agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

domingo, julho 29, 2012

Estudos sobre o ofício do Lambe-lambe


Aproveitei alguns dias de férias para realizar leituras do livro: “Fotógrafo Lambe-lambe – retratos do ofício em Belo Horizonte”, publicação da Secretaria Municipal de Cultura com a Diretoria de Patrimônio Cultural de Belo Horizonte (2011). Descobri essa obra juntamente com o Leandro Acácio, também pesquisador desse tema, ao visitarmos uma exposição na Casa do Baile em Abril.

Destaco um trecho que dialoga diretamente com a ação “Irmãos Lambe-lambe” (OBSCENA) principalmente pelo fato de a realizarmos numa época mais tecnológica:




“No caso do oficio do Lambe-lambe, por exemplo, os valores não se encontram apenas aderidos aos objetos, técnicas e tecnologias, mas principalmente às práticas e relações estabelecidas entre três atores – o fotógrafo, o cliente e a cidade – e nos símbolos, identidades, referências, memórias e mesmo arquétipos que surgem a partir dessas relações. A dinamicidade dessas relações construídas historicamente e suas ressignificações são o que as tornam patrimônio cultural” (2011, pg.18).

Interessa-me a relação entre espaço, artista e habitante da cidade. Quais espaços são significativos? Quais são as leituras dos espaços pelo artista e pelo morador da cidade? O que acontece neles a partir da intervenção do artista? Como se estabelece a relação entre artista e transeunte? Proximidade, indiferença ou confiança? Do que se fala e o que se ouve? Quais narrativas e memórias são acionadas? Como um espaço de passagem se transforma num espaço de encontro e afetividade?

Não considero que exista uma hierarquia entre os três elementos. Penso num ENTRE-LAÇAR dinâmico que se re-significa e se renova a cada experimentação. Cada espaço gera novas questões para o artista e o transeunte, há uma influência direta do ambiente, de seus fluxos, sua forma de ocupação, seus imaginários...

Como se daria esse entrelaçamento espacial, artístico e humano?

O espaço laça o artista, convidando-o à criação de uma obra pública. Todo espaço traz provocações, incômodos e percepções, seja pela sua arquitetura específica (beleza, destruição ou abandono) ou então pela sua forma de funcionamento (muito comercial, vazia, residencial etc).

O artista tenta laçar o transeunte, convidando-o a participar de uma ação poética e exercitar alguns jogos de percepção. Uma subversão do cotidiano. A presença da surpresa e do inesperado. Uma co-autoria da obra.

E o transeunte, já laçado, agora lança ao artista suas indagações, dúvidas, narrativas e memórias. Momento de encontro, tensão e atenção. Reflexividade da proposta lançada.

Haveria também um entrelaçamento temporal:

A ação “Irmãos Lambe-lambe” (uma manifestação cênica, plástica, visual e relacional) entrelaça a poética de uma tradição de um ofício (passado), com a re-atualização no instante em que acontece (presente), apontando para a continuidade dessa experiência a partir da espera, pelos correios, da fotografia revelada (futuro).

Feito uma “crônica visual”, esse ofício do fotógrafo de rua (que ainda existe) e nossa ação poético-urbano registram a cidade que construímos e como a vivemos hoje.

A imagem acima é de Samir Antunes. (Ouro Preto).

terça-feira, julho 24, 2012

Procura-se/ PROCURO - TE

Hoje, terça-feira, saímos, eu e Leandro, para uma errância no bairro Lagoinha (BH) para rever as pessoas que conhecemos e fotografamos na primeira vez que realizamos os "Irmãos Lambe-Lambe", no ano passado. Foi muito bom encontrar as pessoas e ouvir delas que ficaram felizes com a fotografia recebida, o carinho de guardar a carta, as novidades do bairro etc.

Mas tínhamos uma missão especial: encontrar um homem fotografado, que não tinha endereço de moradia e que ficamos de entregar a fotografia pessoalmente. Combinado é combinado, até que descobri a foto ainda conosco e decidimos sair para cumprir o acordo verbal - pela confiança criada - de entregar o presente. E o Procuro-me (quadro/fundo da foto) se transformou em PROCURA-SE.

Mostrávamos a foto do homem para as pessoas e muitas não o conheciam, até que fomos à um galpão de reciclagem e um casal que lá trabalha nos deu notícias dele: fica num sinal de trânsito pedindo dinheiro e fuma crack. Fomos até à rua que ele fica, segundo as informações que tivemos, e não o encontramos. Foi uma manhã de procura, caminhada e conhecemos alguns moradores de rua e escutamos suas histórias.

Depois de algumas horas, resolvemos deixar a fotografia (num papel de presente) com o casal do galpão, que prometeu que vai entregá-la. Esperamos que tudo dê certo. Falei com o Leandro: o Procuro-me se transformou em PROCURO-TE.

A vontade de que a foto chegue nas mãos dele, que agora o casal também o procure, enfim, nossa ação é realmente a procura do outro, estimular o interesse pela pessoa humana, nós o procuramos por ele ter participado de uma ação artística, e assim o tornamos um sujeito IMPORTANTE, ele aceitou nosso convite.

Não foi um Procura-se um marginal....foi um "procuro-te", algo endereçado a alguém especial. Com nome. Alguém que confiou em nós e foi generoso com nosso trabalho. Pode uma fotografia restituir a dignidade de um ser humano?

Pró- CURA a ti? A mim? A nós?

segunda-feira, julho 23, 2012

Carta-resposta enviada por uma participante da ação "Irmãos Lambe-Lambe"

Com muita alegria nós, "Irmãos Lambe-Lambe", publicamos a carta abaixo:


"Ouro Preto, 05 de julho de 2012.





Prezados "Irmãos Lambe-Lambe" foi com muito carinho e prazer que participei desta ação poético urbana.
Parabéns por esta ação é preciso que façamos a diferença, mudar e acordar as pessoas para um mundo mais cultural e social. Realmente nós precisamos uns dos outros e do calor humano.

São vocês, hilariantes, que o mundo precisa, pois o sorriso e o carinho é algo muito precioso para a sociedade. Mantenha este grupo e faça as pessoas mais felizes, pois o ser humano está cada vez mais se fechando e perdendo o sabor de encontrar a paz e o amor no outro.
Amei participar deste "Procuro-me" e ao receber a fotografia foi um momento de grande satisfação, alegria e prazer.

Um grande abraço e espero encontrá-los sempre neste cenário cultural de Ouro Preto.

Angélica".

quinta-feira, julho 12, 2012

Carta da ação Irmãos Lambe-Lambe - terceira experimentação

Semana passada postei nos correios as cartas do Lambe-Lambe (ação que aconteceu em Maio em Ouro Preto na OCUPAÇÃO PERFORMATITE) com as fotografias reveladas dos participantes. Foram enviadas 41 cartas para lugares como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Pernambuco. Ouro Preto é repleta de turistas. Tivemos encontros maravilhosos e conhecemos muita gente interessante.

 Transcrevo abaixo o texto da carta na íntegra. Foi a nossa terceira experimentação dessa ação poética.


"Belo Horizonte, 25 de Junho de 2012.

Prezado (a) 

Agradecemos pela tua participação em nossa ação poético-urbana “Irmãos Lambe-Lambe”, que aconteceu no dia 22 de Maio de 2012 nas ruas de Ouro Preto. Ao percorrermos e fotografarmos diversas pessoas e lugares dessa cidade histórica, barroca e mágica, criamos laços de afeto e amizade, e principalmente, escutamos muitas declarações de amor à Ouro Preto. Narrativas pessoais se encontram e se misturam com a história e memória dos espaços.  Cosmologias únicas. Encontros e vivências definitivos. O ouro está em toda parte. O pão poético e sagrado é servido a cada paisagem que se contempla e a cada som de um sino que toca. Tudo alimenta, apaixona e reluz. As Minas Gerais se fazem singulares a cada um e a vida se transforma em arte, devoção e mistério.


Uma poesia se constrói com os tecidos afetivos, inscritos nos depoimentos de cada um de vocês: “Ouro Preto é um cenário que me encanta. Raiz, minha terra, a universidade, meu lugar de trabalho. Um cenário que faz as ladeiras mais leves e quase flutuantes. Adoro quando chove poder ver esses telhados bem lavados. A pedra sabão, a luminosidade, as pessoas, a cultura, a intensidade dos acontecimentos, a ocupação desenfreada dos lugares e os conflitos de se viver numa Ouro Preto dos moradores, dos estudantes e dos passantes e turistas. Meu filho foi concebido aqui e as montanhas guardam segredos e escondem sentimentos. As pessoas são amáveis nessa ilha barroca. Aqui se vive um divisor de águas. Não consigo ir embora daqui... Uma cidade que move! Escolhi essa cidade para viver e estudar e escolhi por fotografias e antes de vir para cá”.

PROCURO-ME. PROCURO-ME. PROCURO-ME. E essa cidade nos torna perdidos, errantes e amantes. É que precisamos uns dos outros. O encontro com cada um de vocês se materializa na fotografia que agora enviamos. Tudo ressoa, comunga e emociona. São os “con-tatos” humanos que constituem uma cidade, com “muita pedra, mas repleta de carne e gente”. Procuro-me e me encontro com a tua diferença.

E se vocês nos escrevessem contando sobre essa experiência de participar de nossa ação artística?  Como foi receber agora a nossa correspondência? Ou se nos enviassem um cartão postal de um lugar que vivem e amam? O convite está feito. Enfim: desejamos continuar essa rede, essa troca e essa conversa.

Um grande abraço,

Irmãos Lambe-lambe,

Clóvis e Leandro."

terça-feira, julho 10, 2012


TEATRALIDADE / PERFORMATIVIDADE em FRICÇÃO: FICÇÃO  DO MUNDO NO MUNDO.

Teatralidade - vem da cor ao gesto delicado, bem pensado, de pôr o livro sob os olhos e lê-lo descarado a quem ao alcance estiver. Ela tem vermelho por todos os lados, carrega uma cadeira, um livro, é uma mulher bufólica que abre seu guarda-chuva e cria, feito fadinha, um teTo TOdO SeU. Amplia-se o ângulo da foto: multiplicam-se os leitores dentro da cena solitária expandida, da escadaria da cidade ao fio paralelo -  o viaduto da Santa - Tereza está fora do altar, do palco, ela se cobre de pingos coloridos, pequenos milagres  esparramados. A teatralidade é o mundo escancarado de suas bocas e corpos e cadeiras e guarda-chuvas e palavras e palavras e palavras arrastadas para fora dos livros em variadas e infinitas composições. Eles atravessam a tarde do dia, uma quinta de corpoemas ensolarados, provocantes.

Performatividade - ninguém espera, imagina, planeja, que outra mulher ou homem ou criança, os que passam colados num desforme e distraído cotidiano, ouvem, vêem, param e vão dizer da própria vida salpicada que dali brota das bocas coloridas indecentes. Eles vão para rua sem saber que cores nuas gritantes irão revelar da vida coisas primárias, pondo o preto no branco, lendo para o azul o que no azul  há de amarelo, e vai no suave e sorridente bege a outros vermelhos multiplicados, sussurrando o que se esconde no/do mundo e que não se ousa dizer. Até onde nos cabe o extraordinário viver? Até onde se pode o intenso da vida? O gari, a mulher desprovida, o homem que toca com o dedo a testa da menina amarela, cada um a seu jeito, quer  identiFICAR, enfim, um teto que seja seu . É que não tem fim a proliferação de imagens dentro-fora do coração humano na loucura do livromundo.







Fotos Whesney Siqueira

Entrei à noite impregnada das imagens do Whesney, da colagem póetica de Nina e do texto do Clóvis, postados no blog. Acordei escrevendo isto, depois de suar a febre de uma semana que me impossibilitou de estar presente nesta ação. Sonhei que ouvia a "cantora gritante", de vermelho arrepiante e alva garganta, gargalhando… gargalhando… gargalhando… 


domingo, julho 08, 2012

la chair é rouge, hélas! e je li todos os livros



"Em tudo o que tocava
Deixava sua marca registrada:
Uma estrelinha cor de maravilha
Fúcsia, bordô
Ninguém sabia o nome daquela cô..."
(Filó, a fadinha lésbica- Bufólicas)








"Certa noite... de muita escuridão 
De lua negra e chuvas 
Amarraram o jumento Fodão a um toco negro. 


E pelos gorgomilos 
Arrastaram também 
A Garganta Alva 
Pros baixios do bicho."
(A cantora gritante - Bufólicas, Hilda Hilst)





"Teve, bem antes do que deveria, de casar-se com uma mulher da vizinhança, que lhe deu um filho bem mais depressa do que era conveniente. Essa travessura o levou a tentar a sorte em Londres. Tinha, ao que parece, gosto pelo teatro; começou segurando cavalos à entrada do palco. Logo conseguiu trabalho no teatro, tornou-se um ator de
sucesso e viveu no centro do universo, encontrando
todo mundo, conhecendo todo mundo, praticando
sua arte nos tablados, exercitando o espírito humorístico nas ruas e até ganhando acesso ao palácio da rainha.
Enquanto isso, sua extraordinariamente dotada irmã, suponhamos, permanecia em casa. Era tão audaciosa, tão imaginativa, tão ansiosa por ver o mundo quanto ele. Mas não foi mandada à escola."



"Pegava um livro de vez em quando, talvez um dos de seu irmão, e lia algumas páginas. Mas nessas ocasiões, os pais entravam e lhe diziam que fosse remendar as meias ou cuidar do guisado e que não andasse no mundo da lua com livros e papéis. Com certeza, falavam-lhe com firmeza, porém bondosamente, pois eram pessoas abastadas que conheciam as condições da vida para uma mulher e amavam a filha — a rigor, é bem mais provável que ela fosse a menina dos olhos do pai. ..."  
("A irmã de Shakespeare", em Um teto todo seu - Virginia Woolf)






"Talvez ela rabiscasse algumas páginas às escondidas no depósito de maçãs do sótão, mas tinha o cuidado de ocultá-las ou atear-lhes fogo. Cedo, porém,
antes de entrar na casa dos vinte anos, ela deveria
ficar noiva do filho de um negociante de lã da vizinhança. Reclamou como o casamento lhe era odioso, e por isso foi duramente surrada pelo pai.
Depois, ele parou de repreendê-la. Implorou-lhe, em vez disso, que não o magoasse, não o envergonhasse nessa questão do casamento. Ele lhe daria um colar de pérolas ou uma linda anágua, disse, e havia lágrimas em seus olhos. 
Como poderia ela desobedecer-lhe? Como poderia partir-lhe o coração? Somente a força do próprio talento levou-a a fazê-lo: fez um pequeno pacote com seus pertences, deixou-se escorregar por uma corda numa noite de verão e tomou a estrada para Londres. Ainda não tinha dezessete anos."






"Judith tinha o mais vivido pendor, um dom como o do irmão, para a melodia das palavras. Como ele, tinha uma predileção pelo teatro. Ficou à entrada de um; queria representar, disse. Os homens riram-lhe no rosto. O gerente — um homem gordo e falador — soltou uma gargalhada. Ele berrou alguma coisa sobre poodles dançando e mulheres representando — nenhuma mulher, disse ele, tinha qualquer possibilidade de ser atriz. E insinuou. . . vocês podem imaginar o quê. Ela não conseguiu obter nenhuma formação em seu ofício. Poderia ao menos procurar jantar numa taberna ou perambular pelas ruas à meia-noite?" 






"Apesar disso, seu talento era para a ficção, e desejava com ardor alimentar-se abundantemente da vida dos homens e mulheres... Finalmente — pois era muito jovem e tinha o rosto singularmente parecido com o do
poeta Shakespeare, com os mesmos olhos cinzentos e sobrancelhas arqueadas —, finalmente, o empresário
Nick Greene compadeceu-se dela. Judith viu-se grávida desse cavalheiro e então — 


quem pode medir o fogo e a violência do coração do poeta quando capturado e enredado num corpo de mulher? — matou-se numa noite de inverno, e está enterrada em alguma encruzilhada onde agora param os ônibus em frente ao Elephant and Castle." 
("A irmã de Shakespeare", em Um teto todo seu - Virginia Woolf)



"Pela primeira vez 
Mostrou-lhes a bronha 
Sem cerimônia. 
Foi um Oh!!! geral 
E desmaios e ais 
E doutos e senhoras 
Despencaram nos braços 
De seus aios. 
E de muitos maridos 
Sabichões e bispos 
Escapou-se um grito."
(O reizinho gay - Bufólicas)




Filó, a Fadinha lésbica Que à noite virava fera 
E peidava e rugia 
E nascia-lhe um troço 
Fúcsia 
Lilás 
Maravilha 
Bordô 
Até hoje ninguém conhece 
O nome daquela cô" 




"E nunca mais se viu 
Alguém-Fantasia 
Que deixava uma estrela 
Em tudo que tocava 
E um rombo na bunda 
De quem se apaixonava..." 
(Filó, a fadinha lésbica - Bufólicas, Hilda Hilst).

sábado, julho 07, 2012

Cadeiras: canteiros poéticos na cidade

Mais uma vez o agrupamento Obscena voltou à essa experimentação urbana, proposta do Fred Caiafa. Foi minha primeira vez nessa ação e foi muito interessante. De branco, com meu banco branco (emprestado por Nina) e com o livro A ALMA IMORAL do Nilton Bonder em mãos, lá fui eu "passear e jogar" com os espaços e habitantes da cidade.

Local: Viaduto de Santa Tereza. Espaço definido, paralelo, com bela arquitetura e convidando à criação de paisagens e composições de cores e formas. Primeira impressão que tive já em ação: "isso é uma revisitação do cores e formas na cidade", só que com um dado a mais: essa intervenção tem espaço aberto à intromissão e participação dos transeuntes. No cores e formas, os performers trabalhavam a percepção de forma individual ou coletiva (um cardume de cores), era mais "fechado", aqui percebo mais abertura à participação das pessoas. Se busca uma relação (pela leitura) com o outro...

Tive uma certa dificuldade no início da ação; fiquei perdido no espaço. Então sentei-me no banco num passeio e fiquei lendo solitariamente. Depois percebi um jogo de cores se formando com outros obscênicos e li trechos do livro para Leandro, puro Azul. Depois triangulei com Joyce e Leandro, as cores ganharam destaque nessa geometria do acaso e do encontro.

Elementos constitutivos da ação CADEIRAS: percurso (caminhada), pausa (para se sentar ou experimentar a cadeira, se ler, se perceber a cidade, criar relações com as pessoas etc), cruzamento (corpos e cores avançam, cortam, atravessam umas e outras) e encontro (de espaços, pessoas etc).

Houve nessa experimentação de quinta, uma boa escuta do espaço e percepção aguçada dos passos de cada performer. Viemos como um "bloco", mas não juntos e sim intercalando, colorindo, interrompendo, mas se deslocando. Um cartucho de tintas tatuando o viaduto...

Eu de branco acabei atraindo a Lissandra que estava de preto e assim jogamos, cruzamos, trocamos leituras, nos afetamos corporalmente. Talvez a leitura de uma oposição entre branco e preto, mas algo se impôs sobre nós e recebemos e experimentamos.

É uma ação plural: pode-se experimentar muitas relações: a cadeira, o livro e a leitura, o trajeto, a relação com os outros performers, a plasticidade da cor e forma, a teatralidade etc... Minhas impressões no meio da ação de quinta: Nina e a plasticidade do vermelho no corpo e espaço; Lissandra e a teatralidade na leitura e no corpo; Frederico e a performatividade na presença quase espontânea e a leitura mais solitária etc. Me percebi nessa primeira vez mais jogando com o espaço e interessado na leitura para alguém.

Li um trecho do meu livro para umas garis que pararam e me deram atenção, e uma delas disse que aquilo que eu falava havia acontecido com ela e se identificou com o texto narrado (Isso aconteceu com Nina que já relatou tal vivência aqui no blog). Para mim há aí o encontro e fricção entre PERFORMATIVIDADE e TEATRALIDADE. Mas por quê? Porque me coloco no espaço público e executo uma ação: "ler" (performativo, fazer algo), crio uma interrupção e um interesse, e uma pessoa estranha que me escuta recebe um texto ficcional (obra literária) como algo destinado à ela, que fala da vida dela e se estabelece então um diálogo e uma identificação.

E se lêssemos o espaço do Viaduto como um território cênico, no qual, performers coloridos, atuam lendo obras artísticas para as pessoas e o espetáculo termina numa escadaria de um centro comercial no coração da cidade? Seriam como CANTEIROS POÉTICOS. Uma percepção individual e ao mesmo tempo coletiva das pessoas que ali acontece algo meio diferente... Se o Lehmann estivesse presente, acho que ele afirmaria que se trata de um teatro Pós-dramático. Explosão do tempo, espaço e ação...quase um teatro para uma só pessoa....

                                                       

No nosso caso, eu substituiria espetáculo por EXPERIÊNCIA ou provocação para e na cidade. Ela sim como um "cenário expandido", heterôgenea e múltipla, aberta à encontros e acontecimentos. A criação desses canteiros poéticos, coloridos, com forte dosagem de teatralidade (pela cor, forma, acessórios, corpo, voz) é que despertaria e convidaria a percepção dos transeuntes a participarem desse belo e instigante "JOGO DAS CADEIRAS".

A foto acima é de Whesney Siqueira.

sexta-feira, julho 06, 2012

CAD EIRAS

Quero falar do que estamos vivenciando nesta proposta/provocação que eu mesmo nem sei se fui eu quem propôs ao Obscena. Propus e desde então esta proposta tem se tornado algo vivo e que está acontecendo de forma independente de mim. Em Ouro Preto, no Performatite, pudemos de forma inédita dar o primeiro passo experimentativo deste processo. Experimentar uma cadeira, cores, bloco de cores, um livro, várias viagens entrecortadas, misturadas, um mixidão de coisas. Sentir-se, ver-se, ser o acontecimento do instante-já. Estar disponível ao acaso dos movimentos do cotidiano. Descemos a rua Assis Chateubriand com nossas cadeiras. Blocos de cores, invadindo a calçada, a avenida e o viaduto. O Viaduto Santa Teresa, porta de acesso à região leste de Belo Horizonte. Um ônibus, um carro, uma gari. Li para ela. Olhei em seus olhos que encontravam o meu e deixavam que a correria do dia a dia parasse e tornasse uma escuta para as palavras da autora que eu lia: "Ouve-me, ouve meu silêncio. O que te falo nunca é o que falo e sim outra coisa... Lê a energia que está no meu silêncio. Ah tenho medo do Deus e do seu silêncio. Sou-me." Ao que no final escuto um agradecimento pela minha leitura falha. Tão maravilhoso os segundos de respiros, de suspiros de apuro de audição para dispender seu tempo e ouvir-me em completo delírio junto com Clarice Lispector. O calor do sol energizava tudo o que tocava, o tom dourado da tarde era ouro, intensidade de fogo, chama acalentadora. Propiciava o som, flertava conosco. A vontade era de experimentar as possibilidades do assento, da cadeira que por vezes quis que fosse ocupada pelo transeunte. Quis ler para alguém. Li para a cidade, li para mim, li para a cadeira. Li para a Nina que leu para mim, troquei com seu rouge estado cromático. Uma explosão rubra de saliências, obscenidades Hilstianas. O amarelo, dourado, ouro de Joca chamou atenção de vários transeuntes e com ela foram caminhando pela arquitetura da cidade. Lica voava qual pássaro e seus versos eram audíveis de longa distância. Rubro era Matheus e seu guarda-chuva multicor. O azul foi representado por Leandro que azulejou a tarde com sua várias nuances de anil. Marizabel bege de ler Lispector. Clóvis de um alvíssimo branco sóbrio, alegre, multimovimentos intensos. Saulo, o performer vídeo-maker acompanhante de Davi, marrom e tons de terra. "Novo instante em que vejo o que vai se seguir. Embora para falar do instante: muitos instantes se passarão antes que eu desdobre e esgote a complexidade una e rápida de um relance. Escrevo-te à medida de meu fôlego..." Queria agradecer aos amigos, parceiros, pelo trabalho de vida e de pesquisa neste dia tão intenso.