O Coletivo TeiaMUV
(Salvador/BA) trabalha com Performance Urbana e Dança Contemporânea, sendo integrado por Isaura Tupiniquim, Mab Cardoso, Maira Di Natale e
Milianie Lage Matos, todas licenciadas em Dança pela UFBA. Atualmente, desenvolve o Projeto Teia e uma das etapas é um mapeamento de coletivos, no Brasil e no exterior, que trabalham com Performance Urbana.
ENTREVISTA*:
O que levou
vocês a pensar a cidade como dispositivo para as ações artísticas?
Quando o
Obscena começou, em 2007, havia um incômodo em relação ao modo como o teatro
que fazíamos atingia as pessoas. Mesmo ocupando espaços alternativos e fazendo
teatro de rua, tínhamos a sensação de que estávamos falando para um público já
“ensinado”. Naquela ocasião havíamos lido o epílogo do Teatro Pós-Dramático, do
Lehmann, e a idéia de uma “política da percepção”, de provocar uma
“interrupção” no cotidiano mesmo do cidadão, do transeunte, nos instigava
muito. Posteriormente, com a crescente privatização do espaço público em Belo
Horizonte e a percepção cada vez mais nítida desse espaço como um espaço de
passagem, no qual as relações estão esvaziadas, automatizadas, começou também a
nos interessar a investigação de modos de provocar encontros que pudessem ir da
ludicidade e do poético ao embate e ao manifesto, pois há, também, o interesse
de produzir (em nós e no outro) outras percepções sobre o espaço urbano, sobre
a arquitetura da cidade, seus lugares de “jogo”, suas “dramaturgias”. Uma vez
que funcionamos como uma rede colaborativa de investigação teórico-prática, as
pesquisas e interesses de cada um de nós têm uma certa autonomia e temos
questões que, mesmo que perpassem os outros, podem ser mais específicas. Então,
para um há o interesse em investigar os tempos/durações, os fluxos e ritmos que
a cidade imprime às nossas ações. Para outro, interessa mais a heterogeneidade que
é própria do urbano e a percepção das diferentes reações, do que o acaso e o
inusitado produzem na relação com nosso trabalho. Para outro ainda, é a
possibilidade de uma intervenção direta do transeunte sobre a “obra”, de uma
resposta imediata, o que atrai nesse contato corpo-a-corpo com a cidade e o
cidadão. Interessa o estado constante de risco, o caráter “perigoso” da rua. Para
outro, as possibilidades do corpo em relação com a arquitetura e com o objeto,
com as cores e as formas, é o que o instiga. O que nos parece muito claro é que
não há o interesse, em nossa pesquisa, de funcionar como vitrine, como uma tela
para a contemplação. Por isso, a opção pela intervenção urbana, ou seja, a
opção pela provocação e pelo encontro.
Quais
estratégias compositivas vocês utilizam no processo de criação para as
Performances Urbanas?
É base da
pesquisa que o Obscena desenvolve a criação em rede colaborativa, o que
significa que o nosso trabalho é desenvolvido a partir de trocas e de um
diálogo constante não somente entre os pesquisadores do Obscena, mas também
entre o Obscena e outros coletivos de arte/artistas. Significa também que, além
dessa “contaminação coletiva”, existe também uma desorientação hierárquica que
se baseia na horizontalidade das relações criativas, permitindo uma autonomia
dos pesquisadores.
No aspecto
propriamente poético, são eixos norteadores o work in process, a obra
processual, e a noção de “experimentar o experimental”, que vem muito de nossa investigação
das estratégias compositivas de determinados artistas plásticos, como Artur
Barrio – uso de materiais precários, ações não representacionais – e Hélio
Oiticica – experimentação de elementos plásticos, como as cores e as formas, e
o estudo de “arquiteturas/ambientes” – além de Lygia Clark, com a discussão da
casa-corpo e dos espaços arquiteturais, além do uso de objetos relacionais.
Além da pesquisa da obra e pensamento desses artistas, faz parte de nossa
pesquisa, elementos de view points, a psicogeografia urbana e a deriva, o
corpo-instalação e a prática de exercícios perceptivos. Há a procura constante
de um imbricamento entre teoria e prática, no nosso trabalho.
Vocês
percebem algum tipo de reverberação, subjetiva e/ou objetiva, das suas ações
artísticas na cidade? Como elas se dão?
Como
havíamos dito acima, uma das coisas que nos instiga bastante na opção pela
cidade como espaço de jogo para o nosso trabalho é justamente as reverberações
imediatas, as diversas re-ações do transeunte em relação às ações que, muitas
vezes, o atingem de modo muito singular. Algumas pessoas mergulham na ação, dela
participam. Como foi o caso de uma moradora de rua, Elisângela Barbosa, durante
a ação “Parangolé Coletivo” que ela integrou, nos acompanhando pela rua afora
para construir arquiteturas efêmeras conosco. Foi tão forte para ela que Rosângela
foi conosco para nosso local de residência e dividiu um pouco de sua história,
voltando outras vezes. Outras são afetadas em sua subjetividade, a ação fala ao
íntimo da pessoa, ela encontra conexões profundas com sua história, com suas
questões pessoais, como ocorreu, por exemplo, na ação “Cadeiras”, quando uma
mulher, ao ouvir a leitura de um trecho de “Um teto todo seu” (Virginia Woolf),
disse: “essa aí é a minha vida”. Outros reagem com agressividade, sentem-se
ofendidos, cutucados. É exemplar disso a reação de um homem durante a ação
“Classificação Zoológica da Mulher”: ele ficou tão incomodado que começou a
ameaçar as mulheres que participavam da intervenção. Outras vezes, no entanto,
a rua pega aquilo que fazemos e joga fora. A rua é perigosa, instável, fora de
controle. Não adianta vir com idéias maravilhosas, com conceitos fantásticos...
pode acontecer do transeunte olhar aquilo e simplesmente desconstruir a idéia,
negar a ação. Não tem como controlar a reação das pessoas, o que aquilo que
fazemos vai provocar no outro. Mas sem dúvida o embate corpo-a-corpo com o
cidadão possibilita uma percepção muito clara dessa reverberação. Além disso,
como decidimos compartilhar nossas reflexões, registros, etc. por meio do nosso
blog, ainda há essa reverberação também: muitas vezes as pessoas se interessam
pelo nosso trabalho a partir daí e nos procuram, integrando nossa rede de
colaboração.
Existe(m)
algum(ns) artista(s) ou autor(es) dentre os quais você deseje
indicar/compartilhar conosco?
Indicamos
tanto os artistas/autores que alimentam diretamente nossa investigação – Artur
Barrio, Lygia Clark, Hélio Oiticica, Guy Debord, Hans-Thies Lehmann, Josette
Féral, Eleonora Fabião, Michel Foucault, David Sperling, André Mesquita, Paola
Bernstein, Wlademir Dias-Pino – como os artistas/coletivos que já trocaram
conosco: Marcelle Louzada e Letícia Castilho (performers de Belo Horizonte/MG),
Luiz Carlos Garrocho e Denise Pedron (pesquisadores e estudiosos da cena
contemporânea), Os Conectores (Belo Horizonte/MG), VagoColetivo (Belo
Horizonte/MG), N3Ps (Belo Horizonte/MG), Coletivo Quando Coisa (Ouro Preto/MG),
Líquida Ação (Rio de Janeiro/RJ) e As Incríveis Laranjas Podres Performáticas
(Londrina/PR).
*Todas as respostas foram compostas colaborativamente.
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