agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

segunda-feira, setembro 01, 2008

'o mercado da buceta' - objeto miniaturizado + espaço urbano = representação em uma ação não representacional




Agora são 10:29 da manhã, segunda-feira, dia 01 de Setembro. O mês do cachorro doido passou e ela sente-se como uma cadela suja e só. Chora em seu quarto. Sente-se entupida e ao mesmo tempo completamente vazia. Na última quinta-feira, dia 28 da Agosto ela cumpriu com seu procedimento: 'o mercado da buceta'. Reuniu algumas mulheres e um homem e descera para a Alameda Ezequiel Dias, onde há 28 anos atrás ela foi parida, ou melhor foi puxada pra vida, pois sua mãe com 42 anos não tinha dilatação suficiente para cuspí-la para o mundo. Isto deu-se numa segunda-feira, dizem que quem nasce nas segundas trabalham muito a vida toda. E ultimamente é só o que ela tem feito: TRABALHAR. Um tanto para pagar as dívidas da vida moderna, um outro tanto para não sucumbir a dor que ainda habita em si.
Às vinte horas estava ela já molhada, com uma sacola de brinquedos na mão esquerda e um balde d'água na direita. Ela quer lavar suas dores e também limpar de si toda a conformação que o 'mercado da buceta' a imprimiu durante esses 28 anos de vida. Acompanha o procedimento de Patrícia, em seguida o de Saulo e enfim, convida o público a acompanhá-la a Alameda. Está nua por baixo do vestido transparente e molhado. Mas, as pessoas não querem se incomodar com esta mulher molhada que desce a rua. Medo? Indiferença? É teatro? Enfim, seja o que for é melhor continuar no ponto de ônibus e ir para casa descansar para o outro dia de trabalho...
Escolhe um canto mais iluminado da calçada do Parque Municipal, quase em frente ao Hospital da Previdência, onde nascera. Ali será o local do despacho. Chama as mulheres para brincar de casinha e pede ao rapaz que apenas observe. Ele é gentil e mantêm-se onde nós o permitimos ficar. Ela distribui os brinquedos, primeiro Lica ganha uma vassoura e um rodo, ela varre o espaço para construirmos a casinha. Nina ganha o jogo de chá, Patrícia o jogo de bloquinhos de montar 'o castelo', as demais ganham panelinhas, fogão, cestinhos... Todos os objetos são miniaturas.

"A miniatura é uma das moradas da grandeza."

"A miniatura estende-se até as dimensões de um universo. O grande, mais uma vez, está contido no pequeno."
Gaston Bachelard, 'A poética do espaço'

Trabalhar com objetos que representatam 'o quê' a sociedade reserva à educação da mulher, estando estes em forma de miniatura é o que a interessa. Concentrar imagens dilatadas. Condensar na miniatura a história que há séculos vem escrevendo para a mulher. O manual de boas maneiras pequeno burguês exemplificado minimamente e universalmente. ?O 'mercado da buceta' em miniatura dentro do grande mercado que é nossa vida cotidiana.
Ela sente-se como uma carne no açougue. Uma carne tenra, suculenta que muitos querem comer, mas nenhum até agora quis germinar, frutificar. O homem consome a mulher e a ainda a presenteia com os objetos que farão suas vidas mais gostosas e fáceis. E na loja de brinquedos isto está bastante claro: liquidificar, batedeira, geladeira, carrinho de supermercado, bebês, bonecas sexis, tudo em miniatura para criar e educar 'mini sexis donas de casa super poderosas vacas maravilhas' que à noite irão se entupir de cremes e remédios anti tudo que é natural para manter uma aparência representativa da boa mulher comedida e respeitada.
É possível manter-se fora desse esquema? É possível amar um homem sem ser sugada por ele? É possível conceber um filho e não ter que se responsabilizar sozinha por este ser humano nascido de dois seres humanos? É possível ser desejada mesmo não sendo conivente com a beleza midiatizada programada escolhida? É possível ser quem sou? Ou mesmo exercitar o meu ser sem ser?
Ela e Lica decoram a grade do Parque com retalhos de seda enquanto as demais recolhem folhas secas para brincar de comidinha. Não infantilidades nas ações, há o jogo, o corpo prontificado por uma memória de infância suscitada pelo objeto. A tradição que constrói e transforma nossos corpos em 'corpos dóceis'. Em roda as mulheres já serviram chá ao rapaz e assim ela o permite sentar-se.
Uma mulher se aproxima quer saber o preço da calcinha que foi colocada na grade. Ela pergunta pra mulher quanto ela daria pela peça _uai? eu num dou preço não o preço quem tem que dá é ocê que tá vendendo! sua voz estão meio amolecida pela bebida, mas ela toma uma coca-cola.
Lica assume a negociação. Entre preço e perguntas a mulher desabafa _ eu nunca tive a oportunidade de brincar de casinha, já pequena eu tinha que ajudar em casa, só agora com minha filha que eu posso brincar. _minha filha tem Lupos, eu descobri esse ano. _Mas quanto é a calcinha mesmo, cinquenta centavos?
E assim, a mulher ficou ali com as outras mulheres e mais duas outras vieram muito timidamente, olharam mas não quiseram olhar-se no espelho. Outras olharam-se, ajeitaram os cabelos, assim como Ana, que muito traquilamente admirou-se. Um momento belo. Uma mulher reconhecendo sua imagem no espelho vagabundo.
Ela não olhou-se. Sabia exatamente como estava e não queria mais que a imagem central construída. Os cabelos molhados escorridos na testa, os seios eriçados, o ventre e bunda proemientes, pés no chão e a menstruação escorrendo pelas pernas...
Ela precisa de sangue, ela precisa de espaço. Ela não quer 'mais do mesmo' e caminha em busca daquilo que não é premeditado e sim daquilo que é ação.
Por fim, após angariar duas calcinhas a um real cada a mulher se despede das qeu brincam, fala sobre generosidade e humildade antes de ir, abençoa a todas e vai, não sem antes querer levar consigo o rapaz que nos acompanhava. De fato é um moço belo.
Ela vai para o centro da casinha. Coloca numa cestinha coberta de seda as quatro alianças qeu trazia em seus dedos, representações de um amor, deposita-a a seus pés, recolhe o balde d'água e entrona-o em si, da cabeça aos pés. Sacode-se como uma cadela e saí avante, sem olhar para trás.

Nenhum comentário: