
Ontem propus esta ação coletiva e aconteceram coisas muito interessantes. Fizemos uma invasão no espaço da cidade e também fomos invadidos por ele. Se inicialmente trazíamos juntos muitas cores, fomos percebendo a variedade delas nas ruas e identificando o quanto a cidade é colorida. Mas talvez pela nossa pressa cotidiana, as ações já determinadas, as trajetórias fixas, e um campo de visão mais geral, acabamos por não perceber as micro composições e cores que habitam o tecido urbano. Um olhar mais atento vai identificar o invisível, o vivo, o micro mesmo....
A ideia era colorir o espaço, compor formas, decompor, habitar, interromper e tentar levar o transeunte a perceber possíveis geometrias e paisagens a partir de nossos corpos, presenças, cores etc. Acho que conseguimos um pouco disso.
Movimentos muito lentos (como de Erica e Denise) fazem um contraste gritante com a velocidade dos automóveis e do ritmo das pessoas. Como estávamos com o corpo mais atento, podíamos não precisar de entrar na loucura da correria e estabelecíamos com a cidade uma outra relação: troca, generosidade, calma, contemplação etc. Podíamos olhar de verdade a arquitetura, as pessoas, os lugares de passagem, as cores, os movimentos, escutar os ruídos do espaço.

Houve uma tensão entre performar ( no sentido de agir) e estar. Alguns pesquisadores agiam de forma mais figurativa, imprimindo uma corporalidade mais desenhada ou talvez representacional, que se impunha no espaço e os destacava. Quando depois saiam deste estado e simplesmente agiam "estando" (por exemplo, sentados num banco) aí nosso olha se confundia: todas as pessoas com suas roupas cotidianas, sem saberem, ocupavam um quadro de formas a brindar nossos olhos. Faziam parte desta obra pública. Esta ação revelou uma fronteira entre cotidiano e não-cotidiano, estar e figurar, agir e receber, ficção e realidade, intenção e atenção, movimento e pausa.
Quando por exemplo atravessávamos a faixa de pedestre correndo, era um cruzamento de cores em diferentes tempos e isso capturava a percepção das pessoas na rua e dentro do ônibus. Outra coisa foi fazer uma pausa no meio da faixa e simplesmente ficar ali parado, ou olhando o entorno, ou olhando as pessoas, não fazendo pose ou querendo chamar a atenção de alguém..... Que experiência é esta de parar e habitar, ainda que por poucos minutos, um "não-lugar" ou um lugar de passagem. Alguns transeuntes paralisaram e não atravessaram a faixa, acho que complicamos uma movimentação tão cotidiana.

Denise Pedrón falou algo interessante: o cotidiano às vezes é muito determinado, mas quando estamos na indeterminação abrimos diferentes fluxos perceptivos. Num momento eu e Wagner de verde começamos a identificar tudo que se apresentava desta cor. Apontávamos o dedo para o ônibus, as roupas das pessoas e até permanecemos um tempo junto a uma banca de alfaces, compondo com o verde que lá gritava.
Na escadaria da Igreja de São José percebi que a maior subversão é a do corpo. Se alterarmos nossa forma de estar, sentar, ou se fizermos uma ação fora do código e da conduta social esperada, cometemos uma transgressão e logo as pessoas estranham e se incomodam. Na escadaria fizemos desenhos corporais, alguns simplesmente estavam, outros mais performaram, enfim, uma variedade de opções. As pessoas quando passam e frente à Igreja se benzem e num momento alguns de nós ficaram de costas ajoelhados e vi pessoas reclamarem disso. Tem aí uma relação já dada entre corpo, postura e lugar.

Daniel Botelho, fotógrafo, veio registrar a ação e mais: capturar, pausar, revelar o que não percebemos. A fotografia é uma linguagem que também nos interessa no Obscena. Daniel disse que se viu também "improvisando", em percepção do espaço e cuidando para que sua presença não invadisse a ação dos pesquisadores.
Esta ação me trouxe muitas outras percepções e questões.
2 comentários:
foi legal demais clóvis! revejo a ação pelo olhar de daniel e descubro outras relações que aconteceram naquele dia... a questão da indeterminação é muito boa, porque possibilita que estejamos mais do que na passagem: habitamos a cidade.
Pois é Nina, foi muito interessante mesmo. Habitar a cidade é possível quando se estabelece com ela outro olhar, outra ação, outra troca. Parece ser necessário alterar o modo atencional de ocupar a cidade para perceber nela as cores, formas, lugares, fendas e relações... Legal seria se a gente pudesse estender este tipo de ação a muitas pessoas, para que elas pudessem "captar" a cidade de um outro jeito.
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