agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

domingo, agosto 17, 2008

384 x 281

11/08/2009

A preparação do ator. Vestir a roupa como ritual, como se veste defuntos vivos, construir um pré-velório de indumentárias, revestir a pele, cobrir partes castigadas pelo calor e pelo breu, tirar a calça por debaixo da camada de tecido para não ferir a humanidade pura, barganhar a cueca pela calcinha (detalhe para o cliente ordinário não descobrir). Revestido, há de carregar a mala. Atravessar. Quantos passos femininos bastam para ir e voltar? 384. Quantos passos masculinos bastam para ir e voltar? 281. É matemática. Atravessar, em gênero, é uma questão de matemática.

Primeiro o kimono cruza. Calcinhas penduradas no membro. Cortar a praça em estado outro que não o de cada dia, que não de mulher, que não de gueixa. Só isso! Lugar comum. Gueixa? Queixa? Samurai? Retirante? Protestante? Vendedor? Não mexer com ninguém, não violentar, não violar. Ludicidade apropriada como sinônimo de corpo coberto. Olhar o que cerca, traçar o caminho por entre todos, segurar os membros com cuidado e seguir em diante. Instalação movediça. Um corpo, um kimono, calcinhas e mais nada. A mancha se locomove por entre transeuntes. Comentam, comem, esperam, correm, param:

O quê que significa isso? (mostrei a calcinha)
Mas o quê que significa isso? (insisti com a calcinha)
Não entendi o lema! (aproximei a calcinha)
É sobre doença? (espichei a calcinha)
Mas não tem nada escrito! (reaproximei a calcinha. Olhou de perto)
Ah, é sobre doença! (acenou para o ônibus. Segui a caminhada)

“O gesto é aquilo que fica em suspenso em cada ação voltada para um objetivo: um excedente de potencialidade, a fenomenalidade de uma visibilidade como que ofuscante, que ultrapassa o olhar ordenador – o que se torna possível porque nenhuma finalidade e nenhuma reprodutibilidade enfraquece o real do espaço, do tempo e do corpo”.

Diálogo que não encontra a resposta no registro da realidade, que não mimetiza e nem tenta abarcar algum todo de real. Movimento como respostas. Isso me interessa. Restos e sobras me interessam, tudo que escapa. O gesto deixa escapulir, fugir. O gesto não responde, não cerca, não impõe nada, dispõe deslizes possíveis. O gesto desloca.

É protesto!

É vendedor de calcinha! Cada um faz o que dá pra ganhar a vida!

Ouvi. Ouviram. Volto ao ponto de partida. Retiro a indumentária. Limpo na calcinha a cara marcada de vermelho. Ritual de retorno à vida, desvestir o réu assassinado, retirar o véu, desfalecer o morto, revivar, vivalma. A mesma trajetória, de calça, sem calcinha, com mala. Passadas firmes e corpo veloz. Ninguém observa, ninguém comenta, ninguém vê. É preciso morrer, se aproximar da morte, para ser notado. É preciso morrer para transformar, para performar.

Nada ainda foi feito. Tentar, tentar, tentar. Daqui pra frente, vou prender mais, mover menos, locomover com dificuldade, marcar os passos, acentuar o gesto: objeto feminino que violenta o físico, tudo em exagero, em paroxismo: criar superclichês, supersignos. Instalação movediça. Instalar para entalar. Prestar vista ao vendedor de calcinhas (usadas). Sem personagem, sem linearidade, se historinha. Os objetos claros vão sujando de vermelho, quero o branco tinto. Pretendo ainda a-ca(n)tar, um dia. Desejo atravessar pelo real da caricatura e ensinar nada.


A citação: LEHMANN, 2007, p.342 (risos de clown e gargalhadas de Nietzsche)