agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

terça-feira, maio 06, 2008

Encontros obscênicos privados e públicos

Primeiro encontro com povo: 12/04/2008
Procedimentos: Didi, Marcelo, Érica e Mariana

Meia-noite. Horário sugestivo e sintomático. Bruxas, diabos, vampiros.
Estranhamentos e dúvida na rua.
Desejo e curiosidade na vitrine. Putas, veados, escrotos remexendo-se por carne. À noite, toda puta pare: parda, branca, preta. Todo rebolar tem sexo, pra satisfazer carentes afoitos por coito.
Santa Bárbara na torre. Desfile de liberdade no hall de entrada. Érica age, conta, pergunta, indaga, desafia, sugere, aponta o dedo, literalmente tece. Deixo a pergunta: você quer ensinar algo?
Passagem pelo palco. Hesitação. Sentar e assistir passivo nas caderinhas da platéia. Hábito burguês detestável! Adoro sentar na poltrona e assistir passivo!
Descida. O inferno é o porão, dos outros. Lixo. Enfie a mão no lixo e conte sua história. As narrativas surgem do lixo e, depois de tecidas, pra ele volta. Não me lembro do que estava escrito no papel, mas contei duas histórias:
Primeira: minha irmã, meu pai. Papai judiava, aproveitava e molestava minha irmã mais velha que eu. Ficava excitado. Mamãe sabia e nunca disse nada. Será que tinha tesão nos dois?
Segunda: fui garoto de programa durante um bom tempo. Bom porque não dava muito trabalho e tinha dinheiro para o aluguel. Prostituir com alunos é bem mais caro e pagam muito menos.
Nunca havia contado isso antes. Por que nunca ocorreu? Fim do porão. Palco novamente. Assumimos nosso lugar. Sentamos no alto e o público nas cadeiras. Retorno à forma clássica. O clássico é eterno, li numa camiseta.
Discussão: desastre de imposições ideológicas. Ouvir, ouvir, ouvir. Quase tudo que tínhamos a fazer era saber ouvir. Os ânimos não deixaram. O gay deve calar-se diante do desejo. A mulher constrói e domina o homem. A maioria deve prevalecer e a maioria é heterossexual. A mulher é culpada pela sua própria subordinação. Ser homem-sexual é opção. Todas bobagens que devem servir como material. Mais de uma hora pra dizer o que queria. Sinal de que não dissemos o suficiente.
Impressão sobre o debate: vamos catequizar os índios!



Segundo encontro com o povo: 14/04/2008
Procedimentos: William, Marcelo, Idelino, Clóvis, Moacir

Sete e algum atraso. Vitrine. Manequins esperando o desejo feminino. Instalação no meio urbano. Manipulação de corpos masculinos. Pega indireta, dubiedade intencional. O que é isso? (platéia) O que estou fazendo? (agentes) O vidro que nos separa. A música que nos motiva (influência de Marcelo). Somos clássicos, barrocos, românticos e ridículos. Sob o som que nos protege. Atrás da vitrine que nos impele e impede. Mercadorias à disposição, imagens ao deleite. A sociedade já existe e é mais forte do que eu. Palavras para a proposta: dinheiro, sexo, corpo, desejo, passividade, estranhamento, imagem, instalação.
Sexo na vitrine. Atração imediata. Passagem: do estranhamento ao reconhecimento ao estranhamento. Volta ao desejo. Bunda na vitrine. Acanhamento.
Porão com cacos, champanhe, cachaça, vinho, cerveja, cigarro, chocolate, tecido, água, máscara do diabo e um sujeito. Pomba-gira. Silêncio longo: incômodo. Cômodo de trocas: o espelho atrás do homem. Caminhada sobre o vidro. Aflição. Técnica ou coragem?
Passagem pela Iza invisível. Respeitemos os tempos. Palco. Vazio. Seleção de pessoas aparentemente ao leo. Alguns do agrupamento, uma senhora. Pensei, chame um daqueles marginais ali de boné! Não falei, marquei o tempo. Não interpretem, dizia Clóvis. Ajam, não interpretem, repetia. Quase que único comando. Incômodo. Desconfio, gostamos de ser mandados. Alguém precisa sempre delimitar, explicar, comandar, regular, instruir nossas ações? A boneca. Despachem a boneca em algum lugar próximo daqui. A senhora apaixonada e apaixonante despachou a neta, por perto, porque queria a menina novamente.
Porão de novo. O inferno nos persegue. Engasgar órgãos e vomitar pessoas físicas. Poesia corporal com ânsia de fezes. Garganta profunda e Gangântua carnavalesca. Popularidade da carne. Bruxas e macumbas. Mistura de rito e mito. Ânsia, repugnância, excrementos e sangue.

Discussão madura. Relações e relações com a vida ordinária. Hábitos acadêmicos. Observações pertinentes, observações arrogantes. Comentários. Ouvidos. Não temos respostas, acho. Quando tivermos, acabou o processo. Obscena continua na dúvida para o próximo dia. O indefinido é um lugar. O movediço se instala aí.

Marca: “Isso não parece processo. Isso é um espetáculo”.



Terceiro encontro com o povo: 15/04/2008
Procedimentos: Didi, Nina e Lica, William, Patrícia, Moacir e Saulo

Não vi Didi.
Vitrine: narrativas dos objetos. Objetos que, servidos por mulheres, encenam suas histórias. Movimentos significantes com narrativa fragmentada. Objetos que dão vida aos corpos co-dependentes. Prisão. Textos impactantes sobre o vidro transparente. Imposição de leituras.
Vitrine de manequins. Mais vida, vivência, vontade. Novas mulheres. O bêbado invade, sem pedir licença. Fazer o quê? Não sabemos. Lica deu a cena para ele. E agora o que farei com ela? Cambaleava o tonto. Dançou torto, bêbado, pornográfico, gostoso, dissimulado, baixo, grotesco, tosco. Quem vai chupar meu pau? Quem vai abotoar minha calça? Viado eu não como mais. Ele dizia cheio de amor pra dar. Assisti a dança, encostado na pilastra. Não dancei. Minha dona não quis. Nem eu. A vida é pesada, cômica e fálica.
Vozes com narrativas pessoais. Dança em cena. Insegurança e incerteza. Fiquei escondido mesmo. Por medo, dancei lá em cima. Não desci.
Porão. Na segunda vez não tem graça, ouvi um dos marginais do dia anterior dizendo.
Um travesti desesperado. Grotesco fim de noite. Medo de perder a virgindade com pau nojento. Improvisação. Risco, talvez. Solidão falante, caricatura, sofrimento. Receio de não falar tudo e morrer calada. A cerveja na testa. A vagina na testa. Pau na cabeça e cabeça de pau. Vida dura, rola dura e quase nenhuma opção pra sofrer.

Questões do debate:
Com exceção da vitrine, qual relação com os espaços?
Quais as concepções do feminino?
Como foi a construção dos vários femininos?
Onde está a doçura (irritante) da mulher?
O não-representacional era representacional.
Cadê o ator rapsodo?
Como pesquisar o épico?
Passamos da instalação lá fora para a cena teatral aqui dentro?



Questões e sugestões:
Por que não é um espetáculo? Queremos ou não que seja? Se não, o que faremos com o tempo e o espaço?
Construímos algo? Desconstruímos algo?
Debruçarmos no Barrio.

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