agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

sábado, dezembro 08, 2012

A Dança que pensa a cidade - uma conversa com Lia Rodrigues



Entrevista realizada por Clóvis Domingos no Teatro Klauss Vianna durante o FID (2012) no dia 27 de Outubro, antes da segunda apresentação do espetáculo PIRACEMA (Piracema é o nome dado ao período de desova dos peixes quando eles sobem os rios até suas nascentes para desovar. O termo tem origem na língua tupi e significa "saída de peixe", através da junção dos termos pirá:"peixe" e sem "sair"), o mais novo trabalho da Lia Rodrigues Cia de Danças (RJ) criada em 1990. Nessa entrevista para mim ficou a certeza de que a dança, entre outras manifestações artísticas, pode pensar nossa relação com os espaços da cidade.

- O meu interesse atual sobre teu trabalho é a temática que vejo em seus espetáculos, que é de “como vivermos juntos”. Isso aparece em POROROCA, de 2009, que assisti em Agosto no Teatro Sérgio Porto esse ano; e agora em PIRACEMA (2011), apresentado no FID. POROROCA é um cardume de peixes-bailarinos ruidosos, solares, com corpos explodindo no encontro com a diferença e com o outro. Ontem, ao assistir PIRACEMA, senti uma atmosfera mais lunar e melancólica, uma tristeza de nos pensarmos tão solitários, realizando cada um sua coreografia pessoal, mas todos tentando sobreviver e lutando para resistir. Há um momento no espetáculo em que uma bailarina canta “é impossível ser feliz sozinho”. É nisso que você acredita quando decide trabalhar colaborativamente com seus bailarinos e quando se muda para a Favela da Maré (conjunto de comunidades populares na cidade do Rio de Janeiro)? 

Lia: Eu acho que isso são escolhas de vida. Eu posso conversar isso com você de uma forma mais pessoal, claro, mas eu tenho já um tempo de vida, tenho 57 anos e é claro que durante esse tempo todo eu aprendi algumas coisas e tive algumas experiências na vida e no trabalho. Para mim é muito importante trabalhar junto, com, isso faz parte da minha escolha. É uma escolha. Não que a gente não possa ser feliz... Pessoas podem ser felizes sozinhas. Mas para mim quando meu trabalho fica mais legal é quando estou trabalhando junto com as pessoas. Quando a gente está junto com alguém. Então na relação com os bailarinos, por exemplo, é com meu encontro com eles e com o que eles são, é que se vai produzir uma terceira coisa. E eu acho que meu encontro com a Maré é também assim. E o outro é sempre diferente. E tem uma expressão que eu acho legal: “a gente tem que outrar”. A gente tem que virar o outro. Não virar o outro totalmente, mas olhar para a diferença e achar uma coisa que às vezes não combina, mas não faz mal, a gente está junto mesmo sem combinar, não precisa ser igual. Não dá para ser igual.

 Espetáculo "Pororoca". Foto de Sammi Landweer


 Espetáculo "Piracema". Foto de Sammi Landweer


No agrupamento OBSCENA, do qual sou pesquisador, investigamos as questões do espaço público, seus usos e proibições e a alteridade banalizada que vivemos hoje. A cidade se transformou num lugar de passagem e não mais de possibilidades de encontros e trocas humanas. Estamos ocupando o mesmo espaço, como em PIRACEMA, mas não estamos juntos de fato. Como provocar uma POROROCA (A palavra pororoca é de origem tupi e significa estrondo forte e barulho da natureza. A pororoca é um fenômeno natural que ocorre quando há o encontro entre as águas de um grande rio com as águas do oceano)  na cidade?

Lia: Ih, gente, sabe que eu não tenho a menor ideia. Não sei. Eu acho que talvez a gente pudesse pensar que cada um já provocando umas pororocas, várias pororocas fazem uma “pororocona”, um “pororocão”. Talvez a gente possa pensar cada um como que a gente provoca essa utilização diferente do espaço público, como é que a gente se provoca a si próprios também, na relação com o outro principalmente, nas posições que a gente toma quando faz escolhas, quando a gente vota, mas quando a gente escolhe onde dançar, por que dançar e como dançar. Eu falo dançar, mas pode ser performar, se você quiser, né? É difícil falar, tem tantas pessoas que a gente admira realmente, pessoas que se dedicam a essa questão, eu me sinto pouco preparada para responder essa sua pergunta, para dar uma resposta de alguma coisa que eu pudesse fazer. Mas dentro do que eu faço eu procuro pensar sobre essas coisas e estar com pares que pensam sobre isso também.

3  - Numa visada de tuas obras coreográficas parece-me que teu trabalho é sempre um estudo sobre o corpo. Uma desconstrução de um corpo dado como forma definitiva e “vestido” pela cultura, para reconstruí-lo em “FORMAS BREVES” (2002), um corpo “ENCARNADO” (2005), nos revelando “AQUILO DE QUE SOMOS FEITOS” (2000). Tua dança para mim é sempre um convite a um exercício de deslocamento da percepção do corpo. O Hans-Thies Lehmann, no livro “Teatro Pós Dramático”, afirma que o político na cena hoje é o “político da percepção”.  Isso dialoga com o que você busca em seu trabalho artístico?

Lia: Eu acho que sim. Eu achei muito bonito o seu texto. Eu acho que seu texto é uma visão que eu fico assim comovida de pensar que você se dedicou um tempo a pensar sobre o que eu produzo. Isso é sempre para mim uma coisa muito importante. Eu fico sempre admirada: nossa! Alguém está pensando sobre aquilo que eu fiz... Que coisa! A gente não tem muita essa noção assim... A gente tem tantas coisas que nos ocupam a cabeça, coisas cotidianas, então às vezes é difícil, às vezes dá uma solidão. Então é muito bacana pensar que tem alguém pensando sobre o que você faz. Eu acho que assim, o Jacques Rancière que fala da “partilha do sensível”, que a política está nesse lugar. Isso que você falou me lembrou essa questão: como a gente partilha um outro lugar e  que essa partilha dessa sensibilidade é que é uma questão política. Não sei falar muito bem sobre isso, mas eu percebo assim o que você me falou.

4  - Seu próximo trabalho será mesmo PINDORAMA para completar a Trilogia das Águas? Começa quando o processo de criação?

Lia: Eu acho que não existe uma coisa que começa porque a gente está sempre pensando. Estou sempre pensando sobre o que produzo, produzi e para onde eu vou. Então já comecei muito tempo lá trás quando eu fiz PIRACEMA, POROROCA, FORMAS BREVES, eu já estava pensando sobre isso, eu não tenho um momento. Tem um momento onde as coisas tomam uma forma que a gente apresenta, que a gente põe no mundo, né? Mas eu acho que eu tô elaborando há muito tempo e pensando: será que é uma trilogia? Não, eu não quero que seja uma coisa que encerra, eu gostaria que fosse uma coisa que me catapultasse para um outro lugar. Então quando eu falo tríptico eu gosto mais, porque essa ideia de trilogia dá uma ideia de uma coisa que fecha, são essas três... E eu gostaria de pensar no PINDORAMA, que na verdade é o nome que os índios chamavam o Brasil antes dos portugueses, é terra das Palmeiras. E não é aquático isso, mas eu gosto muito do nome. Adoro essa história de PPP, gosto que seja nome de raiz tupi, eu acho tudo isso bonito, a sonoridade é bonita. Eu acho lindo, mas assim, eu acho que vai se chamar PINDORAMA, mas pode ser que mude, e eu já estou pensando nele (esse espetáculo) desde sempre, digamos assim.

5 - Fico impressionado como você com a tua arte pensa e repensa o Brasil. Assisti ao vídeo de FOLIA (1996) na FIDOTECA e fiquei encantado com a força da cultura popular. Percebo também que a maioria dos seus espetáculos trata de nosso país. O pesquisador em Artes Cênicas Rodrigo Garcez chama de “antropofagia nômade” a ética do teu fazer artístico. Como você consegue ser tão local e global ao mesmo tempo e fazer uma arte mestiça?

 Lia: Eu sei que é o jeito que você olha o meu trabalho. O que ilumina o meu trabalho. Mas eu não penso sobre isso assim. Mas na verdade eu penso porque eu leio sobre isso. Então as coisas vão encarnando, para usar a metáfora do ENCARNADO. O fato de eu estar nessa escolha de estar com a Cia na Maré, também isso muda o meu trabalho. Mas eu não sei te dizer: ah, muda assim, mas eu estou lá há nove anos. O meu interesse pela cultura brasileira é desde lá de FOLIA, antes de FOLIA, então eu acho que talvez de alguma forma as pessoas que eu admiro e que pensam o Brasil, o Darcy Ribeiro e outros tantos, o Mário de Andrade. O FOLIA é totalmente ligado ao Mário de Andrade, e tantas outras pessoas que eu adoro ler, eu acho que talvez isso me alimente de alguma forma e eu fico feliz que isso possa aparecer. Porque eu acho legal, eu penso sobre isso, é uma questão para mim.

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