OFERECE. COMEÇA A CORRER: CLASSIFICADO- JORGE TRINTA ANOS, ATLÉTICO. DIDI DIZ: TENHO QUE EMAGRECER, E CORRE. TENHO QUE EMAGRECER! TENHO QUE EMAGRECER! TENHO QUE EMUDECER.
COMEÇA UM INTENSO JOGO DE NARRATIVAS, DEPOIMENTOS PESSOAIS.INTERFIRO ATRAVÉS DAS NARRATIVAS. ESCREVO CLASSIFICADOS PRESENTES PARA INTERFERIR NO JOGO. UMA MULHER CONFUNDE A PATRICIA COM PROSTITUTA. A OFENDE, INSTIGA AS COLEGAS A OFENDEREM TAMBÉM. O LIMITE DO REAL É, POR POUCO TEMPO, INSTAURADO.
OS GUARDAS MUNICIPAIS VÊM: CINCO POLICIAIS PERGUNTAM O QUE ESTÁ ACONTECENDO. EXPLICO UM A UM QUE É UMA INTERVENÇÃO. INSATISFEITOS ELES PERGUNTAM NOVAMENTE, E NOVAMENTE, E NOVAMENTE. DESEJAM QUE A GENTE SAIA DE LÁ.
O ENGRAÇADO É QUE UM DIA ANTES TEVE INTERVENÇÃO DE PALHAÇO. PALHAÇO PODE. CARNE EXPOSTA NÃO. NÃO PODEMOS AGREDIR AO BOM GOSTO BURGUÊS. PESSOAS PEDINDO ESMOLA E PASSANDO FOME NA PRAÇA NÃO AGRIDE O BOM GOSTO BURGUÊS. PEDEM PARA TIRARMOS OS PAPÉIS COLADOS NO CHÃO. EU ENROLO E NÃO TIRO. PEDEM NOVAMENTE. O CHEFE DA GUARDA MUNCIPAL FAZ QUESTÃO DE DIZER: SOU CHEFE! ATESTANDO SEU PODER. DIZ QUE NÃO PODEMOS SUJAR A PRAÇA (NINA PASSOU E DEIXOU SEUS ESCRITOS COM GIZ), RESPONDO CINICAMENTE: SE NÃO PODEMOS SUJAR A PRAÇA VOU TIRAR MEUS SAPATOS! PEÇA A TODOS PARA ANDAREM DESCALÇOS.
O CHEFE FICA MAIS ZANGADO E DE REPENTE EU VIRO A INTERVENÇÃO E PASSO SER O ASSUNTO MAIS INTERESSANTE. OS GUARDAS FALAM QUE PRECISAMOS DE ALVARÁ. RESPONDO A ELES SE A MISÉRIA NA RUA PRECISA DE ALVARÁ TAMBEM, OU SE JÁ FOI ACEITA PELA PRAÇA. EXPLICO PARA ELE SOBRE SEU PODERIO. ELES COMEÇAM A PRESSIONAR PARA SAIRMOS DE LÁ. TRANSEUNTES FICAM DO NOSSO LADO E DISCUTEM COM ELES. ISTO NOS DÁ MAIS TEMPO. TERMINAMOS E RAPIDAMENTE VAMOS EMBORA. NÃO PUDE DEIXAR OS CLASSIFICADOS COMO DAS OUTRA VEZES, POIS ESTAVAMOS SUJANDO O CHÃO. ESCREVI UM CLASSIFICADO SOBRE O CHEFE DA GM: FELIPE. 32 ANOS. CHEFE DE POLÍCIA. GOSTO DE MANDAR. NÃO GOSTO DE SUJEIRA. GOSTO DE PODER. GOSTO DE FODER COM OS OUTROS.

quinta-feira, junho 18, 2009

CLASSIFICO-ME


APÓS A SABATINA SOBRE POSSIVEIS CAMINHOS DIRECIONADOS, REELABOREI, JUNTAMENTE AOS ATORES DIDI VILELA E PATRICIA CAMPOS, FORMAS DE INTERVENÇÕES NA RUAS EM UMA MESCLAGEM DE CLASSIFICADOS- DEPOIMENTOS - VIDA PRIVADA, SAINDO DO LUGAR HABITADO PELA PROSTITUIÇÃO PARA CAMINHAR NA VIDA ORDINÁRIA.
PRECISAVA SENTIR A REAL NECESSIDADE DE INSTAURAR A RUA COMO LUGAR DO ACONTECIMENTO DOS CLASSIFCADOS INCORPORADOS AO COTIDIANO.
O PROCEDIMENTO:
FIQUEI NA DIFICIL INQUIETUDE SOBRE O MEU LUGAR DE DIRETOR: INTERFIRIR OU NÃO DIRETAMENTE NA OBRA DURANTE A AÇÃO? OPTEI POR INTERFIRIR, POIS MEU MATEIRAL SERIA MAIS VISIVEL E PALPÁVEL. MAS COMO INTERFIR SEM PARECER DIRECIONAR AUTOMATICAMENTE, INTERROMPENDO A CENA ATRAVÉS DA AÇÃO?
ATRAVÉS DOS CLASSIFICADOS.
COLOCARIA MEUS ESTIMULOS ATRAVÉS DE CLASSIFICADOS PRÉVIOS, LEVANDO A UMA IDÉIA DE DIREÇÃO PERFORMÁTICA, GERANDO ELEMENTOS DE CONCATENAÇÃO AO TODO, POIS EU PERCEBERIA O CAMINHO DA CENA E ESCREVERIA AS PRÓXIMAS AÇÕES ATRAVÉS DO CLASSIFICADO GERADO NO MOMENTO:
CLASSIFICADOS
Lúcia. Livre. Come, bebe, procria. Come, bebe, procria. Come, bebe, procria.
CLASSIFICADOS
Carina. Fica na banheira com chantilly. Fã da Luciana gimenez. Hoje sensação. Amanhã dona de casa.
CLASSIFICADOS
carla. Não vê prazer no seu trabalho. Trabalha com o prazer.
CLASSIFICADOS
Sergio. Não gosta de seu trabalho na fábrica. Gosta do prazer da guaicurus.
CLASSIFICADOS
Isadora. Já foi Dora. Hoje é só dor.
CLASSIFICADOS
JOANA, MULHER SOLTEIRA QUER CASAR, ARRUMAR MARIDO.
LIMPA, PASSA E APANHA.
CLASSIFICADOS
SUELEN, GOSOTOSA, FAZ DO JEITO QUE VOCÊ GOSTA.
CLASSIFICADOS
MARILYN, LOIRA SENSAÇÃO, PARECE UM CHOCOLATE DE TanTO QUE DERRETE. 20 REAIS. ATENDE EM CASA DE HOMEM CASADO.
CLASSIFICADOS
CINTIA, MORENA FOGOSA. TEM TANTO FOGO QUE SEU BARRACO PEGOU FOGO, TEVE QUE VIVER NA RUA AOS 17 ANOS, SOZINHA.
CLASSIFICADOS
SONINHA, PARECE VIRGEM. ESTA DÁ PRÁ CASAR DE GRINALDA
CLASSIFICADOS
ÉRYCA. SORRI QUANDO PRECISA DE TRABALHO.SORRIA VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADA
CLASSIFICADOS
MARTA, FAZ TUDO QUE VOCÊ GOSTA, APANHA CALADA, SEM DAR UM GEMIDO. IMITA CACHORRA, GATO, PIRANHA, PERIQUITO, PAPAGAIO, COBRA SÓ ATENÇÃO.
CLASSIFICADOS
VERÔNICA, TRAVESTI MULATA, ATIVA E PASSIVA, AMÉM. COBRA 15, 00. ATENDE NA RUA, LEVA PEDRADA NA RUA.
CLASSIFICADOS
GISELE, TIPO BARBIE. LINDA, OLHOS AZUIS. TIPO BARBIE, NÃO MENsTRUA. TIPO BARBIE, PARECE QUE NÃO TEM VIDA. TIPO BARBIE. TEm SELO DA ESTRELA.
CLASSIFICADOS
JENIFER, ADORA GRINGO, ELES VEM E FAZEM A FESTA. 17 ANINHOS. O SONHO DO CONSUMO DO HOMEM CONTEMPORÃNEO. AFINAL, QUEM QUER A MULHER VELHA E PARIDA EM CASA.
CLASSIFICADOS
SUELY. COM Y. SEU NOME ERA JORGE. HOJE SUELY.
CLASSIFICADOS
Carlos. Bem dotado. 23 por 25. Atende em casa, apartamento, mora sozinho. Faz academia todo dia, toda hora. Talvez para esquecer que mora sozinho.
CLASSIFICADOS
Agnaldo. Negão sarado. Atende casais. Venha para a fantasia. Aqui você se veste do que quiser e eu finjo que gosto.
CLASSIFICADOS
Leila. Faz frente e verso. Morena peluda. Pagando depila. Pagando faz tudo. Pagando faz até programa infantil.
CLASSIFICADOS
Julinha. Safadinha. Sorri e acena a....
CLASSIFICADOS
Jéssica. Branquinha. Sem celulite. Depilada. Com a boca aberta. Boneca inflável.
CLASSIFICADOS
Lucila. Boca fechada. Discreta silêncio absoluto. Atende homens e casais. Venha para uma fantasia a três. Apanhava do pai. Discreta. Calada. Como sua mãe.
CLASSIFICADOS
Branco. Venha se deliciar no meu corpo. Deslize no tobogã.
CLASSIFICADOS
Jurema. Assiste novelas todos os dias. Não perde um comercial. Seu marido não perde a rua guaicurus nenhum dia. Sobe e desce
CLASSIFICADOS
Luana. Morena bombom. Morena melancia. Morena do tchan. Morena que nunca é lembrada pelo seu nome.
CLASSIFICADOS
Gisele. Peituda. Bunduda. Ta bom, né? Só isso que interessa. Prá que conversar.
CLASSIFICADOS
Lulu. Travesti jeitosinha. Veio do interior. Seu irmão era policial. Homem é macho. Ficou sem tímpano.
CLASSIFICADOS
Laura. Quente. Garantia de muito prazer ou o seu dinheiro de volta. 4 reais ou um bom champagne. Basta um jantar e casa.
CLASSIFICADOS
Morena. Garota nova. Foi apaixonada. Agora trabalha no sobe e desce. Shopping Center
CLASSIFICADOS
Garota shopping Center. Faz as compras. Quer casar. Adora carros. Não sabe dirigir. Adora caminhões e caminhoneiros.
CLASSIFICADOS
Léo. Sarado. Fica 24 horas na academia. Fez jiu jitsu. Prá que conversar. Eu quero é mulher. De boca fechada.
CLASSIFICADOS
Garota monalisa. Sorri , sorri. Será Que ela é feliz?
CLASSIFICADOS
Jander. Tipo cowboy. Segura peão. Macho que é macho cospe.
CLASSIFICADOS
Letícia. Imita cachorra. Galinha. Piranha. Vaca. Todos os animais que os homens gostam de chamar a mulher.
CLASSIFICADOS
Lola. Adora lolar com você.
CLASSIFICADOS
Flávia. Sonhadora. Tipo princesa encantada. Vai prá Disney se vender.
CLASSIFICADOS
Leca. Garota fast food. Pode comer rapidinho.
CLASSIFICADOS
Elaine. Garota tipo bbb da globo. Bonita, boba, banalizada.
CLASSIFICADOS
Larissa. Deixou de estudar prá casar. Tem 3 filhos. Não usa camisinha. Respeita a ordem da igreja.
CLASSIFICADOS
Joice. Obesa. Ninguém quer casar, só pagar barato.
CLASSIFICADOS
SHEILA e Luzia. Atendem juntinhas. Precisam de amor. 20 reais.
CLASSIFICADOS
Bruno. faminto. Tipo bbb. Bombado. Banalizado. Boneco de pelúcia.
CLASSIFICADOS
Serena. Sonha em ser mulher. Ser mulher é agradar o homem. Ficar bonita para ele.
OS PANOS PRETOS NO CHÃO, OS ATORES DEITADOS. CLASSIFICADOS A MOSTRA. LETRAS GARRAFAIS. CARNE. CARNE DE AÇOUGUE. COSTELA. PATINHO. MULHER. TRAVESTI. ELEMENTOS COM FIGURINO PARA AJUDAR NA CONSTRUÇÃO. RAÇÃO DE CACHORRO. PATRICIA GRITA: O SEXO É O LADO PECAMINOSO OD CASAMENTO, DEVEMOS TIRAR ELE DO CASAL E COLOCÁ-LO NOS CLASSIFICADOS. POSES DE FOTOS. MODELOS. MANEQUINS. POR QUANTO CADA UM SE VENDE. DIVERSO TIPOS DECARNES JUNTO AO CORPO DOS ATORES. DIDI TRAVESTI. PATRICIA MULHER PROSTITUIDA. POSES CAMINHANDO Á ANIMALIZAÇÃO. SER HUMANO DOMESTICADO. CONSTRUÇAÕ DAS NARRATIVAS. POR ENQUANTO É SÓ CAOS.

segunda-feira, junho 15, 2009

a vida chama


Dia 15 de junho
A vida chama. Acordo à nove e onze da manhã, 9+11=20=2, o duplo, a parceria, la vie. Mais um casal chega às últimas conseqüências da violência doméstica: a filha de uma conhecida, 16 anos, é assassinada pelo marido em frente a filhinha de pouco mais de um ano. A vida chama. O que eu farei, através do meu trabalho de ações/situações criadas pela cidade para depor contra tal realidade que assola a humanidade. Pessoas se matam diariamente, destroem a vida do outro aos poucos ou a retiram dum só golpe, como se deu ontem com esta moça. E como ela outras mais pelo Brasil e mundo.
O que seu trabalho significa? Alguém na rua me pergunta. É necessário que eu escreva uma legenda para que chegue mais fácil? As mulheres são as que mais questionam, os homens sacam, comentam. Nós estamos emburrecidas mulheres? Pergunto-me aonde estão as mulheres? Pois nas bonecas nós tropeçamos todo santo dia.
É necessário lutar. Minha arma de combate: minha ação nas ruas. Montar a ‘santa dona de casa martirizada’ em BH tem sido esclarecedor quanto à forma feminina de pensamento difundida na cidade. O culto à beleza da carne da mulher como artifício propulsor de vendas e manutenção da indústria capitalista é evidente nos corpos e atitudes femininas. Saltos. Calças jeans com lycra, cabelos ‘suuuper liso’ prancha de cerâmica e escovas hidratantes à base de inúmeras matérias primas: frutas, fermentados, chocolates... mulheres em série, como aponta firmemente a ação de Joyce. A realidade que vivemos é tão emburrecedora, a alienação é geral e para mim é necessário criar ostensivamente ações e situações que tragam à tona fortes interrogações acerca do que construímos como sociedade diariamente. Quais ações temos em relação a sociedade na qual vivemos? Nossa atitude cidadã está tão anulada que somos levados a crer que não há nada a se fazer senão trabalhar cegamente, pagar as contas, gerar mais filhos e tudo isto em prol de uma grande máquina desumanizadora de gente.
A vida chama.
Nêga.

domingo, junho 07, 2009

Meninas bonecas


Único trabalho mineiro a integrar a programação do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto este ano, Baby Dolls uma exposição de bonecas novamente invadiu a Praça Sete nesta última quinta, dia 5 de junho.
Neste dia, optamos por fazer uma interferência no horário de saída de escola e fechamento do comércio, ou seja, no olho do furacão. Joyce testaria sua nova maquiagem, de boneca de louça. Erica o figurino de rainha do lar, dona-de-casa santificada. Eu, o desenho dos objetos e a escrita fora dos corpos. Neste dia também, tínhamos "convidados ilustres", os quais chamamos a participar do trabalho a fim de nos dar um feedback, um olhar para além daquele dos pesquisadores obscênicos que nos acompanham desde o nascimento das bonecas, um olhar "virgem", mas especializado: Mencarelli, professor do curso de artes cênicas da ufmg, Clarissa, pesquisadora da performance, e Júlia Mendes, atriz e jornalista, além de Garrocho, pesquisador e filósofo (que, infelizmente, não pôde ficar até o fim do trabalho para o tão esperado feedback).
Investimos, mais uma vez, na mudança estrutural proposta por Clóvis: primeiro, a instalação da exposição para, somente depois que esta estivesse instaurada, partirmos para as mulheres mortas, desenhos de corpos marcados a giz no chão.
16:30, praça cheia. Eu e Erica escolhemos o local de seu tapete, depusemos as revistas e comecei a escolher imagens. Ela busca a água e logo começa o seu trabalho. Joyce, já na praça, instala seu tapete. Lissandra, de noiva a passear pelos entornos. Terminado o tapete da Nêga, começo a buscar os pequenos objetos que comporão pequenos "quadros" a giz, quase retratos destes objetos mortos.
Os desenhos, infelizmente, não traduzem os objetos que desejo: o pires vira um simples círculo, a bolsa, um retângulo. Tento dar a forma dos objetos reais em seus desenhos a giz. escrevo: brincar de casinha, brincar de boneca. não estou satisfeita. Os objetos escapam ao desenho. Opto por dar vazão à escrita fora dos corpos que ainda não se deitaram: escrevo listas de tarefas da mulher ao lado do tapete de Erica. Ela, então, já com seu figurino montado no cabide-corpo, disponibiliza-o para a marca. Traço a silhueta deste corpo-manequim no chão e nele escrevo. É o primeiro corpo do dia.
O fluxo de pessoas me impressiona. Nunca tivemos tanto "público". A praça, lotada, dificulta a visão das bonecas e mal localizo Lissandra dentro do círculo de pessoas que se formou ao seu redor. Ela me vê, deita-se no chão. Desenho seu corpo. Um bêbado de rua pede: "me desenha também". Ele se deita e faço o contorno do seu corpo ao lado do dela. Corpo de homem. Nosso primeiro e dentro dele escrevo: homem. humanidade. ser humano dotado de qualidades viris como força, coragem.
Desta vez, o ritmo acelerado da cidade acelera o ritmo da interferência. Para mim, ela passa muito rápido e desenho poucos corpos, poucos demais. Quando vejo, as três já estão deitadas na área central, meio dos tapetes. É o sinal do nosso fechamento. Traço seus corpos. O bêbado novamente se deita e, pasmem! Um homem, a caminho da aula, deita-se ao lado dele. Ao lado das bonecas adultas, mais duas, a grata surpresa: duas meninas esperam, felizes, que eu trace seus corpos no chão, que eu torne um pouco mais durável suas presenças em nossa ação. Grata surpresa. Silhuetas de meninas em meio aos corpos das mulheres mortas. O primeiro impulso é aproveitar os corpos e falar da pedofilia. Mas, diante de seus sorrisos, a coragem me falta e prefiro falar da educação das meninas, de seus brinquedos cor de rosa e das qualidades que uma garota já deve demonstrar para ser uma futura mulher capaz de conquistar seu homem e cuidar do seu lar. Uma futura mulher, educada para agradar. Uma futura mulher, cumprindo o papel que nasceu para desempenhar... Futuras bonecas?