agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

terça-feira, setembro 23, 2008

SOBRE DOIS PROCEDIMENTOS DE SETEMBRO

Segunda-feira de procedimentos nas ruas da cidade. Chego na Praça Sete à procura dos pesquisadores e me chama a atenção um pequeno grupo de pessoas lendo palavras e textos escritos dentro de desenhos e contornos de mulheres. Ah, sim, pensei......são as MULHERES MORTAS de Nina e Lica!!!


Logo depois chega Didi, quase nu, vagando perdido em meio à multidão que atravessa a praça a noite. Logo percebo os olhares incomodados das pessoas. Didi vai até um contorno de uma mulher morta e se deita ali, mas configura um novo espaço: está de óculos escuros e toma sol na noite da praça. Mais confusão e seu corpo desnudo e obsceno cria um acontecimento no centro da cidade. Um procedimento se alimenta do outro, o problematiza ou o desterritorializa.

Há gente que pára, gente que ri e gente que começa a xingar e reclamar dessa gente que "corrompe" as ruas de Belo Horizonte. Sou testemunha de um trabalho de alto risco e muita exposição. Realmente chego a ficar alterado e com as mãos frias.....

E logo depois vem atravessando a Afonso Pena uma mulher "absurda" de tão estranha, carnavalesca, objetada de coisas de casa e causando muita curiosidade entre os transeuntes. É Lica e sua caricatura dessa mulher domesticada que tem seu corpo violentado pelas boas maneiras de uma mulher culturalizada. Nina vem sempre junto e assim em "colaboração" elas rabiscam o corpo concreto da cidade e param o fluxo nas ruas.

Lica tem um trabalho mais teatral, ela parte de uma constatação do cotidiano real e vai para uma tentativa de ficcionalização dessa mulher. Já Didi tem um procedimento mais "fronteiriço": propõe um jogo ficcional para um outro interlocutor que recebe esse jogo como algo na ordem do Real. Marcelo Rocco traduziu bem esse trabalho: Didi parte do efeito do Real para atingir o Real.

Enquanto no trabalho de Lica e Nina percebi a questão do espaço e como cada lugar altera a potência do procedimento, no caso de Didi apontei a questão do LIMITE DENTRO DE UMA PROPOSTA ARTÍSTICA. Para o Didi fiz a seguinte provocação : até onde começa e até onde termina o jogo que você propõe ao outro nessa sua caminhada pela cidade? Você tem controle e consciência do jogo perigoso que você cria o tempo todo? O que você pesquisa nesse procedimento? O que você deseja pesquisar: estratégias de jogar mais lucidamente essa proposta ou como se colocar mais em risco? O fato é que se trata de um jogo tênue e que é necessário e salutar saber a hora de começar, continuar e parar.
Presenciar dois pastores pregando e exorcizando a pomba gira do corpo de Didi, que cantava e se divertia com tudo, ao mesmo tempo que jogava com esses homens, foi uma experiência maravilhosa e a constatação desse trabalho que coloca tudo em deslizamento: onde ficção e onde realidade? Fiquei muito impresionado com o que vi e vivi.
Foi mais uma noite de perguntas e muitas possibilidades de investigação.




Segunda-feira, 22 de Setembro de 2008. Teatro Marília. Porão. Procedimento coletivo envolvendo as pesquisas de Marcelo, Didi e Saulo. O universo da prostituição e do travesti. Seres da margem e da beira ? Várias questões se apontam.
Presenciamos momentos de alta exposição dos atuantes, até onde o limite e o constrangimento que vivenciamos?
Em meio a objetos espalhados pelo chão e a uma atmosfera de sexo, vertigem e agressividade, os performers Didi e Saulo se experimentam e nos experimentam. Beiram vários lugares jogando-nos na fronteira desse experimento: tempo real se mistura com tempo ficcional , ligações do celular ao vivo para profissionais do sexo causam interesse e até incômodo, enfim são muitos lugares sem definição borrando qualquer possibilidade de identidade.
Fico exausto com tanta perversidade, dor e exagero. Meus limites foram testados, mas consegui chegar ao fim. Momentos de nudez, cenas grotescas e lapsos e vazios invadindo o espaço o tempo todo.
Vejo o diretor Marcelo criando provocações para os atuantes e colocando músicas diferentes que sugeriam novas atmosferas de vivência. Houve um momento muito bonito: se escuta a Ave Maria e Didi de noiva está sentado solitariamente sobre uma caixa. O contraste cria uma imagem forte e traz sensações de abandono.
Saulo traz os belos textos de Caio Fernando Abreu em alguns momentos e Didi narra fatos e histórias de dor e violência. Num dado momento Didi fala de si mesmo e conta da relação com o pai e a negação deste diante da homossexualidade do filho. Parece-me que essa narrativa surge a partir do contato com uma gravata que trouxe a presença do pai. Didi então afirma : “Eu fico em silêncio e respiro”. Foi um momento tocante, de poucas palavras , mas onde se percebe que o sujeito ESTÁ ali.
Acontecem momentos em que os atuantes estão perdidos, fragilizados e até desesperados, tentando fazer algo, encontrar um sentido, mas estão exaustos, e isso é tão bonito de ver e partilhar.....
O trabalho falava dos CLASSIFICADOS, mas como , se também classificava a tudo e a todos? E a questão para os pesquisadores, como se apresenta? Como falar desse universo e deslocá-lo de um lugar já conhecido? Como dar um novo olhar? Se fala de qual é o valor de cada um no mercado da vida, quanto valem esses que se dizem pesquisadores de arte,ou melhor, meros pedaços de gente como toda gente?
Foram nas faltas, no caos, no desamparo artístico, quando não se tinha nada a fazer e a dizer, que tudo foi feito, dito e vivenciado.

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