agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

domingo, junho 24, 2012

Cadeiras


foto de Marizabel Pacheco


Ontem foi o primeiro dia dos Programas Obscênicos e realizamos (finalmente) a proposta de Fred Caiafa para as práticas performativas que, inseridas no contexto de estudo teórico que estamos realizando a partir da dissertação de mestrado de nosso companheiro Leandro Acácio (intitulada "O Teatro Performativo: a construção de um operador conceitual"), investigam a noção de performatividade. 
Originalmente, a proposta de Fred consistia em uma experimentação do corpo no ambiente urbano a partir da relação com uma cadeira. Após alguns de nós realizarem a ação no Circuito Performatite, em Ouro Preto, incorporamos alguns elementos explorados nessa ocasião: o bloco de cor e o livro. Cada performer deveria, então, definir uma cor para cadeira/roupas/objetos e escolher um livro que quisesse compartilhar com os habitantes da cidade. Decidimos, também, um trajeto. Ou melhor, um ponto de chegada: a Praça da Rodoviária, às 17 horas.
Como em Ouro Preto eu já havia trabalhado com o vermelho, decidi manter essa cor. Sem a cadeira que eu havia usado anteriormente, resolvi comprar uma de madeira e pintá-la totalmente. Meus objetos, além da cadeira, eram uma bolsa - na qual eu carregava meu livro - e um guarda-chuva que, como a roupa e o sapato, eram também vermelhos. Apaixonada como estou por "Um teto todo seu", de Virginia Woolf, decidi que iria compartilhá-lo. 
De início, achei difícil incorporar o livro à minha ação com a cadeira, pois a leitura me soava artificial. Depois, comecei a jogar com o texto. Um trecho da obra se apresentou mais fluido: a passagem em que ela "inventa" uma irmã para Shakespeare, afim de tratar da condição de vida da mulher naquela época e da impossibilidade de uma delas se tornar uma escritora. 
Como a cadeira ainda estava úmida, ao longo da ação minhas mãos foram se sujando de vermelho, pareciam cheias de sangue. Esse "sangue" também impregnava o livro e meu vestido. Logo a  cadeira começou a se grudar em mim, em minha roupa, nas minhas mãos, numa simbiose do corpo com o objeto.
De todos os momentos da intervenção, um me tocou especialmente. Ao chegar à Praça da Rodoviária, circulei por ela um tempo e decidi subir ao centro da praça, local especialmente sujo e cheirando a urina. Em função do mau-cheiro, acabei me afastando para um dos cantos, onde vi uma mulher. Ao vê-la, um impulso me levou a dela me aproximar. Sentei-me na cadeira e comecei a ler para ela. Ela se aproximou, para ouvir melhor e logo seus olhos encheram-se de lágrimas. Ela me disse: "essa aí é minha vida". E logo Shirley (era seu nome) começou a me contar sua história. As dificuldades, humilhações, restrições que uma mulher da rua sofre. Conversamos um bom tempo. Era agora a minha vez de escutá-la. Foi uma troca profunda, sincera, entre duas desconhecidas. Vislumbro nessa ação muita potência. E devo dizer: estou apaixonada.

4 comentários:

Clóvis Domingos disse...

Nossa Ninon, que belo relato!E de repente o acaso te traz um encontro e a possibilidade de escuta e con-tato com uma mulher da cidade. Muito bom, né? Importante tuas descrições físicas, afetivas e perceptivas do que se dá...e tem um fluxo, que se a gente entra nele, somos conduzidos a outro tipo de vivência....o cheiro desagradável te empurrou para outro lugar e te deu a oportunidade de uma conversa. O livro que parecia sem lugar, acha uma brecha naturalmente e ACONTECE. Daí a importância de se ter calma, tempo e não-expectativas sobre a ação, para poder se descobrir no ato, no instante mesmo.Um estudo do espaço e dos ambientes.

Davi Pantuzza Marques disse...

nina!
carregar o livro me pareceu uma boa oportunidade de ficcionalizar não ficcionalizando a presença no espaço - nesse cruzamento entre o performativo e o teatral; instaura esse outro lugar de encontro entre a poesia, a cidade (pólis), a confidência e o afeto..
muito bonito!

beijos,

Anônimo disse...

"Alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial" Circuladô de Fulô

é de ordem pessoal o que vou escrever aqui. Como tudo que faço, caso contrário seria jornalista,mas como não sei ser imparcial. Exceto em alguns momentos.
De quando eu tinha 19 anos e fui fazer vestibular na UFJF:
no ônibus em que eu estava havia 3 moças de colan preta, com muiiiitos véus na cintura, como se formassem uma saia, véu azul, violeta, amarelo, branco, rosa. E juntas, de pé, cantavam "...Alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial...alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial.." - e repetiam diversas vezes o mesmo refrão. Foi ali que pensei, não quero voltar pra Ubá, quero fazer teatro - sem saber se o que elas faziam era teatro, eu que nunca tinha visto teatro na minha vida, mesmo aos 19 anos.
Daí, das voltas que o mundo dá:
fui fazer teatro na UFOP, ainda no teste de aptidão cantei a Zizi Possi, "...te amo e o tempo não varreu isso de mim, por isso estou partindo e tão forte assim, o amor fez parte de tudo o que nos guiou, o risco da palavra certa, o risco da palavra amor." , minha professora Marina Miranda, desse dia em diante, passou a me chamar de Piaf, e eu quase que desconhecia o "pardal".
Daí o mundo dá mais voltas:
estando eu em BH ontem, dia 05 de julho de 2012, no Viaduto de Santa Tereza, fazendo Performance (com P maiúscula) com o Obscena, pensei: "alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial".
Fico pensando que Deus é mesmo pai, que não sou piegas em falar o que sinto, mas é que o universo conspira totalmente a favor dos que têm fé, fé na vida, fè no homem, fé no que virá. As palavras e os desejos, mais recôndidos, têm força.

Anônimo disse...

Ainda eu preciso falar mais, como o livro de Clarice que li ao vento ontem, "A Paixão, segundo GH" - por falar em ler ao vento, alguém já leu ao vento e para o vento, sem pressa se ele vai ouvir ou não? Ela fala, 'perdoe por não ter dito antes, não era questão de esbanjar palavras, era só o essencial'- então eu preciso dizer que ontem, aquela invasão de cores no cinza do Viaduto de Santa Tereza foi tão bonito, tão vibrante, tão caloroso ler para o vento, para os passantes, para nós mesmos, tão uou! É preciso reinaugurar o Viaduto de Santa Tereza, dar -lhe cores! Dá-lhe Obscena!