Reflexões
sobre um cooper feito:
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sobre
a cooperformance:
Gostaria de destacar dois tipos: 1) “Como melhorar sua performance
corporal? Exercício, disciplina, esforço e controle. Mas corra
atrás de um corpo perfeito. Pratique cooper.
Um cooper
feito é um certificado de inclusão social. Corro, logo existo?
Assim
você se torna confiante novamente? Não importa se submisso,
adaptado e obediente. O que importa é o fato de que a cooperformance
te abrirá muitas portas!” 2) O que pode uma invasão de corpos
dissonantes performando
uma
ação ( o “correr”) tão naturalizada? Desconstruí-la? Tentar
denunciar/revelar camadas invisibilizadas? Colocar para
correr/movimentar outras correntes de oxigênio e percepção?
Libertar a vida de um certo estrangulamento e asfixia? PerFormar
a diferença?
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sobre o lugar: a
Praça da Liberdade é um belo cartão postal da cidade. Praça
asséptica, bem vigiada, sede do Poder, espaço privatizado. Haveria
ali lugar para corpos híbridos e marginais?
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sobre a ação do cooper:
pessoas se exercitam e alimentam o Espetáculo da Saúde. O corpo
“saudável” ali tem seu cenário perfeito. Mas o que pode uma
invasão de corpos dissonantes? Figuras estranhas à aquela
arquitetura tão nobre? Produzimos estranhamento? Éramos corpos
(des)locados (sem lugar) para aquele tipo de ambiente?
Foto de Whesney Siqueira
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sobre a natureza dos corpos:
Corpo indígena magro mestiço com placa/pedido-mendigo “não
queime”. Corpo lona preta lixo ambulante humano. Corpo prótese
mulher cachorra bunda de fora. Corpo transexual viadagem durante um
dia ensolarado? “Homofolia
declarada” não é crime? Não serão essas figuras seres da noite?
De uma outra hora para existirem? Habitantes de lugares outros?
Mendigos, indígenas exóticos e hippies
ficam bem na Praça Sete. Mulheres cachorras na Rua Guaicurus no
baixo centro. Travestis no alto da Av. Afonso Pena. Corpo barriga
saliente de homem macho com toalhas vermelhas em poses femininas?
Bem... em algum hospital psiquiátrico! Danos ao “medo ambiente”?
Consulte o normal-maps.
Transgressão de códigos? Corpos desocupados? Denuncie na polícia
ou na prefeitura.
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sobre a ação de correr:
caminhar, exercitar e trotar, parecíamos animais domesticados. Cores
berrantes. Teatralidade. Heróis fugitivos de algum filme “trash”?
Ainda existe espaço para a diversidade na cidade? Correr muito,
cansar, parar, instalar um “corpo-monumento-momento” numa praça
tão verde, zona sul da cidade. O que pode uma invasão de corpos
dissonantes? Afetar? Provocar? Tornar risível uma ação cotidiana e
tornar visível um corpo bizarro?
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sobre a participação no evento do Conselho
Regional de Psicologia: Como fazer de uma
participação uma PARTY-cipação?
Party como festa.
Festa como uma política de fazer arte respeitando primeiramente
nossa necessidade e desejo. Festa como uma TAZ - zona autônoma
temporária. Como operar de uma forma que uma ação provocativa e
crítica não seja capturada como uma apresentação artística para
entreter uma suposta plateia? Engordar mais ainda a Sociedade do
Espetáculo? Como ir na contramão de um cortejo ou caravana do
batuque? Como fazer de um convite externo (com questões tão
urgentes e abrangentes para nosso tempo: as dos Direitos Humanos) uma
possibilidade de experimentação artística e de interesse de um
coletivo? Como migrar do perigo de uma “banalização” para uma
“indignAÇÃO? Como instituir um espaço de generosidade/escuta
para que um encontro de desejos (entre quem contrata e quem é
“com-tratado”) se estabeleça e através de uma “poética da
proximidade” se descubra pontos convergentes, táticas de ação,
conceitos pré-estabelecidos e possíveis provocações/aprendizagens?
Há o lugar do artista, o da instituição e o da cidade.
Lugares-rede. Como criar “entre-lugares” com espaços arejados e
livres para se gaguejar e conversas para não se entender? Como fazer
de um contrato um “con-tato” que realmente potencialize a todos?
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sobre a produção de um discurso ou
des(curso) e a invenção de um percurso:
Como atender à expectativa de um convite feito por um evento
produzindo linhas de fuga? Como não produzir discursos com
significados, mas EXPERIÊNCIAS pela força de presenças, encontros
e acidentes? Escapar das nomeações. Substituir: “o que é isso?”
por “o que tem/acontece nisso”? O que é mais importante:
comunicar uma mensagem ou provocar uma pluralidade/heterogeneidade do
pensar? Como sairmos do império da cognição para uma política da
percepção? Por que ainda: “faltou isso?” ou “poderia ter tido
isso?”, se é essa propagada e enganosa “falta” que nos faz
correr tanto atrás de alguma coisa que nem sabemos, mas que nos é
cobrado? O “mercado da falta” estava satisfeito sentado num banco
da praça assistindo a nossa corridinha saudável?
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sobre o que é um corpo canônico:
onde? Como? Eu não consegui atingir ainda. Estamos num cooper
diário atrás dele? Qual é o ideal disso? O que diz um corpo
musculoso: força, beleza e saúde? Fetiche? Cartão postal? Sucesso?
Valorização no mercado da imagem? O que colocamos para correr nessa
ação? Quais indignações subjetivas? Quantas calorias perdidas? Na
Praça da Liberdade correm os escravos todos os dias? Todos correndo
atrás do mesmo biotipo de corpo? Quem vai chegar ao pódio? Quem
quer participar do “Medida Certa” do Fantástico?
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sobre a gênese da ação e o agrupamento de
criações: o nome e proposição dessa ação
foram sugeridos por Saulo Salomão em 2011, mas só realizamos agora.
Fizemos depois “Corpos Proibidos” (ação coletiva) e tem também
uma mistura de experimentações como: “Classificação Zoológica
da Mulher” (Nina e Lica), “Espaço do Silêncio” (Nina),
“Adivinha a Diva” (Matheus), “Te vejo em fotografia” (Saulo),
“Parangolé Coletivo” (Leandro) etc. E consequência também de
uma série de conversas entre os pesquisadores. E também de uma
série de cobranças e frustrações cotidianas por não atingirmos o
corpo perfeito. Cada um de nós já internalizou os “vigilantes do
peso?”
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sobre as reverberações ou o depois da
experimentação: queremos mais. Podemos
mais!? Matadouro. Suadouro. Vitrine das carnes. A lona arrastando no
chão. O som da lona compondo com o som da corrida compondo com a
respiração dos corpos. O som harmonioso dos pássaros compondo com
o esforço ofegante dos corpos. Corpos que sofrem. Disciplinados. Um
bando de corredores adoecidos? Um bando de pássaros nas árvores
rindo de nossa corridinha matinal? Corpos humanos em marcha? “Marcha
soldado cabeça de papel, se não marchar direito vai preso pro
quartel”. Somos todos soldados anônimos? Sim, senhor! Não,
senhor! A “vida militar” estava de prontidão na praça vigiando
a nossa corridinha saudável?
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sobre essa lista de notas:
elas resultam de sensações e observações partilhadas em mesas de
bar, impressões a partir das fotografias de Whesney Siqueira,
leituras diversas, sessões de terapia, tempo livre e momentos de
muita dúvida. Arte responde ou PERGUNTA?
Um comentário:
não alimente os animais
mantenha-os acorrentados, pateando solitários
se correr, o bicho pega
se ficar, o bicho come,
a bixa dá
a bixa corre
invasão obscênica
na praça da clausura
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