agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

terça-feira, agosto 19, 2008

a mulher caminha

Obscena, dia 18 de agosto.
Às sete horas cheguei ao nosso ponto de encontro. Lica já estava lá, aquecendo-se. Sairíamos às sete e meia, para voltar às nove. Tínhamos uma hora e meia para o trabalho.
Havia, para mim e Lica, uma proposta de ação/situação: a cidade das mortas (pelo menos para mim... Para ela, como se chamaria?). Lica seu corpo embalagens plásticas metalizadas utensílios do lar. Eletrodoméstica. Eu armada com meu instrumento: o giz, colocado singelamente numa embalagem de creme para cabelo: Hair construtor.
Eu também me aqueço, preparo meus instrumentos. Como avançar a ação? É necessário selecionar narrativas a serem experimentadas. Os anúncios das prostitutas de Curitiba devem percorrer esses corpos mortos, desenhos a giz no chão. Também deve estar lá o verbete do Aurélio. Também quero: a gente pensa que é mulher e é só fêmea, bichinho de estimação. Também quero: uma mulher é feita de arestas, becos, buracos. Voz, carne e sangue. E osso e pele. Quero brincar com as tarefas inúteis e com os desejos de consumo da mulher: depilação a laser, botox, jet bronze, diet, light. E quero jogar com as manchetes e estatísticas: Enterrada menor de treze anos, estuprada e morta. Cem mil crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil.
Eu e Lica nos guardávamos. Nosso trajeto: do Marília à Estação. Pela Afonso Pena, paradas no caminho. Corpos. Escritas. Patrícia nos acompanharia. Didi iria também caminhar, com um folheto de doe sangue, pés descalços, corpete. Idelino seria seu anjo da guarda. Durante uma boa parte do trajeto, eles nos acompanharam. Era interessante perceber como as duas figuras, estranhas, criavam impactos próprios à sua junção. Algo estava acontecendo.
Passamos na porta do Palácio das Artes. Muitas pessoas. Havia eventos na cidade. Ontem, a cidade estava quente. Por toda parte, grupos de pessoas. Em frente ao Chico Nunes, no parque, música. Continuamos nossa trajetória. A mulher objetos caminha à minha frente. Era possível observar as reações que provocava. Os olhares que se voltavam à sua passagem, os risos e estranhamentos. Os homens, ah, os homens... “Pra que tampar o bonito? Tira essa bacia daí...” “Gostosa... gostosa... vem, vem!”
Em frente ao Café Nice a mulher objetos foi ovacionada como uma miss no desfile de finalista. Ah, os homens! Ali nos pareceu um ótimo lugar para deixar nossas mortas. A mulher objetos larga suas inúmeras sacolas e deita-se no chão. Desenho um belo corpo no chão e começo a preenchê-lo: mulher ser humano do sexo feminino capaz de conceber e parir outros seres humanos e que se distingue do homem por essas características. Mulher da vida: meretriz. Mulher à toa: meretriz...
Estávamos em frente à McDonald´s. Eu escrevia. A Mulher objetos postava-se em frente ao M, compondo com o seu corpo naquele espaço. M. Mulher objeto.
Precisamos explorar mais a Praça Sete.
Mas, ontem, ali, nos perdemos. Desci a Amazonas, busquei-a na Praça Rui Barbosa. Praça da Estação. Onde estará?
De repente, a vejo. Do outro lado da rua, carregada de sacolas, numa alameda de luzes. Atravesso a rua. Ela senta-se em frente a um casal de mãos dadas no banco da praça. Desenho bunda e pernas. Mãos saem dos quadris. O desenho é interessante, mas o chão é árido. Já começo a criar preferências. Ah, adoraria poder deitá-la no asfalto. Desenhá-la em meio aos carros. Parar o trânsito.
Ela atravessa a grande avenida, avança para a Estação. Caminha entre os pontos de ônibus e deita-se na passagem dos pedestres. Afeiçoei-me às passagens de pedestre. O chão é liso e inclinado. O espaço é razoável e atrapalhamos o trânsito.
“Vocês são de algum movimento feminista? O que é isso? É teatro?”
A última morta deixamos sob o viaduto de Santa Tereza: Samy, 20 anos. Morena mestiça. Sapeca e safada.
É preciso ser mulher até o osso.
Deixamos o último traço e partimos. Eu bastante feliz. Achei o fio dessa meada.
Hoje até vou ao Maletta. É preciso beber as mortas.
Nina Caetano

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