agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

sábado, setembro 01, 2012

Ressonâncias do Performatite - um texto para reflexão


Advertência / “Há de se ver tensa” a relação entre Performance e Universidade

Clóvis Domingos

(texto criado, experimentado, fragmentado e partilhado em 22/05/2012 para a Mesa Redonda: “Performance, Universidade e Formação” na Ocupação PERFORMATITE / VIII Semana de Artes da UFOP).





A Universidade pode ser pensada como um grande corpo. Um corpo formado por muitos outros corpos: corpo docente, corpo discente, corpo displicente, corpo indecente etc.
Não sei se a prática da arte da Performance nos cursos de Artes Cênicas tenha se transformado numa performatite (doença que não pega em qualquer um. Há que se ter certa predisposição). Mas que ela causa problemas, confusões e tensões, isso eu acredito que aconteça sim. 

Sabemos que o teatro se deixou infectar e contaminar pelas práticas performáticas artísticas. Hoje no teatro contemporâneo falamos da presença de um teatro performativo (Josette Féral) ou teatro pós-dramático (Lehmann). O fato é que a teatralidade, historicamente, está em queda há mais de 150 anos e a performatividade vem assolando uma série de espetáculos e experiências atuais, borrando os conceitos e fronteiras entre as linguagens.

Então, hoje, num curso de Artes Cênicas, é inevitável não se coexistir práticas de encenação dramática e experimentações e pesquisas performáticas. Professores e alunos inquietos trazem para a sala de aula propostas e indagações artísticas que problematizam e desestabilizam conceitos até então confortáveis como: cena, ator, treinamento, representação, método, espetáculo, teatralidade etc. Detecta-se aí o aparecimento de um ponto de tensão, que exige pesquisa, diálogo, disposição (de ambas as partes) para se abandonar referências tradicionais e teóricas; e se poder analisar o fenômeno, aquilo que acontece, aparece, revela e provoca. Como diz Rilke em “Cartas a um jovem poeta”: amar mais as perguntas do que as respostas.

O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE: NÃO EXPLICAR É PREJUDICIAL À SAÚDE.

A prática da arte da Performance produz  ações e efeitos contraditórios: aguça a curiosidade, seduz artistas pela transgressão dos gêneros artísticos, atrai a atenção de todos e ao mesmo tempo provoca desconforto, mal estar e repulsa. Olha aí mais um ponto de tensão. Há um estímulo à prática (deve ser porque ela é contemporânea e todos queremos ser a vanguarda) e depois, em alguns casos, há muita reclamação e dor de cabeça. Eu já presenciei esse fato algumas vezes e em diferentes lugares. 

A Performance pode inclusive adoecer àqueles que são adeptos de um teatro muito robusto, muito saudável, gordo. Forte, alimentado e praticado por séculos. Muito equilibrado psiquicamente. Organizado demais... Nesse caso, a Performance se apresentaria como a ameaça de uma doença crônica que traz mau cheiro, náusea, vertigem e pede um tratamento intensivo de sanidade, clareza, objetividade e um bom acabamento.

A nós artistas-pesquisadores dessa inflamação, dessa Performatite, essa doença se configura como nossa saúde plena. Nossos coletivos desejam isso: uma arte sempre de rupturas, escapando de conceitos fixos e duros; de repetição. Com uma dimensão anárquica que é OBSCENA, NÔMADE E A-LÍNGUA, LÍQUIDA NAS AÇÕES, E QUANDO É COISA ENTÃO SE TRANSFORMA NUMA INCRÍVEL LARANJA PODRE PERFORMÁTICA. Aqui brinco com os nomes dos coletivos presentes nesse evento. Mas,

 os sanitaristas da arte de plantão me avisam:

O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE: UMA LARANJA PODRE CONTAMINA UM CESTO INTEIRO.

Mas os coletivos artísticos (que aqui se encontraram e trocaram práticas) devem ficar atentos para não se curarem dessa performatite tão necessária. Afirmo isso porque corremos o perigo de sabermos demais, termos certezas e fórmulas prontas, enfim, não estarmos mais contaminados pela dúvida, pelo risco, pelo processo, pelo não-saber, pelo fazer e experimentar. Sem muito juízo de valor, o que pode possibilitar o surgimento de novas formas de criar e viver.




Cursos de Artes Cênicas também correm o risco de propor práticas performáticas, mas não permitirem que o vírus da performatite invada seus corpos, cabeças, espaços e ideias. Podem institucionalizar a arte performática, aprisioná-la, estabelecerem critérios muito empobrecedores etc. E então o que se experimentará será apenas uma visão histórica dessa prática, seus textos, seus cânones, seus mestres e referências...tudo muito organizado, asséptico, contornado, nomeado e ... bem sob controle.

O fato é que a Performance é um boi com sete chifres, é também um travesti e faz feitiçaria assombrando os mais desavisados. É uma intrusa em festa muito calma, come feito mendigo, incomoda e pode até ser alvo de violência. Claro, a Performance também é um ato violento em suas variadas manifestações. Violenta os sentidos, as tradições, as regras e pode fazer isso com extrema delicadeza ou com então com escárnio sobre algumas situações. Há gosto para tudo.

Como não se lembrar de uma ação performática tão violenta (e poderosa) como a Performance BIXO (realizada por Romênia Moura e Daniela Moreno no restaurante universitário da Ufop em 2007), que num ato inconfidente, denunciava o autoritarismo das repúblicas federais da Universidade e seus moradores com seus cruéis rituais de iniciação e regras absurdas com os novatos que “batalhavam vaga” nessas casas estudantis?

Nós, alunos dessa época, não suportávamos mais o triste espetáculo de humilhações e aberrações que aconteciam nos restaurantes. “Bater bandeja” – um pobre e automatizado ritual de corpos domesticados a produzirem barulho e não permitirem um momento de calma na hora das refeições. Tudo isso sustentado pelo peso de uma tradição burra, e o pior, contando com a irresponsável cumplicidade da Universidade, que até então não tomava nenhuma medida. 

Mas BIXO gerou agressões verbais, comida espalhada pelo chão, ameaças de violência corporal, o teatro de horrores agora na cara de todo mundo e foram necessárias reuniões institucionais de urgência, proibições, presença de fiscais nos restaurantes; ações incisivas e decisivas, um momento de muito medo e tensão, mas que anunciava a chegada (tão esperada e batalhada) de NOVOS TEMPOS.

Destaco então a dimensão política desse ato performático, que foi além de uma proposta estética, foi um ato de coragem, posicionamento e provocação direta a um sistema opressor.
Eu, em quatro anos de vivência do meu curso aqui, nunca deixei cair um talher no chão. Que medo de baterem bandeja para mim! Sou um exemplo. Puro controle. Controlado.

O MINISTÉRIO DA SAÚDE SE DIVERTE: EVITE CONFRONTAÇÕES.
DISCUTIR TRAZ DANOS AO CORAÇÃO.

Tentando terminar: para mim a potência de uma ação artística performática está em sua força e coragem de não deixar se silenciar as infinitas manifestações da vida. Então não são mais arte e vida separadas, tudo é uma só coisa, um entrelaçamento poético, que transforma a quem faz e a quem testemunha e participa.

E devemos, todos nós, ficarmos alertas, para não cairmos na armadilha de apenas discutir e teorizar o que seja a dita Performance. O academicismo, apenas enquanto teoria, pode ser nocivo nesse caso. A prática performática se articula entre ação e teoria sim. Fazer-Pensar caminham juntos. É que nossa razão e inteligência desejam vorazmente conceitos e referências, e muitas vezes não nos arriscamos na prática da experimentação. Que mesa redonda (e quadrada) mais prestigiada hoje! Quanta saúde, quanta vacina, quanta gente jovem, que pele boa!!!

Onde estão os corpos em estado febril e delírio poético?
Sentados? Passivos? Alienados?
Mas como? Onde estão os corpos que dançam feito Deuses? Eu só acredito neles... Corpos em trabalho, agonia, prazer e alegria!

 Isso é uma advertência?

Falta dança, jogo, corpo e ousadia?

Então é preciso adoecer para se ter saúde na criação. Há de ser tensa nossa relação com a arte. Senão nesse “crepúsculo dos deuses”, apenas reverenciaremos os que já criaram a GRANDE OBRA e acabaremos os repetindo...

MAS NÓS PODEMOS SER DEUSES!!!

Um corpo infectado de ideias, frágil, tenso, mas vivo e vivificante. Um deus-performer, deformer, deformado, encarnado, multiforme e sem formas... Mas que dança seu “maracatu atômico”!

O resultado do exame deu positivo.

No mundo das artes, da Universidade, da cidade e do cotidiano, fica uma pergunta:
 Por onde andarão os corpos reagentes?

---- As imagens são de Clarissa Alcantara.

3 comentários:

Anônimo disse...

muito que bem !
correto : deus é criador , não pode ser criatura !
Crer não é doença , mas se for deve ser no campo da ftalmologia ! beijo , J.

EsquizoZito disse...

Que doença da ordem da saúde que tantos outros já disseram.

Bom demais perceber a vida que a doença do texto trata, essa que nos infecta e nos move: performance.

Mais que reativos, há corpos afirmativos de performance nas Universidades, no cotidiano,que desnudam a doença da ordem institucionalizada!Performance!

muito bom!!

Leandro Silva Acácio disse...

Agora, sou portador desse texto, infectado por ele.

Bravo!