agrupamento independente de pesquisa cênica
Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.
São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.
Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.
A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.
segunda-feira, abril 14, 2008
diário de bordo, por nina caetano: TEXTURAS TEATRAIS DA BEIRA, MOSTRA OBSCÊNICA EM PROCESSO
Mostra obscênica em processo. Hoje, aniversário do Idelino, é o segundo dia. Trabalhamos no sábado, encontro marcado com o público à meia-noite... Nesse dia, as propostas eram de Didi, Marcelo, Erica e Mariana. Primeiras texturas teatrais da beira.
Para hoje, segunda, como planejamento geral, havia sido proposto que William ocupasse a vitrine, e teremos o trabalho de Idelino e Moacir no porão. Iza na lateral do teatro e, provavelmente, Marcelo na vitrine novamente. Será necessário encaixar Clóvis no palco hoje (logo depois de Iza, com o público entrando pela escada de incêndio?), porque talvez amanhã não seja possível. Parece-me que seria interessante jogar Saulo no porão, quer dizer, para amanhã, em função do tempo. Assim como a vitrine do Rocco.
Assim como no sábado, Didi intervém sem aviso, um pouco antes do horário marcado, entre o hospital e o teatro.
O Encontro.
Nosso oitavo encontro... E primeiro dia de encontro com o público. Sábado. Meia-noite. O trabalho estava previsto para começar às nove, quando deveríamos nos encontrar para preparar os espaços para a mostra e partir para o trabalho corporal. Chegamos ao Marília, mas o avarento estava ocupando nosso espaço até vinte e duas horas e vinte minutos. Os que chegaram resolveram tomar uma pinga para acalmar os nervos e pôr o corpo no lugar. Ansiedades.
Voltamos ao Marília (havíamos crescido, com aqueles que se juntaram aos primeiros na pinga) e lá encontramos Marcelo, Mariana, Patrícia e Didi, já a postos. Hoje não vieram Idelino nem Iza. Já eram dez e meia. Tínhamos menos tempo. Ocupamos o palco e fizemos o trabalho corporal com Patrícia.
Eu já não tinha chegado bem. Meu corpo cansado, pesado, sem vontade. A água e um gole na pinga tinham levantado o moral, mas o corpo ainda não estava bem. Achei difícil conseguir o eixo, minha cabeça vertiginosa e o calor. Mas consegui me manter em meu corpo, sem representações nem exercícios. Buscando ouvir-me e respeitando meu estado. Concentrei minhas energias, buscando sempre respirar ao longo da noite e estar atenta.
Havia trocado meu vestido de camponesa florida pela malha básica do trabalho. Agora trocava a malha pelo vestido preto, com o qual manteria meu posto de dramaturga atuante. Por baixo a roupa íntima vermelha. Para a vitrine...
O primeiro trabalho era o do Didi, intervenção na rua. As ataduras e a camisola rosa, com os quais havíamos trabalho no jogo com os objetos. Quando descemos, já de cara, três mulheres. Uma delas encostada a um canto da frente da escada do Marília, mijava (desculpem as mocinhas delicadas que dizem que mulheres fazem xixi, mas não poderia falar de outro modo nessa situação...), a intimidade devassada em público. Elas me tomaram e acabei não acompanhando o Didi um tempo, concentrada em me lançar à escrita, movida por elas... Por um lado, pensar na escrita no calor do momento, foi bom, mas, pelo outro, sinto que fez falta, para o desenvolvimento de um olhar sobre a pesquisa, ter visto o desenvolvimento que ele propôs, mas também penso que esse lapso fez parte de minha agitação interna.
Agora a vitrine. O comando: somos “gostosas”, cumprindo o papel de gostosas. Eu, claro, não sou atriz. Minha pesquisa é outra, de um olhar autor-espectador... então, me concentrei em perceber as possibilidades de diálogo com o público pela escrita... bem interessante... mas o material ainda não é o que usei, não teve muita nitidez... hoje vou experimentar o pincel preto. Se não der, amanhã vou atrás do pincel usado pra vender carro... talvez sirva pras mulheres.
Concentrei-me em perceber a reação do público, que aumentava a cada minuto. Os olhares ávidos masculinos, que variavam entre o desejo e a repreensão de nossa ação. O espaço vitrine permitiu uma certa diluição na idéia de representação, provocando a aparição da polícia. Algumas questões se apresentam para mim, pós-debate e conversas com o público: não estaria a vitrine embaralhando aspectos diferentes da discussão? A questão da exposição do corpo da mulher não é uma coisa e a questão homossexual, outra? A vulgarização do corpo não está ligada ao primeiro aspecto, tanto que, na vitrine, os homens eram travestis, homens vestidos de mulheres?
Construção da identidade feminina... O que é isso? Erica propõe uma tessitura de narrativas e depoimentos do público, juntando imagem poética (ela narra a história de Santa Bárbara, mote para as perguntas que lança ao público, enquanto costura os pais de meninas na linha da tradição) ao trabalho de confronto com as questões de criação e manutenção das tradições machistas, de conformação da mulher. Proposta interessante, que desperta a atividade do público...
Mariana também propõe atividades de contato direto com o público. Agora, somos nós que construímos narrativas, depoimentos que dialogarão com o espectador a partir de provocações que ela deixou na caixa um do porão. Para mim, foi “o que é ser homem?”. Escolhi uma mulher para quem narrei uma história sobre o comportamento de um casal, quando se separa, concentrando-me na conduta masculina, contando uma anedota sobre um professor separado que assedia alunas e que, ao se confrontar com a inteligência delas, solta a pérola, “o que estraga a buceta é a mulher”. Foi interessante ver como as propostas de Mariana, de criar narrativas e depoimentos para serem comunicados a um espectador gerou a possibilidade de diálogos com o espectador visado e com os vizinhos que, devido à proximidade das pessoas no porão, ouviam a narrativa e a conversa e acabavam entrando no assunto. Gerou atividade no espectador e diluiu a fronteira entre representação e vivência. Para mim, a questão, para as duas, é da fronteira entre vivência e teatralidade.
Muitas questões se apresentavam para o debate. Moacir colocou um pouco o propósito da pesquisa e da mostra e eu busquei completar, falando do propósito do debate. Abrimos para as observações do público, que logo provocou, em nós todos, reações.
Pelo menos em mim, Marcelo e Saulo. Depois que reagi, percebi que não era o melhor caminho, e busquei voltar para o público o debate. Mas já havia dado o mau exemplo... Acabamos por discutir as opiniões ideológicas do público, quase colocando-o em julgamento, e resolvendo, pela conversa e argumentos, um debate que deveria ainda poder gerar em nós frutos. Parece-me que fomos um pouco despreparados para o debate e parece visível a necessidade de um maior planejamento de todas as etapas do trabalho.
Do meu ponto de vista, penso que devemos planejar as perguntas diretrizes do debate, que serão lançadas ao espectador. Que devemos mais ouvir do que falar, mais provocar o público do que explicar ou justificar o trabalho feito. Que devemos ter um ou dois mediadores no máximo. Que estes conduzirão as perguntas, tempos de fala e o rumo da conversa. Que os outros obscênicos deverão se dirigir ao mediador para colocar questões que considerem pertinentes ou para abrir discussões conceituais ou teóricas acerca do tema. Que o debate deve se concentrar nos aspectos teatrais, da eficácia da proposta e da percepção do impacto provocado no espectador. Que o espectador terá o direito de colocar sua opinião livremente. E que nós devemos nos calar, mesmo que estejamos fervendo por dentro, porque essa febre e indignação é o combustível precioso do nosso trabalho.
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