agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

terça-feira, março 30, 2010

e a pesquisa começa a tomar pé

ontem recomeçamos, de fato, a pesquisa do obscena. até então em encontros de planejamento e administração, ontem retomamos as atividades. na verdade, ontem recomeçamos as leituras que tanto nos alimentam. segunda passada, dia 22, o agrupamento em peso foi assistir "elisabeth está atrasada", uma montagem muitíssimo interessante sobre mulheres e que, claro, dialoga com nossas questões (mas isso é assunto para outra postagem: ver a leitura que postei em meu blog: desautoria).

para o primeiro round, a leitura do texto de david sperling - corpo+arte=arquitetura - sobre a obra de hélio oiticica e lígia clark. nessa segunda, conseguimos ler a primeira parte - que trata de oiticica - e deixamos a segunda parte, sobre clark, para segunda que vem. a discussão foi rica e bastante acirrada, pois é impressionante como as questões de artes plásticas alimentam as proposições em teatro! pelo menos, no que tange às discussões das artes plásticas a partir, mais radicalmente, da década de 60 no brasil, as questões parecem ser as mesmas (ainda que os veículos sejam outros): a obra processual, o público participante, rupturas com os padrões de representação, a busca do corpo e da presentificação...
já familiarizados com essas questões por conta de nossa pesquisa da obra do artista plástico artur barrio (um dos eixos norteadores do trabalho desenvolvido em 2008/2009), aqui estamos retomando para aprofundar mais ainda nossas experimentações performativas: a proximidade é grande!
algumas noções presentes no texto acenderam nossos olhos e pensamento, como o cruzamento entre arte e vida, presente na obra dos três artistas (aqui, incluo barrio) que vão propor "experiências artísticas vivenciais centradas no corpo" (pg. 117) e a noção da obra/exposição como projeto ("experimentar o experimental": pg. 118)), como algo a ser concretizado nessas experiências vivenciais, ou seja, nesses processos de construção coletiva da obra, em que público se torna participante. aqui, a idéia da obra como um "organismo vivo" (pg.119) é muito presente. o projeto, em oiticica, funcionaria como uma "montagem de espaços como suportes para acontecimentos", pois, é a partir de "estruturas abertas que [ele] sugere e espera a ocorrência de comportamentos diversos". espera-se "ações de múltiplos agentes - artistas e público - de modo simultâneo e descontínuo, em diálogo não linear" (pg. 121).
a partir dessas questões, foi inevitável a aproximação com alguns trabalhos já desenvolvidos dentro do obscena, como a intervenção urbana baby dolls, sobre a qual muito se discutiu. nesse trabalho vê-se, também, uma relação profunda com os percursos labirínticos levantados por oiticica em sua proposta do éden:
"O espaço-entre, de inúmeros possíveis, é desenhado pelos cheios e vazios das ausências e presenças das proposições (...); labiríntico nos percursos e nas narrativas construídas de uma a outra pelo público participante. (...) tem-se a existência de um corpo situado numa determinada relação espaço-temporal, implicado na ação que protagoniza" (pg. 123).
a questão do corpo perspassa toda a discussão do texto e talvez, nas artes plásticas, seja um ponto-chave... mas e nós, para quem o corpo já é o centro de nosso trabalho? em relação ao teatro, quais são as questões relativas à quebra da representação? como elas se apresentam? ou, mais precisamente, qual seria o veículo que corresponderia a essa ruptura da tela ou do suporte (nas artes plásticas) para o corpo? seria o simples abandono da "moldura dramática"?

terça-feira, março 23, 2010

somos incontornáveis e irreversíveis





Pacaembu, em torno das quatro horas da tarde do dia 18 de março de 2010. ponto final de uma caminhada que durou dez dias, de campinas a são paulo. caminhada na qual marcharam cerca de 3 mil mulheres. mulheres do brasil inteiro, de rondônia ao rio grande do sul. mulheres metropolitanas, mulheres rurais, mulheres índias, mulheres atrizes, mulheres donas de casa. mulheres moças, mulheres idosas, saudáveis, doentes. mulheres que apanham de seus maridos, mulheres que nunca se casaram nem nunca se casarão. heterossexuais, lésbicas. negras, brancas, loiras, ruivas, morenas, mulatas, índias, mestiças. muheres gritando palavras de ordem: "seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!" "eu não sou miss, nem avião, minha beleza não tem padrão!", "não sou modelo de passarela, a minha vida não é novela!", "se cuida, se cuida, se cuida seu machista! américa latina vai ser toda feminista!" e muitas outras mais... até hoje na minha cabeça ecoam as frases que ouvi no único dia que passei lá, ao lado dessas mulheres que enfrentaram 10 dias de caminhada, sob o sol e sob a chuva, andando cerca de 10 quilômetros por dia... eu também gritei e marchei, suei e me cansei, fotografei, filmei e registrei na minha cabeça esse momento histórico. à minha frente e às minhas costas uma fila imensa de mulheres vestidas de roxo. a energia incrível, pois essas mulheres não paravam. prosseguiam firmes, incitavam as outras, dividiam seu protetor solar, provocavam os homens com os quais cruzavam pelo caminho: "joão, joão, cozinha seu feijão" josé, josé, cozinha se quiser! raimundo, raimundo, limpa esse chão imundo! chiquinho, chiquinho, cuida do filhinho! erasmo, erasmo, eu quero meu orgasmo!", respondendo a seus gestos obscenos e aos gritos de volta pra cozinha: "mulher não é feita pro forno e pro fogão, a minha chama é da revolução!" foi lindo, foi emocionante. na chegada a são paulo - andamos quatro quilômetros até a estação de osasco, pegamos o trem metropolitano e descemos em barra funda, para caminhar mais dois quilômetros até o pacaembu - centenas de outras mulheres nos recebiam como heroínas, quer dizer, recebiam essas mulheres que caminharam dez dias (eu estava ali de gaiata, bem na comissão de frente, pois tinha embarcado no vagão errado). me arrepiei em vários momentos. nessa chegada ao metrô de barra funda. na caminhada por são paulo, junto à batucada de mulheres que abria a marcha... ao saber de uma índia que casara com um bêbado, tivera quatro filhos, tinha tido a coragem de abandoná-lo (embora, como declarou, ainda amasse o safado) e tinha se tornado cacique, depois que sua comunidade havia destituído o antigo cacique para colocá-la no lugar. ao saber da história de uma mulher do amazonas que voltaria para casa naquela quinta, mas só chegaria lá na quarta seguinte, depois de viajar 22 horas de barco... ah, mulheres... incontornáveis e irreversíveis...
enquanto isso, o brasil ultrapassa a alemanha e a frança e chega ao 2º lugar de maior consumidor de cosméticos do mundo (só perdendo pro japão), posto já conquistado em relação às plásticas (só perde para os EUA). enquanto isso, muitas mulheres continuam a se ver como mercadorias, valendo por sua aparência e juventude.
enquanto isso perdurar, seguiremos em marcha. até que todas sejamos livres...

terça-feira, março 16, 2010

DA PERTURBAÇÃO DOS SENTIDOS E DOS ESPAÇOS

Na quinta-feira passada pude acompanhar mais uma vez, ao acontecimento cênico-performativo "BABY-DOLLS: UMA EXPOSIÇÃO DE BONECAS". Percebi que esta intervenção urbana cada vez mais se dinamiza, se recria e se potencializa na confrontação e interrupção dos fluxos dos transeuntes da cidade.
Na Praça Sete, lugar vertiginoso, algo realmente aconteceu, perturbou e deslocou....

Havia uma nervosidade provocada pela ação, muitos gritos, muita gente rondando os espaços, muita circulação de corpos e tentativas de explicação daquele "ritual de teatro e macumba", segundo uma mulher que assistia revoltada àquilo tudo.

Cada "boneca" com seus objetos configurava um espaço dentro do espaço maior, quase pequenos nichos, e assim havia uma ocupação mais ostensiva do lugar, mesmo quando este era abandonado pelas performers. Os objetos instalados mantinham a mesma força dos corpos em movimento, havia uma circularidade, uma transitividade, tudo isso realmente produzia uma perturbação nos sentidos. Um ritmo interessante desta cena obscena, um contágio, um estranhamento, uma invasão potente e provocadora.

Nichos ocupados, imagens desenhadas, espaços configurados, corpos metamorfoseados e de repente o espaço era abandonado, mas algo ficava ali. A visualidade dos objetos, as formas da instalação, as cores, as deformidades, tudo isso gerava curiosidade e capturava o transeunte.
O abandono, herança de Barrio, não só o abandono dos objetos e corpos no chão ( como no momento com a Nina), mas o abandono da representação, dos objetos que educam e seduzem a mulher, tudo foi para o chão, perdeu a mesa, a cama, o fogão e mudou de lugar, decaiu ou precisa urgentemente decair.

Uma encenação descentralizada, rizomática, afectada por vários olhares, comentários e reações extremas de agressividade e repúdio. Vi mulheres virando o rosto, mulheres rindo de tudo, mulheres reclamando daquela "palhaçada" na praça da cidade.

Ação concentrada, tempo ágil com tempo dilatado, corpos metamorfoseados, textos fortes sendo lidos e comentados pelas pessoas, a praça realmente invadida, rabiscada, transtornada e incomodada. Mulheres-objeto ou objetos-mulher? Corpos deformados, monstruosos e concentrados.

Até no final da ação, foi fantástico ver o recolhimento dos restos e objetos. Artistas concentradas, agredidas e agressivas e mesmo ao abandonar o local é possível "confundir e provocar", e lá vai Erica com um saco preto no rosto puxando seu carrinho e ao passar pelas ruas criando mais perturbação, nervosidade e não-saberes.

Novos elementos nesta ação: invasão, ocupação, circulação , perturbação , deformação e abandono.

DA PERTURBAÇÃO DOS SENTIDOS À DOS ESPAÇOS MUITA COISA ACONTECEU...

terça-feira, março 09, 2010

dia internacional da mulher

ontem, 08 de março de 2010. edição comemorativa dos 100 anos do dia internacional da mulher...
ontem, fizemos mais uma intervenção de baby dolls na praça 7. do outro lado da avenida, no outro quarteirão, as companheiras da Marcha Mundial das Mulheres faziam sua caminhada/protesto. policiais da tropa de choque espalhados por toda a praça, prontos para conter o bando subversivo e perigoso das mulheres.
do nosso lado, vários deles se postavam em torno da macdonald´s, como a protegê-la... ai, ai...
não é à toa que a marcha associa o machismo ao capitalismo, estão completamente interligados. a proteção policial ilustra bem essa ligação.
como ilustram as propagandas e promoções que lotam não só esse dia, mas o mês da mulher porque, afinal de contas, "um dia só é pouco" para nos homenagear...

"toda mulher é cheia de desejos. a Suggar faz tudo para atendê-los." e vemos o desenho de uma mulher sorridente, cercada por balõezinhos de pensamentos (seus desejos) preenchidos por modernos eletrodomésticos... o que mais uma mulher desejaria?

"dia internacional da mulher: participe e concorra a um dia inesquecível no spa one day"... claro, além de eletrodomésticos modernos, um dia inteirinho de cuidados com a beleza.

promoção seda:"concorra a sapatos, vestidos e a consultoria de..." promoção do twitter: "participe e ganhe uma bolsa!"
e por aí vai.

ao ligarmos a televisão, vemos, predominantemente, a mulher em dois papéis: a gostosa da cerveja e a limpadora de casa, cuidadora do lar... e dá-lhe gleidy sachê, veja multiuso, repelente de inseto... e dá-lhe cuidar do maridinho, da família e do lar...
segundo a antropóloga mirian goldenberg, no brasil ainda a figura masculina é super valorizada, fazendo com que a mulher, para se valorizar, recorra ao "capital marital", termo que ela cunhou para designar o marido conquistado e exibido como um troféu. afinal, que adianta eu ser profissional reconhecida, qualificada e respeitada, se não tiver um marido provando que, apesar disso, eu continuo a ser mulher, feminina, delicada e dedicada ao lar?
enquanto isso, islaines continuam a ser assassinadas por seus capitais maritais que, em contrapartida, não as valorizam.
já repararam que um homem, por pior que esteja (como bem destacou a lissandra durante a intervenção realizada no último sábado, na mesma praça, ao ser abordada por um sujeito em condições pessoais precárias), ainda se sente superior a qualquer mulher e a aborda do alto de sua arrogância?

afinal de contas, como diria uma garota de programa que anuncia nos classificados, nós engolimos tudo, sem frescura.