Novas
(velhas) sonoridades obscênicas da cidade - texto escrito antes da apresentação do dia 25:
Voltamos
à alegria dos corpos que dançam, cantam, giram e inflamam. Mais um
novo convite do CCUFMG para uma apresentação do “Sonoridades
Obscênicas”. Tudo começou há dois anos com um convite do mesmo
CCUFMG para participarmos do “Música e Poesia”. E agora, o que
trazemos de novo e o que mantemos? Quais seriam as novas sonoridades
e gestualidades da cidade?
Entre
conversas e experimentações (que foram muito poucas, mas urgentes e
intensas) surgiram novos quadros/paisagens cênicas: vamos abrir com
“Cidade em obras” uma polifonia de sons de construção,
meio canteiro de obras, remetendo às eternas intervenções estatais
que acontecem na cidade e dificultam nossa mobilidade. Objetos como
vassoura, cones de trânsito, ferramentas e apitos revelam esses sons
e barulhos que se tornaram nossos infernais companheiros nos últimos
meses. Além de formarem instalações cotidianas provisórias
sinalizadoras de impedimentos de trajeto corporal pelos espaços.
Então a Av. do Contorno se tornou, por exemplo, Av. do Transtorno.
Espaço e tempo transtornados e alterando nossos fluxos e humores.
Foto de Clóvis Domingos
Uma nova
sonoridade a ser destacada agora: a multivocalidade urbana dos
protestos e manifestações que aconteceram na Jornadas de Junho em
várias cidades brasileiras. Escrevi e lerei o poema-manifesto “Pode
crer” que será acompanhado depois de um trecho de “Opinião”
na voz de Nara Leão e corpos marchando com cartazes em branco. Uma
provocação, pois podem ser lidas diferentes mensagens, ao mesmo
tempo que pode significar ser apenas um momento em branco, uma folha
perdida, uma onda que passou... Será?
Nos
“classificados da cidade”, com a leitura de Clarissa e
Admar, surgiu uma máquina corporal-sexual coletiva com corpos
encaixados e excitados, formando uma imagem muito interessante. Eu,
como o Anjo, farei poses religiosas (fechar os olhos/tapar os
ouvidos/calar a voz/gesto de clamor e perdão por aqueles
“pecadores”) e depois encarnarei a “ordem e a moral” tocando
um sino e interrompendo aquela orgia, feito a madre superiora quando
flagra as crianças brincando sexualmente nos corredores do colégio
interno. Um misto de controle/descontrole/descontrola.
Outro
momento re-inventado: o da “homenagem ao Wando”, que
brincaremos com o trocadilho “vândalo” e falarei que falta eros
na cidade, falta prazer no Poder, e por isso nos jogam gás e pimenta
quando queremos “transar” com o espaço público. E nós jogamos
calcinhas como símbolos de alegria e festa. Corpos que desejam gozar
e transformar! Chega de PM (polícia militar), queremos PA (polícia
do Amor).
Lissandra
trouxe um poema tão raivoso para ler e de repente Joyce, a DJ,
soltou um som: “calma” e disparamos a rir feito loucos, num
momento de epifania pura, acontecimento, acaso e encontro. Foi uma
quebra fantástica, uma aparição, subverteu uma paixão triste. Um
tempero maravilhoso. Uma linha de fuga. Flávia deseja dar uma repaginada em nossos figurinos. Vem luxo por aí!!!
Continuaremos
cantando pontos de macumba porque neles reverenciamos as
entidades protetoras das ruas. Penso que a macumba, a oferenda na
esquina (coisa rara de se encontrar hoje na cidade tão asséptica)
também é uma instalação, um dispositivo cênico, plástico e de
importante teor político diante do perigo de uma cidade considerada
somente cristã. E nessa hora lembro da ação “Salve Padilha,
Cheia de Graça” que realizo com a Erica Vilhena há três anos
consecutivos. Pelo menos uma vez por ano acontece uma caminhada
vermelha pela cidade. Poetizar espaços pela violência aos símbolos
cristalizados e instituídos. Violentar representações
mercadológicas e patriarcais da mulher, dos corpos e da própria
gestualidade civil e cordial ( usamos máscaras sociais) da cidade.
Penso que
esse trabalho de experimentação cênico-musical promove algumas
“práticas de visibilidade” contra a violência e o silenciamento
impostos aos corpos. Seja pela repressão sexual, moral,
governamental e policial. Somos corpos proibidos!!! Sonoridades
é festa, êxtase, excesso, catarse, deboche e libertação. Carnaval fora de
época programada pelo Estado, mas vivenciado por corpos
indisciplinados no agora de nossas existências.
Sonoridades
é um terreiro (de samba e de umbanda), caldeirão mágico, espaço
da alegria e brincadeira, do prazer para corpos que se encontram, se
afirmam como demasiadamente humanos, famintos e potentes e se “está
ardendo, não assopra”. Mas deixa queimar...
2 comentários:
ah, que vontade de ter visto/participado desse sonoridades, minha gente! que delícia te ler, clóvis. instiga a gente.
já viu a antologia do vinagre? acho que vai te interessar...
http://www.mediafire.com/view/3fkqdb8gri47elt/VINAGRE_UMA_ANTOLOGIA_DE_POETAS_NEOBARRACOS_2ed_junho2013.pdf
lindo texto, Clóvis! bjo.
Postar um comentário