A trajetória é longa entre o desejo de uma ação e seu sucesso. Derrida associa o conceito de performatividade à sua relação com o sucesso da ação. Logo, um teatro performativo deve não só agir, mas também não fracassar no seu intento.
Cigana. Pomba gira. Mulher livre, voraz realizadora dos seus desejos. Como ação que se propõe não representacional: buscar esse estado em mim e sair pronta para fazer o que eu quisesse. O que eu quero e o que ela quer? Não representar. Usar os elementos: preto e vermelho, colares, anéis, taça e champagne nas mãos. Sair descalça.
Prontifiquei-me a me colocar nessa ação, experimento proposto por Idelino. Deveria percorrer a N. Sra. do Carmo e, depois, seguindo o trajeto que quisesse, chegar ao Shopping Cidade, onde eu deveria entrar. Devo dizer que não sou atriz. Sou dramaturga.
Lá fui eu com esse corpo de cigana: champagne na mão. Não foi fácil bancar essa mulher pelas ruas vizinhas à minha casa. Resolvi explorar algumas ações/relações com os espaços pelos quais passava. Mas o espírito era de coelho e meu corpo exposto me dava medo. Passei por uma vitrine cheia de sapatos de salto. Um vermelho me chamou a atenção. Do lado de fora, comecei a “experimentá-lo” no meu pé até assumir esse andar. Desci a rua calçando o meu salto descalço.
Alguns poucos momentos me senti sincera: na loja em que a moça me deixou experimentar um spray de cheiro de morango e saí dali tão perfumada. No vento que sobe a grade levantando minha saia.
As vitrines de salto alto me davam uma motivação: a dramaturga adentrando esse corpo de atriz (?) atuante. Colocava o corpo de outras mulheres dentro do meu. Mesmo assim, poucos momentos de sinceridade. Resolvi embarcar para o centro. 9106. Tomei o ônibus e meus companheiros – Lica e Idelino – ficaram para trás. Conforme o combinado, rumei para o Shopping Cidade. Mas antes, passei por outras lojas. C&A: entrei na loja portando minha taça de champagne. As bijuterias logo me atraíram. Grandes pulseiras de plástico. Vermelhas. Pretas. Brancas. Colares de contas ou de formas plastificadas coloridas. Experimentei vários. Experimentei lenços.
Rumo ao Shopping Cidade. Respiro fundo e entro. Logo um homem de preto vem atrás de mim. É proibido entrar no shopping descalça. Norma interna. Quero ver a norma. Aquilo atrapalha o homem de preto. Eles se comunicam com seus aparelhos. Uma vitrine de rosas vermelhas me atrai. Começo a passear no shopping enquanto aguardo a norma. Sorvete de casquinha. A norma não vem, mas vem o tenente da polícia militar. Chefe da segurança. Sairei assim que me mostrarem a norma. Até lá, me permitirei passear descalça, obrigada. Por mais inconveniente que a minha conduta possa parecer. Ou minha roupa de cigana puta inadequada. O bom é que em tempos de exposição de bonecas filés melancias samambaias na TV fica difícil considerar qualquer vestimenta imoral. Mais imorais são a minha liberdade absoluta e minha consciência dela. Meu corpo agora encontra sua sinceridade e quer desfilar nessa vitrine onde outros corpos se enquadram. Mesmo que meus pés descalços não caibam na norma invisível e que homens de preto me sigam.
Nina Caetano
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