agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

quinta-feira, março 31, 2011

Agentes da cidade invadem meu corpo

A cidade treme sob meus pés. Na cidade das rodas os pés tremem com as pistas de concreto. Surpresa: descubro com Lica que o rio corre no corredor de carros. Carrega tudo com seu fluxo... corre em sua velocidade, velocidade de rios. Há um desequilíbrio. O concreto também tem seu movimento. Tudo em uso num espaço rasurado. As pessoas se trocam ainda menos nos espaços largos. Vetores. Fico atento a frases disparadas entre as pessoas: "Tem que ter pegada de homem"... vou para uma conversa sobre os gêneros, suas marcas: "Macho come independente do buraco". Lica me convida para um café dos prazeres na esquina da praça Sete de setembro. Vem chuva e nos escondemos. Entramos na nervura do mundo, contato mais que direto com as zonas de tensão. Um bando com um mascote bem novo, muito novo, talvez dez, onze anos, não perguntei. "Não tem idade para entrar na zona". Qual zona? A das putas? Qual é mais perigosa? Nós estávamos dentro deste território do puro constrangimento, quando penso que se trata de um lugar onde a expansão não se faz. Chegam dois policiais. Revista geral. O menino levantou a camiseta. Nada. Quando dei um passo para o lado, o policial veio até a mim. Revistou meu bolso, pediu para eu levantar a camiseta, também revistam meu tênis e minha mochila. Nada. Estava limpo. Que limpeza seria esta? Meu coração palpitou forte. Mudamos um pouquinho de lugar e tudo já era diferente... pouco espaço e tantos mundos a transversar. As zonas-limites são tênues, frágeis, o risco é quase um susto de tão rápido. Instabilidade perpétua. Foto: Lissandra Guimarães

segunda-feira, março 28, 2011

Sessão pipoca na casa da Lissandra

No sábado, nos reunimos para assistir a alguns filmes na casa de Lica. Presentes: Leandro, Davi, eu e Whesney, além da nossa anfitriã. Foi um momento de encontro, debates e troca de ideias e impressões sobre nosso tema atual de pesquisa.

Primeiramente assistimos ao vídeo "O Corpo na Arte Contemporânea Brasileira" produzido pelo Itaú Cultural. No depoimento dos artistas e estudiosos, hoje na arte não haveria mais uma identidade formal, mas uma proximidade e identidade temáticas. No caso do vídeo, percebe-se que as questões do corpo contemporâneo atravessam as mais variadas obras e estéticas.

Há uma relação com o trabalho do Obscena: existe um tema que é abordado de diferentes maneiras pelos pesquisadores. Vejo Saulo e Leandro investigando a construção de uma casa a partir da coleta de objetos coletados no espaço da cidade, ao mesmo tempo que Nina e Lica continuam na problematização das caricaturas criadas sobre o corpo feminino. O poder das imagens e discursos que veiculam perigosos simulacros a domesticar o corpo da mulher. Vide a última postagem de Nina sobre o "corpo zoológico" da mulher. Então haveria um grande tema que é apropriado de forma singular pelos pesquisadores.

Depois assistimos ao filme : "1,99 - Um Supermercado que vende palavras" do Marcelo Masagão.
Uma obra impactante, sem diálogos, com imagens que nos mostram como a vida e as relações se tornaram um grande supermercado a vender desejos, palavras de ordem e falsas fórmulas de felicidade. O filme fala de fetiche, consumo, exclusão, submissão de corpos e vontades e de como a vida foi capturada pelo poder do mercado e do marketing e pela invenção de necessidades para nos sentirmos inclusos no mundo.

Mateus nos propôs há algumas semanas a leitura e discussão de um texto sobre o Poder e há um trecho que me remete ao filme do Masagão:

" As estratégias do poder passam pela captura dos investimentos desejantes: é no nível do desejo que se dá o funcionamento do poder, pois administrar o desejo é fundamental para um sistema totalizante. Por ser uma condição indispensável para o funcionamento do poder da máquina capitalista". (AGUIAR, Leonel Azevedo. A amizade filosófica entre Deleuze e Foucault: questões em torno da noção de poder).


domingo, março 27, 2011

As geografias impressas nas roupas e nos corpos

No último encontro, Davi falou um pouco do Movimento Situacionista e da busca de uma cidade enquanto espaço lúdico, de lazer e de encontro. Propôs fazermos um estudo das geografias urbanas localizando trajetos, fluxos, cortes, interrupções, velocidades e relações.

Saímos eu, Erica e Joyce. Silenciosamente caminhávamos e nos envolvíamos internamente e também externamente no corpo da cidade. De alguma forma criávamos uma presença diferenciada, talvez pela indeterminação de nossa caminhada, nossa ação atencional contrastava com a velocidade e naturalidade dos transeuntes, como estudiosos do espaço nossas presenças eram percebidas de forma diferente, estranha e enigmática.

Num primeiro momento o que me chamou a atenção foram alguns espaços vazios: um ponto de ônibus, uma guarita da polícia, um banco de praça, um canto da rua etc. Conseguia localizar estes "lotes vagos" no centro nervoso da cidade.

Fomos parar na Rodoviária da cidade e um pequeno grupo de crianças comendo em meio a muitas malas espalhadas capturou nossa percepção. Brinquei dizendo que se tratava de um piquenique. Tomamos um café e observamos como aquele grupo conseguiu criar um lugar, uma paisagem, um micro-organismo num lugar de passagem e velocidade como a rodoviária. Ali rapidamente percebia as chegadas, despedidas, encontros, esperas etc.

Do lado de fora da Rodoviária acompanhávamos o ritmo acelerado de alguns, um lugar de travessia, mas para outros um lugar de abandono, muitos ali dormiam, esperavam, pediam esmolas, se prostituiam... De repente as camisas das pessoas passam a me capturar o olhar e vejo numa estampa o desenho arquitetônico de uma cidade. Pronto: se transforma numa obsessão encontrar nas estampas das camisas dos passantes alguma inscrição de uma cidade ou de um lugar. Até que meus olhos encontram minha própria camisa que anunciava a cidade de Salvador.
Um corpo privado carregando uma imagem de um corpo/espaço público. Peça a Erica para fotografar esta inscrição.


Depois vejo um homem com uma camisa escrita "Jesus". Vou até ele e peço para fotografar a camisa. Depois pergunto-lhe: Jesus é público ou privado? Ele me diz que é público, para todos, não somente para uns. E volto a indagar: e seu corpo é público ou privado? Ele não sabe responder. Corpos carregam e veiculam lugares públicos e me interessa interagir com as pessoas.


Mais uma vez as camisas (e agora seus discursos, imagens e representações) se tornam uma possibilidade de pesquisa. Serão os poderes das marcas sobre nossos corpos?

sexta-feira, março 25, 2011

cortes psicogeográficos

pelo canteiro central. uma movimentação estranha. um homem negro e pequeno de bermuda azul dança e oferece drogas no entorno do ponto de ônibus.
a cidade é feita de cortes. o grande largo que liga a praça rui barbosa com a santos dumont e a praça da estação parece mais um campo aberto para jogos livres.
muitos vagabundos em várias aglomerações distintas. um deles de vestido verde, incrível corpo, deita no colo de outro nas escadarias do prédio da engenharia - eles trocam carícias agressivas.

a chaminé do 104. longa, distante. há uma cidade que não se move. nina aponta uma grande árvore. um som calmo, a árvore, o viaduto da floresta. acho que nunca tinha a visto.

solidão. um homem forte imundo sentado em papelões ao longo do arruda's boulevard. ele olha para o nada. me imagino sendo agredido por ele.



avista-se a passarela contra o sol. silhuetas passam. a passarela é um corte.

do alto dela avista-se duas enormes vias - várias cidades se conectam. uma passa por trás da rodoviária, a outra liga para as avenidas antônio carlos e cristiano machado. uma linha de fuga, entre as duas enormes vias um buraco: um trânsito relativamente intenso de pessoas - vagabundagem, tráfico, sujeira, violência.

praça do shopping oi. jogos sujos, violência, terra batida, bancos de cimentos e árvores. tenho que ir até lá. não vou. traço minhas linhas. mais cortes. a cidade é feita de passagens.

policiais ignoram a puta agredida, reciclagens, cães se esfregam no chão.
há uma cidade que não se move.

que permanece no meio de todas as coisas. a provocação.

altura. definí-las. e as marquizes? grandes planícies para mais jogos.

uma mulher com uma trouxa na cabeça ao longo do canteiro central. segui-la. foi-se. estar no canteiro central. colar-se ao vermelho dos ônibus.

os olhares. o que se oferece na rua? o que oferecer? nas passagens, homens me oferecem cerveja e drogas. um deles se deita, o corpo não se aguenta, levanta-se logo em seguida.

mais cortes.

psicogeografia I

foto: nina caetano



"a psicogeografia é a ficcção científica do urbanismo" (entender isso). cartografias do afeto. táticas de ocupação da cidade, para além do plano oficial ou do projeto urbano.
roteiro para a psicogeografia (davi pantuzza), com três momentos: deriva silenciosa, notação das percepções e (não fizemos ontem) criação de situações (estabelecer objetivos: jogo entre o acaso e as intenções construídas).
saímos em blocos erráticos: davi e eu, lissandra, matheus e saulo, clovis, erica e joyce.
entrar no fluxo da cidade. um homem freia sua caminhada para observar uma mulher que vai atravessar a rua. ela espera o sinal fechar. ele espera a mulher passar. ele olha ela. eu olho ele. nós olhamos.
vagabundos proliferam na praça da estação. ou melhor, na bucólica pracinha em frente (rui barbosa?). de nada adianta o plano de "higienização" da prefeitura de márcio lacerda. as pessoas criam táticas para continuar ocupando a cidade. na praça tão higienizada, os vagabundos fabricam sua casa. aqui lavam roupas, dormem, namoram, se encontram. vejo grupos de 6 ou 7. mochilas encostadas aos coqueiros. roupas secando nas plantas. casas por todo lado.
nas escadarias da escola de engenharia, um homem com vestido verde varre. os canteiros do meio da avenida andradas também é verde. talvez para disfarçar o cheiro ruim que sobe entre as grades de concreto. gosto dos canteiros dos meios de avenidas. e das árvores antigas e grandes que ainda existem por aqui. gosto de vê-las. como gosto de ver a amplidão da cidade, ao longe. para caminhar, prefiro as ruas mais fechadas, menores e com pouco trânsito. apesar disso, avançamos pela andradas rumo à passarela que corta o céu azul, muito azul de um fim de tarde. prédio enorme, também azul, contra o céu. pichado. abandonado. ele me impressiona por seu tamanho.
rampa dos cadeirantes. árvores de flores estranhas e belas. sinto vertigem ao tentar pegar uma: a vertigem da beira.
meio da passarela. embaixo, carros e mais carros. amplidões. medo e vertigem na passarela. os carros passam. observamos as pessoas e suas inteirações. uma mulher parece esperar alguém. depois, ela se senta com um homem em um banco próximo. eles se conhecem? ela esperava por ele? compra drogas, negociam um programa? ela é a irmã esposa que veio salvá-lo das ruas? não sabemos sua história.
guaicurus. mais um prédio abandonado. esse é antigo, talvez da década de 20. sobram poucos na cidade. acho que esse não dura muito. pessoas à margem. uma prostituta reclama com a pm de um homem que bateu nela. eles nem parecem ouvir. ela nem parece falar com eles. outra grita que quer beijar o barbudo. dá nervoso? ela me pergunta. os homens nos estranham ali. os homens olham muito. as pessoas passam. na santos dumont, os carros passam. são muitos. são rápidos. ônibus. e o canteiro do meio. davi para e observa a cidade. a cidade não para. a cidade só cresce.

foto: nina caetano

Errância e ficção científica



Deslize na cidade com Lica e Saulo. Corredores de árvores no puro concreto e uma ladainha que mais parecia um choro. "Compro ouro, consulta de graça". As aglutinações por pura semelhança: as putas aqui, os mendigos alí. Placas, muitas placas! Referências necessárias para a construção vertical, presas em si. Três singularidades moventes por uma força que transversava cartazes, rótulos, marcas, placas. O movimento imperceptível dos nossos corpos que, na invisibilidade visível, traziam cadernetas e lápis. No segundo seguinte os lápis assustam, acionam uma perseguição paranóica. Corte. Ir para outros lugares.

Fotos: Matheus Silva

quinta-feira, março 24, 2011

classificação zoológica da mulher

Mulher vaca. Nome científico: femina docilis.

foto: nina caetano

Seu habitat natural é o lar, o ambiente doméstico. Adora passar, limpar, cozinhar e cuidar, mesmo sem vontade.O temperamento dócil das mulheres vacas associado à sua indiscutível utilidade econômica, fez da domesticação da espécie a mais antiga da história da civilização. Estima-se que já eram domesticadas pelos homens das cavernas.

Além da força de trabalho, esse animal é extremamente útil porque dele se aproveita tudo: você pode comer a carne e até arrancar o couro que a mulher vaca não reclama. Além disso, ela tem como qualidade a capacidade de tudo suportar, sem frescura. Carga, peso, culpa.

Cuidado! Não alimente com idéias, pode ser perigoso.



Mulher cachorra. Nome científico: femina vulgaris.

foto: nina caetano


Seu habitat natural é a rua, o bar, o baile funk. Normalmente tem hábito noturno, mas há espécies que funcionam dia e noite.

É um animal extremamente sociável, aceitando seu dono como chefe da matilha. Aliás, essa espécie precisa de dono para se sentir feliz.

Bastante utilizada como bichinho de estimação e enfeite de namorado, a mulher cachorra aceita bem a coleira, que usa como se fosse um colar de diamantes.

A mulher cachorra é relativamente dócil e leal. Se bem adestrada, ela lambe e até balança o rabinho. Mesmo sem vontade.

Para o adestramento, pode ser necessário o uso de tapinhas. Mas não se preocupe porque, para a verdadeira mulher cachorra, um tapinha não dói.

Cuidado! Não alimente com idéias, pode ser perigoso.

terça-feira, março 15, 2011

Relato deriva - escrita automática

Fluxos. chuva. metrô. rodoviária. chuva. baixo meretrício de BH. locais que estão em minha afetividade de forma distante. presentes como história vi gente. com cara de gente e me apaixonei por isso: gente. senti cheiros bons e ruins. jogos. streap tease, tudo úmido, molhado. é estranho saber-se à deriva. derivado de. a vida, sexo, compras (para quê tantos objetos? para que tantas e tantas bujigangas, badulaques, objetos, objetos?) Impulsos: correr, ver, parar, puxar papo. Situação: seguir pessoas. Propor fluxos também: andar, mto lento, correr. O inusitado. Cuidar do presente que o inusitado surge o inusitado te leva. chuva - sono (deu) fiquei cansado.

Treino - Davi
Saudação ao sol
Mov. circulares (na roda)
Sentir o Fluxo.
Dança pessoas. ter um
no canto do olho. Ñ perder de vista. Trabalhar planos,
linhas.

trabalhar velocidades _______
duração _________

Fome. impulso para a comida.

Dialogar c/ o outro sem que o outro saiba tb.

Ter + de um no canto do olho

_______ // __________

Me senti perdido.

A árvore me puxou. Oxóssi.
Chuva - tenho afeto pela chuva.

segunda-feira, março 14, 2011

Os "Sem - Lugar" (descoberta de uma deriva)

A deriva proposta por Nina foi um exercício interessante de descobrir um pouco dos fluxos, espaços e relações da cidade. A preparação para a deriva foi do Davi: exercícios psicofísicos muito potentes, que nos conectavam uns com os outros e criavam uma energia corporal extra-cotidiana. Procedimentos para uma atitude atencional na exploração e descoberta da cidade.

Saí debaixo de chuva. Caminhando pelas marquises. Proteção e desproteção. Andando vagamente. Fluxos outros me levavam... Até que me deparei com uma igreja evangélica e o som das pregações e das músicas me capturou. Entrei. Uma igreja pouco habitada, uma pregação que não se entendia, muitas palmas e percebi que nos últimos bancos habitavam pessoas que pareciam buscar ali um refúgio, um abrigo físico, uma morada temporária. Pessoas desabrigadas, pareciam moradores de rua, descansavam nos bancos, uns dormiam, outros conversavam. Junto deles algumas sacolas com seus pertences. E percebi também os olhares incomodados e desconfiados de alguns fiéis. Gente sem lugar encontrava um pouso. Ali tinha água, banheiro, música, acomodações e talvez uma sensação de pertencimento.

Fiquei ali um bom tempo, me protegendo da chuva e absorto a observar uma pequena e imunda comunidade a conviver nos últimos lugares de um templo religioso.

E foi com esta imagem que trabalhei mais tarde quando Nina solicitou de cada pesquisador a criação e materialização cênica de uma imagem que ficou da experiência da deriva. Fiz na sala uma pequena fila com cadeiras, sendo que a última estava tombada no chão. Nas primeiras distribuí fragmentos de canções e falas que escutei na igreja, até chegar na última cadeira que exigia que a pessoa se abaixasse para ler (caso ela desejasse) o que estava escrito.

"DEIXA A LUZ DE DEUS BRILHAR!
BATER PALMAS
BATEM PALMAS
BATEMOS PALMAS!!!

UM SEM - LUGAR DESCANSA NESTA CASA" (texto na cadeira tombada).

O mais interessante é que convidei a cada pesquisador para visitar esta instalação solitariamente e assim pude observar como cada um se relacionava com a proposta: uns sentaram, outros só passaram, uns rezaram, bateram palmas, teve gente que chorou, uns leram a última frase, outros não, enfim, tentei propor uma trajetória corporal.

Neste último exercício do dia identifiquei um trânsito entre o espaço da rua e o espaço do prédio do Centro Cultural da UFMG. Entre o fora e o dentro, o público e o privado, o objetivo e o subjetivo, o macro e o micro, a trans-criação de um lugar em outro, a criação de um novo lugar.

sexta-feira, março 11, 2011

Deriva

Andar sendo fluxo na/da cidade. Confundir-se com os lugares. Hoje está tudo úmido, um rio corta a cidade, enchendo ruas de água. Guarda-chuvas guardam os olhares também: as pessoas se escondem da chuva. O grande tá R$10,00. A maioria crê que a chuva fará mal, não as libertará do cotidiano movimento de seus passos. Esbarros, tropeços. A escorregadia rua interrompe o andar certo. Teria eu medo da chuva antes de ensinarem a ter medo de ficar molhado? É preciso ultrapassar o medo, atravessar a rua, molhar-se.

Foto: Leandro Acácio


quarta-feira, março 09, 2011

depois da chuva...

depois da chuva...

proposição de nina e davi. juntos. em diálogo. em sintonia. tudo fruía.

até a água. com suas não formas e formas. com sua fluidez, sua adaptabilidade, sua infinita capacidade de encontrar saída, continuidade.

as sensações experimentadas no dentro ecoaram e encontraram ressonâncias no fora.

a chuva não se mostra em meio termo. ela é. pronto. lida-se com ela como quer, mas, lida-se. não há como ignorá-la, essa é a questão.

buscar abrigo, o primeiro pensamento. ao encontrá-lo, me percebo no segundo termo do dia, ver e ser visto. assim faço, quase sem perceber. mas, noto e anoto em meu corpo-mente, em meu corpo todo poros para percepção e manisfestação. sou toda alerta. acordei e brinquei em vários espaços corporais antes de me lançar às ruas.

os guardas. sempre me encontro com eles. acho que me adoram. ou sou eu que os encontro em todo lugar? eles estão em todo lugar? parece que sim. em frente ao BH RESOLVE, tinham dois municipais. assim vai. assim vamos. ou nos tocam em boiadas debaixo da “chuvaiada”?

o rapaz diz dessa forma quando pára por um instante ao meu lado debaixo da marquise. outro pragueja contra ela, a impiedosa, linda e fria chuva que caía. independente do transtorno, do estrago, do incômodo, do inconveniente, do trabalhoso e do fora de hora. assim vai. assim vamos.

de repente, estou a velar o sono de um homem na rua. vejo e sou vista, me protejo, me abrigo. um pouco mais tarde trocamos conversas e ao final, um aperto de mãos e desejo de boas horas vindouras. ele fica visivelmente tocado. a única pessoa que se relacionou com ele enquanto estávamos ali. nos abrigando da chuva, nos deliciando com ela, agradecendo aos céus aquela benção em águas.

nem todos param, nem todos se alteram. tem gente que não se mexe por causa de coisas assim. chuva, chova!

a água sempre me acalma, me interioriza. me leva para profundezas internas. volto lenta, delicada e atenta. espero que chova sempre!!!

lissandra guimarães


sábado, março 05, 2011

deriva na cidade


Foto: Leandro Acácio



os sons me visitam, saio do CCUFMG envolto por algumas estranhas vibrações, penetro no corredor de gente ao longo do muro, sou carregado. um vendedor me oferece correias douradas e prateadas. aceitaria?

ponho-me no canteiro central da santos dumont. a chuva me traz uma ótima sensação de fluidez; a profundidade da avenida me produz uma sensação de plenitude e vastidão. saio rapidamente desse estado.

luzes neon brancas. como elas colorem os corpos? não se vê os corpos, mas vitrines - relógios, aparelhos eletrônicos, alho, fumo, temperos, tênis, carne, roupas.
sigo uma mulher de verde e sombrinha de oncinha. ela anda na beirada da rua. meu corpo começa a se molhar com mais intensidade. vejo o grande prédio azul do sesc - assalta-me uma enorme vontade de ir lá e usar o banheiro.
devolvo a mim o fluxo das coisas, atravesso a rua, pessoas se enfileram. o sesc está funcionando para concursos, programação cultural só final de março. lá tem uma biblioteca.

avanço mais, a chuva começa a esfriar meu corpo - cheiro de carne, incenso. paro. uma loja de missangas?

atravesso para o outro lado - reparo que o vendedor de guarda chuvas a 10 reais me segue gritando. ele logo se cruza com uma vendedora que vende outros a 5. atravessamos a rua. ele encontra outros vendedores. soldam-se ferros acima de nossas cabeças, uma fagulha de aço incandescente quase cai no meu pé.

subitamente avisto um enorme guindaste numa construção do outro lado da avenida. um senhor bastante gordo puxa sua mala pequena. me envolve o desejo de estar logo embaixo da ponta do guindaste. atravesso as avenidas. paro no meio da faixa de pedestre - uma enorme distância nos separa - olho - sinto as gotas que despencam do metal atingirem minha cara.

um enorme shopping - muitos celulares, jogos, mais relógios. cheiro de mercado central.
desvendo um sacolão embaixo do viaduto. passo, atravesso, volto a atravessar pro outro lado entre motos e cheiro de mijo.
subo ao lado do viaduto. um homem acaba de devorar sua marmita sentado no chão. ele embola o marmitex e joga no meio da rua, finjo não importar - ele subitamente se levanta como se quisesse ir buscar o lixo e pára quase na minha frente "qualé, irmão?"

continuo rente. no salão, oferecem para cortar minha barba. atravesso a rua, a chuva é mais intensa. um grande aglomerado de informações abafam esse lado da rua, guarda chuvas, objetos, bolsas, bancas de jornal.
continuo fluindo por lojas que julgo equivocadamente trabalharem com tecido. depósitos, lojas de fantasias, associação de lojistas, galpões, boates para strip (luz negra, flashes - devem ser 15h15...) - avisto uma construção interessantíssima estilo castelo - pintada de amarelo e outra cor - embaixo um estacionamento, ao lado a porta da zona.

encontro por acaso clóvis - ele me faz ser sugado pelo azul que se espalha num bar ao lado; fico muito impressionado com a quantidade de cores azuis. depois vejo alguns vermelhos.

agora cai uma tempestade.

quinta-feira, março 03, 2011

narrativa da deriva

FOTO: Matheus Silva

desconforto. frio. dor. o corpo me tirava do fluxo da cidade. do fluxo das sensações que ela me provocava. com seus sons, cores, ritmos.
deriva. ver e ser visto. incorporar a cidade.
seguir o som. o cheiro da chuva. ver as formas. Pausa.
paisagem de cercas. pinho. bh orçamentos. seguir.
sirene. batidas. a cidade em obras. o fluxo dos carros. das pessoas.
seguir pessoas. crianças me atraem. a menina.
mãe, que é isso?
é carnaval, anda!
carnaval? carnaval, mãe?
os ouvidos tecendo narrativas com fragmentos de conversa. simultaneidades.
pessoas passam apressadas com seus guarda-chuvas. a chuva em minha pele. meu corpo gosta de sentir seus pingos. sigo a menina. metrô.
a chuva cai forte. ela desaba. mas eu já estou protegida.
sentada na plataforma de metrô, vejo a tempestade desmanchando a cidade. vejo as nuvens cinza do céu fazendo redemoinhos. as velhinhas que se sentam ao meu lado e entabulam uma conversa, esperando passar.
é bom, tava muito calor.
é.
ruim é quando faz frio.
é.
é... é ruim quando faz frio. por isso, tomo o metrô. dentro do vagão, vai estar mais quente.
vejo que agora as janelas do metrô têm um filtro. uma tela. não dá para ver o fora. só o dentro. um menino exercita com seu pai o ver e o ser visto. o não ver e o não ser visto.
fragmentos de conversa. o menino gargalha.
fecha, porta!
olha só o peso disso.
pai, a porta abre desse lado.
fala pra ele que não adiantou o remédio que você tá tomando.
ela pediu pra mim não levar meu filho se for buscar ela na escola.
vai passar o carnaval onde? ah, tá.
ela quer que eu pegue ela.
jader tá aí? ah, tá.
uma velhinha me observa. a mãe observa o menino de longe. sinto frio. desço.
quero voltar e pego o metrô no sentido contrário. só tem homens nesse vagão. quase nem entro. o medo atávico.
essas janelas não têm filtro e vejo a cidade passar. árvores. sempre as mesmas. cada vez mais rápido os verdes se misturam. entre as cercas, a cidade. poças de água alagam as ruas. montes de entulho. carros velhos. ferro velho. outra estação e outra. as mesmas árvores.
meu corpo sente frio. muito. muito. só quero chegar.
desço na estação central e vejo um abençoado café. ele esquenta meu corpo enquanto saio para a chuva. de novo. mas agora não gosto mais dela.
só tenho pressa em chegar. a cidade é só um lugar de passagem. Não vejo mais.

campo de cores

Produzir novas cores no espaço urbano, novas formas de vida: invadir o conjunto do que é fixo, singularidades nômades que borram fronteiras desconhecidas. Inventou-se um campo de cores em instantes movediços. Cores que dançaram entre pontos de ônibus, deslizaram no espaço estriado da arquitetura urbana.
Pura potência de agir: construir campos de forças, intensidades, velocidades que percorrem o trânsito, a faixa de pedestres, escadas. Efetuar imagens multidimensionais, confundir-se com as cores em seu livre tráfego para além dos domínios do mundo.
Foto: Davi Pantuzza