O interessante é que em minhas cartas para a ação CIDADE DOS AFETOS, escrevi que a cidade sofria de "Adultorexia" e havia perdido sua dimensão lúdica e brincante, por isso precisava de remédios, policiamento e orações. E também propus um ritual de cura (influência direta de uma ação proposta por Saulo Salomão nesse ano), na verdade uma mudança de atitudes e comportamentos por cada um de nós: como conversar com as pessoas, abraçar crianças e praticar pequenas sutilezas e gentilezas urbanas/humanas.
Eu mal poderia imaginar que seria uma criança a responsável pela circulação de meus textos. São "nós" que foram se juntando e que para mim ampliam a potência dessa ação/intervenção. Outro pedaço curioso disso tudo: quando segurei os envelopes coloridos, meu corpo teve uma enorme vontade de brincar. Corpopensamento. Corpoacontecências. Depositei os envelopes no chão e fui inventando formas, trajetórias e cruzamentos para aquelas cartas de um baralho agora infantil. Um delicioso jogo de criar e montar desenhos. Até que resolvi fotografar essas criações, essas "creanças".
Dias depois, quando fui publicar tais imagens no blog, lá vieram mais brincadeiras: a cada imagem eu criava pequenas frases. Pareciam propagandas e manifestos num convite à construção de uma Cidade dos afetos. E à apropriação dessa arquitetura do Humano. A cidade somos nós! Um "devir-criança" já aparecia ali também. O tempo todo vivi um processo lúdico até as cartas encontrarem o menino performer. Será que as afetações do meu corpo ao brincar com as cartas deixaram nelas uma infância virtualizada? Que magia será essa? Será a força do acaso ou a beatitude dos acontecimentos? Ou os dois? Ou nenhum dos dois?
Agora desejo aproximar a criança com o artista. Posso? Vamos lá: espírito de liberdade e transgressão, presença, entrega, intuição, sensação, caos, imaginação, curiosidade, perigo, inquietude, experimentação e coragem para abraçar e tentar transformar o mundo como se ele fosse uma caixinha de papelão. Ainda existem crianças e artistas desse jeito? Sim. Heitor me confirma isso.
Eu brinquei. Heitor brincou? Espero que a cidade brinque! E pense na importância dessa mobilização realizada. Quando brincamos, celebramos o encontro coletivo e fazemos paz. Bom mesmo é brincar junto. Como no Obscena. Como nossas ações poético-urbanas no espaço público. Alteridades reconhecidas. Arte e vida partilhadas. Brincadeira também é coisa séria.
3 comentários:
muito legal, Clóvis! e o texto, uma delícia! continue brincando... beijoca.
maravilhoso, clóvis! esse trabalho seu com o afetocidade é tão bonito! queria também ter estado na praça com as crianças e heitor.
forte abraço,
Davi, você me inspira com seu comentário:
" afetocidade!
Queria ter estado na praça
Estado de graça
ludi-cidade...
Heitor e as cartas
As cartas e as cores
As cores e os "nós"
Davi e sua voz"...
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