agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

sábado, agosto 11, 2012

Ressonâncias do Performatite - três perguntas para Eloisa Brantes


1 - Você me emocionou muito ao se referir à performance e à intervenção urbana como ações artísticas que nos convidam à ética e à alteridade. Entendo que a obra se faz com a participação do outro, do transeunte da cidade e que ao mesmo tempo que provocamos também somos provocados. Você falou em "reflexividade". Uma ação performática é uma troca, um diálogo, um jogo, uma aventura, algo que se desvela no instante mesmo, no imprevisto, nos coloca no terreno da abertura ao outro.
Seria essa a dimensão política desse tipo de intervenção humana e artística?


    Foto de Clarissa Alcantara


Sim. A dimensão provocativa da performance pode acontecer de muitas formas, mas acho que no caso da intervenção urbana existe um espaço de risco que envolve o outro de maneira mais radical. Tem um deslocamento do lugar do artista na sociedade. Quem passa por uma intervenção já faz parte dela, mesmo que seja perguntando “o que é isso?” A obra se instaura nessa instabilidade em relação a tudo que acontece. A ação não tem limites definidos, a forma entra na lógica do devir. Existe uma dinâmica de inclusão que alimenta a intervenção e transforma a percepção do performer em relação a si mesmo, o que ele faz, o que atua sobre ele, até que ponto ele suporta o que provoca, ou provoca aquilo que suporta, etc. Então é impossível negar a presença do outro, por mais difícil que seja, pois nem sempre a reação das pessoas é agradável, as vezes incomoda. Mas quando incomoda fica mais interessante, pois tira o artista do pedestal protegido da “obra”.  Para mim, uma questão importante é : como se relacionar com o outro sem se impor nem se diluir? Será possível atuar com o outro em sua diferença? A reflexividade tem a ver com essa dificuldade de não igualar as coisas nem as pessoas, nem julgar o certo ou errado, mas fazer uso de tudo, deixar-se usar também, compartilhar o acontecimento em sua singularidade, entrar no campo da imprevisibilidade. O performer é agido ao agir, tem um estado de receptividade que passa pela afirmação máxima da vida, pela abertura de infinitas possibilidades de existência ali - naquele momento em que você mesmo se torna algo que ainda desconhece. Grotowski fala de um “estado de nascimento” do ator. Tem essa dimensão ritual da ação que revela o que antes estava oculto ou era desconhecido. Mas diferente do ator no teatro, na intervenção em espaço público o performer não está no centro deste processo de revelação, ele aciona situações que desdobram possibilidades de vida. É um mergulho no devir das coisas, que coloca em jogo os limites do corpo, da cidade, da sociedade, da cultura, etc. como campo de forças em que o outro atua tanto quanto você, mesmo se isto não fica explícito. Acho que o mais legal da intervenção é a sutileza do que realmente nos abala, tem a ver com desconstrução das estruturas de linguagem, aquilo que Guattari fala de banho caósmico nas matérias de sensação, a partir das quais tornar-se-á possível uma recomposição, uma recriação, um enriquecimento do mundo, uma proliferação não apenas das formas mas das modalidades de ser.  O que eu chamei de reflexividade lá na mesa do Performatite passa por essa ética-estética da alteridade.


2- Você fez uma bela provocação: nem sempre a Performance pode ser considerada uma PERFORMATITE, no sentido de inflamação, incômodo, de um vírus que transforma as pessoas, os espaços, os conceitos etc. O grande perigo seria a performance já estar capturada e domesticada, não é mesmo? Ou institucionalizada?

Acho que a domesticação das manifestações artísticas é uma tendência “natural” do mercado. Pois é preciso atuar em campo seguro, o consumidor de arte quer garantias em relação ao produto (mesmo se isto for uma performance), assim como o estudante, o professor e as instituições de ensino querem garantias em relação à eficácia dos processos de transmissão e produção do conhecimento. Até aí tudo bem, mas o problema é quando a gente situa a performance como zona de atravessamentos entre arte e não arte, isto desmancha as especificidades que sustentam o lugar das coisas. Acho que tudo pode ser capturado e domesticado rapidamente na sociedade de consumo em que vivemos, a performance também. Mas existe uma dimensão processual da performance que coloca em jogo a relação do artista com a sua própria vida. Essa dinâmica arte-vida é complexa. Eu gosto muito de desenvolver os espaços do erro, o acidente, aquilo que não aconteceu conforme eu esperava, esses desvios são importantes no processo de pesquisa. Não falo de pesquisa apenas no campo acadêmico, falo de pesquisa como algo que move a própria elaboração artística como algo infinito, pois uma performance é apenas parte de outras coisas que são colocadas em questão pelo performer enquanto ser social e político. Acho que essa inquietação não é institucionalizável, mas pode e deve dialogar com as instituições que também precisam disso. Tem aí uma capacidade de resistência e de reinvenção do lugar das coisas, a subversão na performance passa por isso que tudo afirma na medida em que transforma, atravessa formas, traça transversais que apontam outras possibilidades de vida e nisso contagiam, comunicam o que ultrapassa o entendimento.

3- Foi uma delícia me aproximar dos artistas-pesquisadores do Líquida Ação. E o que o PERFORMATITE provocou no teu coletivo? Não participei do banho no Chafariz em Ouro Preto (proposta de vocês), me relataram que foi um ritual maravilhoso. Quais foram tuas sensações e percepções?

O encontro com os obscênicos, o N3Ps, o Quando Coisa e os Laranjas Podres nos encheu de energia para continuar investindo em modos diferenciados de produção artística através de colaborações e parcerias. Saímos do Performatite dizendo SIM É POSSÍVEL. As propostas de cada coletivo tão diferentes estavam conectadas com  questões contemporâneas que envolvem arte e cidade. Os processos coletivos de elaboração das ações em Ouro Preto foi um aprendizado. A confiança gerada pela escuta de todos durante as ações foi emocionante. O ambiente de troca realmente se estabeleceu de maneira intensa e acho que isto proporcionou um diálogo político, social e estético com a cidade de Ouro Preto. As imagens da Clarissa e os vídeos da Nina gritam a beleza desse encontro. O banho final diante do chafariz seco celebrou o acontecimento, consagrou nossas cabeças em pacto-impacto estético.


2 comentários:

EsquizoZito disse...

Muito bom ver-ler-ouvir as provocações de um encontro tão singular!

Que alegre encontro!

Viva!!

Clóvis Domingos disse...

Ei Tarcisio, que bom ter teu comentário. Esse encontro de coletivos artísticos foi uma alegria mesmo. Mútuas provocações. Estamos tentando continuar esse diálogo.
Um abraço, Clóvis.