Ontem foi um dia difícil. Cheguei fudido,depois de algumas horas de viagem e com apenas 2 horas de somo. Altera corpo...mente...bagunça tudo...estava fudido este dia. Joelho fudido,E como se não bastasse,neste dia em específico tinha duas opções no cardápio da noite:ficar e comer ou ficar sem comer e ir pro ensaio.O resultado vocês já sabem, né?
E pra somar o volume das desgraças,segunda feira ,dia de viagem,é um dia difícil,de grande excitação sexual.E chego assim excitado mesmo,ativo,pronto para devorar aquilo que primeiro vier...neste caso,o processo.Estava pronto para fazer,mesmo não querendo o corpo.
Embora "desgraçado" - como diria uma pomba gira em noite de gira -sem brilho,sem luz...queria lançar-me ao mar de criações, como uma bonequinha de sal que se deixa levar pelo mar.Veio Patrícia,sua prática,nossa prática inicial.Que aliás tem me agradado muito pela abordagem simples e eficaz...suficiente ao meu momento atual.Na seqüência,Erica propõe novamente a continuação da exploração com objetos.Dos objetos propostos,eu quis apenas os colares,a guia,as velas...Acrescentei ontem,a saia branca,o tecido vermelho.Ao contrário de segunda passada,ontem eu queria principiar uma construção(que construção?) com objetos,a fim de desenvolver minha idéia de instalação.
Queria,sem pré-conceitos ou precipitações(os conceitos sim,vivos na memória e revisitados no fazer prático e incorporados á prática)e consciente de ser o foco no não representacional.Deixei ser conduzido livremente pelos caminhos da intuição.Se o grupo, na grande maioria,está praticamente há um ano experimentado e com algum material já mais palpável,entendo que preciso começar um pouco antes pra me igualar aos demais.Ainda que num processo mais rápido,sinto vontade de gastar um pouco mais.Queria antes de tudo,me “sentir parte”,”entrar de corpo”,colocar o corpo,começar pelo corpo,deixar-me atravessar pela idéia,trazer a idéia no corpo e lançá-la no espaço como forma,como cor,como organização,como estética,como experimentação,como vivência,como sensação...até para que eu não pudesse me enganar mais á frente ou me esquivar do meu foco.Dessa forma,não consigo entender o trabalho,ainda que seja uma instalação,algo que não passe primeiro pelo meu corpo,que eu tenha experimentado primeiro.
Organizei os objetos em uma trouxa,que se encaixou em meu rosto e cobriu-o.Assim como a voz que emitia a narrativa.O corpo vibrou e deixei-me ser guiado pela vibração.Primeiro a voz,a narrativa,a cara coberta possibilitava uma deturpação vocal.Uma alteração física diferenciada.
Comecei pelo chão,onde concentra a energia das Baras,das mulheres da terra.,onde concentra a energia de Exú. O tecido vermelho e fino,possibilitou que eu testemunhasse,tudo que acontecia de fora.Não resisti ao terceiro olho,aquele de quem olha e logo vê uma imagem,uma situação possível no trabalho do outro(o do diretor).Porém, sentia-me apenas abusando do corpo e do som.
Clóvis,que iniciara mas acabou fuçando fora, interagiu.Seu corpo em contato com o meu.Nao sei oq eu percebera quando da interação, mas eu,logo me senti como um “cavalo”,uma “matéria” dando passagem á entidade,que passou a conduzir meus movimentos.E fomos assim:corpo colado,mesmos movimentos,mesmo corpo.Embora dois,estabeleceu-se a relação possível entre entidade espiritual x corpo mediúnico.Percebido isto, abandonei e fui buscar outras possibilidades e espaços possíveis.
Quis inetrferir em todos.Atravessar o espaço,com a mesma liberdade das Baras,donas dos caminhos.Sem pedir licença,tentando desfazer,desorganizar,desarticular,levar para outros espaços,os corpos em criação.
Veio Moacir,recpetivo.Interagiu verbal e corporalmente.Casamos narrativas distintas, corpos distintos, e no momento oportuno, abandonei-o.
Veio Didi, corpo envolto em faixas.Interagi.Tentei desarticulá-lo, desmontá-lo. Clóvis me surge novamente,agora próximo ao meu ouvido.Parece estimular-me com a leitura de sua narrativa.Sinto vontade de dançar a narrativa proferida e danço.O tecido, saindo do rosto, ganha movimento, vida.O corpo que antes apenas um corpo, parece representar algum comportamento das Baras, nas giras, algumas ações próximas...Erica sussurra.É hora de terminar.
Termino com a sensação de ter feito algo, de ter descoberto algum fio possível.Algumas coisas vieram como sopro divino: de fato não quero reproduzir comportamento dessas entidades.Quero um “espaço”dinâmico,vivo,que se transforme com o contato.Quero o meu corpo neste espaço, distanciado e ao mesmo tempo, dentro,como parte dele sem que precise teatralizá-lo. Quero “privilegiar” as relações dentro deste espaço que iremos propor.Transformá-lo num espaço de celebração, de acontecimento.Os corpos em “tentativa” me levaram pra uma possível “gira” onde todas as mulheres que vi embrionar-se neste dia,me soaram bem próximo das mulheres quimbandeiras.De repente me toquei para o fato de que “são elas”, as mulheres em construção desejadas, desvalidas,em comportamento e imagem, as mulheres de quem quero falar. Seria possível? Interessante?Viável? reunir,incluir,expor,propor todas estas mulheres em processo,no espaço final que tentaremos(eu e Clóvis) construir?É possível dialogarem, mediante suas estruturas,dentro do espaço proposto? Em procedimento e desenvolvendo material para ambos:nós e vocês?
Nada como a prática pra nos fazer repensar sobre nossa própria proposta.Procedimento ou material?Penso como possível as duas propostas.Vamos repensar isto novamente.
Quarta feira 02/04 – Vender sandálias e roupas femininas, neste momento , me possibilita estar em contato com mulheres.O trabalho está no meu corpo, na minha mente e deles querem habitar no externo. Não saberia racionalmente explicar o por que mas, quero desenvolver um material teórico-prático, pelo depoimento dos que nada sabem,dos que sabem distanciados e dos que praticam e sabem. Privilegiando o depoimento de mulheres comuns indiscriminadamente,mães e filhas de santo. Vender me proporciona este contato...exponho o tema, apresento o grupo, inicio o assunto e, naturalmente, a polêmica surge.O comportamento é um só: O sussuro toma conta das bocas, como se as paredes não pudessem ouvir o assunto de que falamos.Caras e bocas, representam, no rosto, o medo ou algum receio de alguém que se não conhece já teve o contato.O senso é comum:primeiro o sinal da cruz e em seguida “um Deus me livre...”e um corpo alterado de quem parece estar diante de algo tenebroso.As mulheres discutem sobre Pomba Gira.Colocam suas impressões.Certamente a visão católica cristã sobre o fato.A conversa torna-se independente de mim,passamos das salas ás cozinhas e,depois de vendidas algumas sandálias,tomamos café e elas continuam a destrinchar o assunto. Agora, sem mim,contam situações vividas, presenciadas...pergutam-me sobre o trabalho, propõe elementos, situações, possibilidades.Querem ver o trabalho (que nem bem começou).Desta forma,o trabalho se projeta, se constrói também nesta experiência única. O trabalho foge de mim, e estes indivíduos começam a ser também parceiros nesta empreitada.
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