agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

sexta-feira, setembro 21, 2012

O beijo



Próximos daqui, Bernard, Neville, Jinny e Susan (mas não Rhoda) afagam os canteiros com as suas redes. Caçam as borboletas que pousam nas flores. Varrem a superfície do mundo. As redes estão cheias de asas esvoaçantes. “Louis! Louis! Louis!”, eles gritam. Mas não podem me ver. Estou do outro lado da sebe. Entre as folhas existem apenas diminutos orifícios para espreitar. Oh, Deus, fazei com que passem! Fazei com que deponham suas borboletas sobre um lenço no chão. Fazei com que contem as suas borboletas com manchas pretas e amarelas, as suas vanessas e borboletas-da-couve, mas que não me vejam. Sou verde como um teixo à sombra da sebe. Estou enraizado no centro da Terra. O meu corpo é um caule. Espremo o caule. Uma gota poreja na cavidade da boca, vagarosa, densa, e, aos poucos, vai-se tornando maior, cada vez maior. Agora, qualquer coisa cor-de-rosa passa pelo orifício. Agora, o raio de luz de um olho desliza pela fenda. A luz que dele emana incide sobre mim. Sou um menino num traje de flanela cinza. Ela me encontrou. Um toque na nuca. Beija-me. Tudo se desmorona.
Eu corria depois do café – disse Jinny. – Vi folhas que se mexiam num buraco na sebe. Pensei: “É um pássaro em seu ninho”. Afastei os ramos e olhei, mas não vi pássaro nem ninho. As folhas continuavam a mover-se. Fiquei assustada. Passei correndo por Susan, Rhoda, por Neville e Bernard, que conversavam no galpão. Enquanto corria, cada vez mais depressa, eu gritava. O que movia as folhas? O que move meu coração, minhas pernas? Foi então que aqui cheguei e te vi, verde como um arbusto, como um ramo, muito quieto, Louis, com os olhos vítreos. “Estará morto?”, pensei, e te beijei. Por baixo do vestido-rosa, o meu coração saltava como as folhas que, sem nada que as faça mexer, não param de oscilar. Agora, sinto o aroma dos gerânios; agora o cheiro do húmus. Danço. Ondulo. Sou lançada sobre você como uma rede de luz. E deixo-me ficar deitada sobre você, tremendo.
Pela fresta na sebe, eu a vi beijando-o – disse Susan. – Ergui minha cabeça do vaso de flores e espreitei pela fenda da sebe. Vi-a beijando-o. Vi Jinny e Louis beijando-se. Agora, vou embrulhar minha angústia dentro do meu lenço. Vou amassá-la numa bola apertada. Antes das aulas, irei sozinha ao bosque das faias. Não ficarei sentada à mesa fazendo cálculos. Não vou sentar perto da Jinny e do Louis. Vou levar minha angústia e depositá-la nas raízes, sob as faias. Vou examiná-la, pegá-la entre meus dedos. Não me encontrarão. Comerei nozes e procurarei ovos em meio aos espinheiros, meu cabelo ficará emaranhado, e vou dormir sob as sebes, bebendo água das poças, e vou morrer lá.
Susan passou por nós – disse Bernard. – Passou pela porta do galpão com seu lenço todo amassado numa bola. Não chorava, mas seus olhos, tão bonitos, estavam apertados como os de um gato antes do pulo. Vou atrás dela, Neville. Vou atrás dela com todo o cuidado para estar a seu alcance, com meu interesse, para confortá-la quando toda aquela fúria explodir e ela pensar: “Estou sozinha”. Agora ela atravessa o campo com toda a calma, para nos enganar. Agora chega à encosta: pensa que ninguém a vê e começa a correr com os punhos cerrados. As unhas cravam-se na bola em que o lenço se transformou. Corre para o bosque das faias, para longe da luz. Quando chega, abre os braços e entra na sombra como se nadasse. Mas está cega depois de tanta luz, e acaba por tropeçar e cair junto às raízes das árvores, onde a luz aparece e desaparece, inspira e expira. Os ramos movem-se para cima e para baixo. Aqui, a agitação é muita. Há sombra e a luz é indecisa. Tudo está pleno de angústia. As raízes formam um esqueleto no solo, com folhas mortas amontoadas nos cantos. Susan espalhou sua angústia. Pousou o lenço nas raízes das faias e soluça, dobrada sobre si mesma no ponto onde caiu.

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