agrupamento independente de pesquisa cênica
Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.
São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.
Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.
A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.
terça-feira, abril 15, 2008
diário de bordo, por nina caetano: MOSTRA OBSCÊNICA EM PROCESSO... ÀS MARGENS DO FEMININO
Mostra obscênica em processo. Não segunda, mas terça-feira. Último dia. Para hoje, como planejamento geral, temos a ocupação da vitrine por mim e Lica e também por William. Patrícia com mezanino e saguão. Moacir e Saulo no porão. Assim como no sábado, Didi intervém sem aviso, um pouco antes do horário marcado, entre o hospital e o teatro.
Hoje, pela primeira vez, construo o relato de um segundo dia consecutivo de trabalho! Ontem, segunda, as propostas foram de William, Marcelo, Idelino, Clóvis e Moacir.
O Encontro.
Ontem tivemos nosso encontro com um público mais reduzido. Engraçado, havia considerado que o início da noite na Alfredo Balena era um horário em que conquistaríamos mais gente para dialogar conosco... Começaríamos o trabalho às sete e estava marcado para chegarmos às seis. Em função do menos tempo para nós, havia mais tensão no ar. Muitas pessoas chegaram atrasadas, havia o debate a resolver. Não conseguimos espaço para o nosso trabalho corporal. Também foi necessário reorganizar o dia de trabalho, por causa da montagem de rubros amanhã, no palco. Clóvis, então, passou para hoje. Estava prevista a participação de Iza, mas ela não veio.
A primeira vitrine foi de William. Proposta interessante: os homens, vestidos com camisetas brancas, saias variadas e chapéus eram como manequins de vitrines, a serem expostos para a venda. Três mulheres (Lica, Patrícia e eu) teriam cinco minutos cada para dirigir os rapazes. Poderiam usar música (havia cds disponíveis, música clássica e barroca) e propor o que quisessem. Senti falta das narrativas que William havia pedido que trouxéssemos (“o que você gostaria muito de ouvir um homem dizer”) e fiquei pensando em como incluir, em minha proposta, a possibilidade de trabalhar com a frase. Enquanto as duas trabalharam com eles, eu fiquei de espectadora junto ao público. Foi interessante poder pescar as reações de perto. Um senhor me perguntava se eles eram veados, enquanto uma mulher elogiava as pernas de William. Na minha vez, escrevi na vitrine: EU GOSTARIA MUITO DE OUVIR UM HOMEM DIZER. Embaixo, desenhei um balão de história em quadrinhos e dentro dele escrevi a fala: DEIXA EU TE CHUPAR, DEIXA... POR FAVOR! Então entrei na vitrine e começar a arrumar os homens em poses sensuais, sempre se exibindo para uma mulher escolhida no público. De vez em quando, pegava um e o colocava “falando” a frase acima, também para uma mulher que assistia ao trabalho.
Após essa, veio a do Marcelo, a vitrine de corpos expostos, prostituídos. Ontem tivemos um problema de logística: Mari atrasou, Erica gravava o trabalho. Não havia disponibilidade de corpos femininos. Dessa vez o pincel preto funcionou mais. Os escritos apareciam. Perdi, em função disso, a escrita nos corpos. Como também demorei a perceber que deveria referir-me aos travestis da vitrine, lançar escritos sobre eles. Comecei a experimentar um discurso mais crítico, frases como carne no açougue e mulher vende cerveja.
Depois passamos a Idelino, no porão. Quando descemos, uma instalação demoníaca no camarim seis. Uma imagem do demo pendurada à porta. Um pano de cetim vermelho construía um caminho da porta ao espelho. Ao redor, outros panos: pretos, vermelhos, rosa. Velas espalhadas, cigarros, bebidas. Idelino espalhou um balde cheio de água e cacos em frente à porta e passou a quebrar outras garrafas, de sidra, de cerveja, fazendo mais cacos. Depois acendeu cigarros, fumou, bebeu, espalhou bebida no chão, a cara sempre escondida pela imagem do demo. Eu o via, através do espelho, por trás da “máscara”. Achei isso interessante. Pisou nos cacos, causando comoção em nós, espectadores. “Nem eu que sou bruxa faço isso”, disse uma mulher. Mais tarde, no debate, ela comentou que tinha gostado muito do terreiro de macumba. Idelino pesquisa o universo das pombas-gira.
Iza não veio, passamos do Idelino ao Clóvis, dando a volta por fora do teatro, ocupando, simbolicamente, a trajetória que ela havia proposto. Voltamos ao teatro e Clóvis escolhe alguns de nós para subir no palco. Eu, Lica, Mariana, Patrícia, Saulo, e duas senhoras da platéia (estou com impressão que esqueci alguém...). A nossa ação, no palco, era: estar. Simplesmente estar, sem representar. Foi engraçado. Estar à vista, no palco, parecia dar um significado de “representação” para qualquer coisa feita. Dava vontade de falar e de fazer, como se tivéssemos que fazer algo. Ao mesmo tempo, ao fazer algo, tudo parecia excessivo. O que é representar? E o que é agir, sem representar?
Voltamos ao porão, para a proposta do Moacir. Descemos as escadas para o porão e nos deparamos com ele, enfiando uma perna de boneca de plástico na boca, meio provocando ânsias de vômito. Sentamo-nos à sua frente. Ele pediu que as mulheres anotassem os nomes em uma prancheta e começou a colocar seus apetrechos. Ele estava vestido de calça e com um avental de vaquinha. Pôs máscara higiênica, que arrebentou (“buceta!”), touca de nadador, luvas cirúrgicas. Buscou a caixa de isopor de onde tirou dois tubos de ensaio cheios de liquido vermelho sangue e derramou em uma taça. Depois buscou um embrulho de alumínio, do qual tirou um pão. “Em nome do pai, do filho e do espírito santo, amém”. Deu a “hóstia” molhada no sangue para todas as mulheres, que mordiam aquele pão com nojo. Era groselha. Falou, então, dos males que o sangue menstrual provoca e começou a chamar as mulheres que tinham anotado seus nomes. “Você é mulher?” Então, falava vários trechos da bíblia (levítico, gênesis) que descreviam a mulher como impura ou má. Então dizia: “Conceição, você é mulher? Por que, Conceição?”. Ao final, ele colocava todos os pedaços da boneca na boca, provocando novas ânsias de vômito. Moacir já vem desenvolvendo esse material continuamente, então já existe um arcabouço de ações construído. Ele trabalha a partir da visão bíblica, a pesquisa girando em torno da anatomia da mulher. Pareceu-me bem instigante essa pergunta: você é mulher? Por quê?
Muitas questões se apresentavam para o debate, mas o público de hoje é menor e mais tímido. Hoje veio Rogério Santos, que foi professor no Curso de Artes Cênicas da UFOP, junto comigo, e que agora está terminando seu doutorado na Espanha. Depois de nossa colocação inicial sobre o trabalho apresentado ser uma parte do processo de pesquisa, e não um espetáculo conforme anunciado no programe bh, Rogério perguntou por que negávamos que era um espetáculo aquilo que fazíamos, já que era.
Isso, para mim, suscita várias questões. O que define algo como espetáculo: a presença do público (um ensaio assistido por pessoas alheias ao processo de trabalho é um espetáculo?)? A localização em um aparelho convencionalmente destinado a apresentações (uma palestra dentro do teatro é um espetáculo?)? Ele também falou de dubiedades e ambigüidades dos trabalhos, de uma maneira geral. Algo em suas colocações me revela uma expectativa de acabamento típica de espetáculo. Apesar disso, foram interessantes porque nos permitem pensar outros aspectos. Como havíamos dito, não é um espetáculo... as coisas não estão decididas, prontas. Estão em processo de amadurecimento, percepção e escolha. Considero que, por um lado, é natural a ambigüidade nessa etapa do trabalho (uma vez que estamos no início de nossas pesquisas e muitas coisas, para nós, ainda são perguntas), mas, por outro, aponta para a necessidade, já percebida por nós, de maior clareza em nossos objetivos individuais de pesquisa, e maior relação entre isso e métodos e procedimentos usados.
Enfim, o trabalho continua...
Nina Caetano
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