agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

sexta-feira, abril 14, 2017

Do crível ao incrível na cidade


A finalização da oficina “Tatuagens urbanas: inscrições no corpo da cidade” foi com uma ação coletiva de caminharmos pelo centro urbano e lermos textos diversos para as pessoas. Na obra “ A Invenção do Cotidiano” de Michel de Certeau há um capítulo sobre caminhadas na cidade que articulo com minha experiência vivida recentemente na oficina. Certeau vai aproximar as enunciações linguísticas e textuais às enunciações pedestres vendo nisso um percurso análogo. O jogo dos passos e o jogo das palavras (sentidos), moldando espaços e tecendo lugares de encontro, afeto, estranhamento e conflito.  Gestos próximos a alagamentos, desvios, vazios, elipses e re-escrituras  na vida ordinária da cidade.

Nessas aproximações entre práticas espaciais e práticas significantes, o referido autor vai identificar três instâncias: o crível, o memorável e o primitivo. Seriam dispositivos simbólicos presentes e ao mesmo tempo fugitivos à sistematicidade urbanística. O crível estaria ligado a ideia de legenda, o memorável seria o aspecto da lembrança e o primitivo abordaria o sonho.

O crível como habitável é o que permite a funcionalidade da vida urbana com seus códigos e normas. O memorável como aquilo que se repete pelo exercício da lembrança e pode presentificar ausências. E o sonho, como o infantil, aquilo da categoria do lúdico, de uma erosão à uma certa racionalidade e dimensão adulta presente nos espaços.

Um dos encontros mais bonitos que tive foi com um jovem trabalhador de uma pequena mercearia no centro da cidade, que ao me ouvir lendo trechos da obra de Clarice Lispector, também afirmou que a vida é absurda. E me apontou num canteiro localizado na Av. Augusto de Lima uma ÁRVORE que por dois anos foi sua casa. Ouvi narrativas tão surpreendentes desse jovem que escolheu viver debaixo de uma árvore, que o crível se transformou em incrível.  O EXTRAORDINÁRIO VIVER!!!!

O livro do mundo mais surpreendente do que o livro poético! Matheus habitava a casa do jovem e depois leu para ele alguns poemas que trazia. Para Douglas que espaço seria aquele? Sua casa e sua rua e sua cidade? Público ou íntimo? Entre-lugar? Lugar de quem?

Foi nessa caminhada obscênica que experimentei a subversão das legendas (códigos de leitura e usos da cidade) pelo memorável e pelo sonho! O deslizar e deslocar nas superfícies legíveis cria na cidade planejada uma cidade metafórica e subjetiva.  Aquela árvore para mim ganhou agora nome, identidade, memória, singularidade! Aquele canteiro agora se tornou um lugar tatuado em minha pele.

“UMA ENORME CIDADE CONSTRUÍDA SEGUNDO TODAS AS REGRAS DA ARQUITETURA E DE REPENTE SACUDIDA POR UMA FORÇA QUE DESAFIA OS CÁLCULOS” (KANDINSKY APUD CERTEAU, 1994, p. 191).

Mas talvez uma força mínima, quase uma "arte fraca", a tática como astúcia na visão de Certeau. Uma cidade surpreendida por uma tática de carne que desafia e subverte os cálculos e  o planejamento de pedra, numa alusão ao livro de Richard Sennet. 

Um cruzamento de duas táticas nessa experiência: a tática ordinária de Douglas com a criação de sua casa-árvore em meio à cidade e a produção de uma tática poética de nós, experimentadores da cidade, o que nos permitiu pela ARQUITETURA DOS ENCONTROS celebrar arte e cotidiano como elementos extraordinários.

Isso de repente é arte? Isso é de repente cidade? Penso que isso é cidade SEMPRE, em suas suburbanas e impensáveis marcas e inscrições. Enunciações mínimas e profanas. Gestos clandestinos. Tatuagens e atuagens humanas. Das legendas inscritas às sub-inscrições temporárias.


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