agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

terça-feira, março 26, 2013

notas do terceiro movimento (as ondas - virgínia woolf )

(para clóvis ) Quando eu era mais novo, como quase todo mundo deve ter feito, escolhi também meus ídolos. Os personagens de livros, filmes, os cantores ... e tudo ficava nisso, algo assim distante, mas que me motivava muito. Depois, guardei esses ídolos e comecei a escolher novos, que passaram a ser as pessoas que tenho encontrado pela vida. Cada vez mais tenho me apaixonado pelas pessoas que tenho encontrado, não sei se é essa a palavra, mas esses que estão sendo meus ‘ídolos’. E a vida não é igual ao comercial da família doriana.

sábado, março 23, 2013

Corpo obsceno para tempos performáticos


Voltando do período de férias de escrever aqui, depois de um ano muito produtivo, o de 2012, onde presenciei e vivi pesquisas colocadas à prova, no concreto, no seu tempo desejante, cujas velocidades podem alterar-se, modificar, ganhar o corpo que quiser, afirmo: o que une corpos é um desejo producente de criar um acontecimento. O fazer é alimento, seiva, sem denominadores comum, mergulhados na pura diferença. Isso sim pode fazer unir, na máxima distância, um agrupamento. Não acredito que haja algo a ser descoberto, e sim o contrário, algo a ser inventado. Mais importante do que saber para onde irão as próximas ações, quero vivê-las.

Penso que o fazer é um pensar no ato, produzindo novas subjetivações. Reflexão e abstrações muitas vezes enfraquecem um corpo, que precisa se colocar em ação, ao encontro com as multiplicidades infinitas da cidade. A correria, o excesso, a lentidão são componentes mágicos que acredito fazer correr pesquisas em seu leito, profundo e superficial, sem projeções sobre o que se faz. Com Deleuze penso na natureza como campo de forças sem significação alguma, com velocidades infinitas, arrastando blocos de sensações e perceptos. Não há tempo certo, não há mal estar em coisa alguma, há tolices e superstições que são o avesso de um instante movediço, o instante criador e alegre.

O tempo, desde sempre e para sempre, pode apenas territorializar os corpos num não-fazer. As pesquisas podem correr por linhas duras, flexíveis, invisíveis, mutáveis. E a ciência intuitiva na produção de vida? E a armadilha pode ser tentar colocar no plano racional algo que se dá em puro devir, faz e acontece sem necessitar de referência alguma, se dá no encontro imprevisível de corpos e sensações.

Não é preciso fugir de tempo algum, é preciso compor com todos os tempos. Há infinitos tempos cruzando o agora, e quando a alegria acontece, percebe-se o aumento da potência: a gente faz e acontece, eu faço e aconteço, a cidade faz e acontece. O tempo não é senhor, o tempo a gente inventa, para se distrair! Não é preciso fugir de nada, e sim dialogar com demônios e santos. Eu não pretendo nada, não tenho intenções de chegar a ponto algum, quero passear com leveza para o que se cria seja real, e não “imaginativo.”



"Espaço Disponível, anuncie aqui". Intervenção performática do Obscena Agrupamento, realizada em Ouro Preto durante o simpósio Corpolítico. Foto: Frederico Caiafa


Espaço disponível, anuncie aqui

percorrer as ruas atemporais de Ouro Preto,
bando de mulheres,
corpos minoritários
escorrem e compõem
instaurando-se,
fundindo-se.
corpos cuja natureza
quer romper e resistir
em sobrevôos indeterminados.
nômade obscena,
gazela gostosa, uiii!!
Corpo que se refaz em ato efêmero
descontínuo, ininterrupto.
Glamour afetado, mas não banalizado.
Transitar por n sexos é estar desencardido de quaquer território.

quarta-feira, março 20, 2013

Salve Padilha! Santa em Ouro Preto!




Senhora da vida que desliza descalça pela ancestralidade. 
Manto vermelho 
Sangue que se dora
Arte da presença extemporânea.









Fotos: Clarissa Alcantara

terça-feira, março 12, 2013

DIÁRIO DE UM ATOR

11 de março – 2013 hoje, o ensaio começou às 14 horas. chegamos e fomos limpar o espaço, resolvemos jogar água em tudo, limpamos objetos de cena, aquela festa , com direito a balde, vassoura e cantorias. enquanto isso, na cozinha, a água estava no fogo. espaço limpo, é hora de pausa para um café. já estava tudo pronto e começamos os alogamentos, trabalhos pré-expressivos e finalizamos com um jogo. agora, já são 17h30, demos início a outra etapa. vamos assistir aos vídeos-registros dos dois últimos ensaios. é tudo tão estranho ver sua imagem refletida na parede e depois você pensa: é isso? esse é o meu personagem? esse sou eu? depois, você volta pra casa e não consegue dormir, resolve tomar nota: *próximo ensaio: levar fotocópia de uma página do livro do terceiro movimento – são oito movimentos, em "As Ondas", de Virginia Woolf. levar nas versões em português, inglês, espanhol e francês. a escolha da página pode acontecer de forma aleatória, desde que seja do terceiro movimento - que começa assim: "O sol ergueu–se ... olhando para um lado e para o outro, viam, profundamente, entre as flores, as escuras avenidas do mundo sem luz em que as folhas apodrecem e tombam".

domingo, março 10, 2013

Um ROL de impressões de um processo-acontecimento de AS ONDAS

ROL DE SENSAÇÕES - afetações de um espectador

a desmedida dos corpos
Sísifo carregando suas pedras
o espelho não refletiu nada.

a medida das pedras
Sísifo descarregando seu corpo
o espelho não refletiu nada...

as dez medidas dos corpos
Sísifo apedrejando espelhos
não refletiu nada.

as des-ditas dos corpos
Pedras sisificando nada
não refletiu
não espelhando
nothing...

as pedras ditas dos sísifos
mas sísifos corpONDULANDO corpos
espe(lha)rando nada





imagens de Clarissa Alcantara

terça-feira, fevereiro 19, 2013

Cozinha Performática para um tempo obsceno


Tiramos um período de férias dos encontros do Obscena.  Um bom tempo para se pensar em outras coisas e também se pensar sobre os possíveis caminhos de pesquisa desse agrupamento artístico que já está em seu sétimo ano de existência. Muita gente passou, muitas linhas de pesquisa foram fundadas e investigadas, muitos encontros, muitos desejos e desafios constantes. O que nos une? O que nos alimenta? O que dá sede, seiva, saliva? Qual é o denominador comum?  O que nos diversifica? O que temos descoberto? Para onde apontam nossas próximas ações?

E esse tempo vivido “fora”, me trouxe a própria questão do tempo como matéria de questionamentos, sensações e silêncios. Acho que viemos de tempos muito produtivos e pouco reflexivos. Uma sensação de correria, de excesso, de uma certa superficialidade no que se refere a alguns pontos da pesquisa. E para mim: criação e pesquisa se situam no avesso da pressa. Hoje o “mal estar da civilização” (já nomeado por Freud) se localizaria no que Bauman chama de “mal estar da aceleração”? Não corremos então o risco de estarmos velozes demais?

Quais seriam as linhas de força numa prática de pesquisa? Tempo para observação ativa, tempo para experimentação, tempo para discussão, tempo para re-elaboração e por aí vai. Fora a complexidade de variadas naturezas temporais: meu tempo subjetivo, o tempo dos outros, o tempo de amadurecimento de uma ação, o tempo da cidade etc.

Numa sociedade performativa (cujo tempo é destinado à ação e razão eficazes, vide o lema “Faça tudo rapidamente e não perca tempo”) como fica o tempo das práticas artísticas performáticas? Elas reforçam a aceleração dos corpos e da percepção das coisas ou pelo contrário, criam lentidões e inauguram um tempo do kairós? Estaremos presos numa armadilha?

Como fugir do tempo cronológico faminto por durações e acúmulos de toda ordem? Há uma ideologia perversa das realizações que nos trazem a ilusão de felicidade, sucesso e poder. Tipo: “a gente faz e acontece”. E às vezes fazemos muito e realizamos tão pouco. Não pretendemos criar uma pausa ou uma interrupção (transgressões cotidianas) na velocidade da cidade e das relações? Uma outra vivacidade ou melhor: “viva a cidade”?

Há que se ter tempo para se perceber as “cores e formas da cidade” (nome de uma ação coletiva), sentir seus cheiros, tatear seus espaços e experimentar seus gostos. Descobrir suas possibilidades e proibições. Isso me lembra a arte de cozinhar. Ação que pede tempo e espera. Precisa de preparo, não necessariamente de receita. Cozinhamos um prato para nós ou para os outros. Certamente desejamos oferecer um presente para nosso paladar. Um “presente” também aqui no sentido de presença.

Penso o Obscena como uma cozinha performática poderosa, repleta de temperos, saberes e sabores, produzindo pratos (ações) na maioria das vezes coloridos e consistentes, ainda que um pouco indigestos para o senso comum. Talvez seja o momento desta “maravilhosa cozinha de Ofélia” fechar para um balanço, entendendo que há um tempo para ação e um tempo para reflexão, ou “reflexo da ação”. Talvez nem nós mesmos temos saboreado com vagar as deliciosas especiarias que cozinhamos e oferecemos. Confesso que o ritmo intenso no final do ano passado deixou minha boca seca e sem gosto.

Tempo de diálogo, dúvida e muita conversa entre seus cozinheiros-performers. Tempo de se ajustar o foco. Será esse tempo o de agora? Haverá algum cardápio já sendo pensado e preparado e que merece um investimento coletivo nesse momento, digo, maior investimento e atenção? A montagem de AS ONDAS pode ser esse tempo degustado e aquecido desde o ano passado? Um processo não significa tempo de escuta e experimentação? Não utilizaríamos melhor agora os temperos da teatralidade e da performatividade, que escolhemos lá atrás como ingredientes criativos e culinários?

Uma cozinha performática que respeita e percebe os tempos existentes para cada prato a ser criado certamente pode produzir uma boa mesa e um bom encontro. E mais: alimentar, na medida certa corpos, ideias e desejos. Deliciosa e demorada comida para tempos mortos! Ou quem sabe até permitir que se manifeste primeiramente o apetite e a fome! Mas até para isso precisamos vivenciar uma outra qualidade de tempo. Largo e preguiçoso. Tempo obsceno.

sexta-feira, janeiro 11, 2013

retrospectiva performada 2012

 foto: whesney siqueira

olhando o ano que passou, vejo que 2012 foi bem importante para mim, no que concerne às investigações realizadas pelo obscena agrupamento. mas algumas de nossas ações foram especialmente marcantes, tanto porque intensificaram nosso diálogo com a cidade, como também as trocas com outros artistas e coletivos de arte. muitas coisas nasceram dessas experimentações!
em 2012, demos início ao processo de montagem do poema-romance "as ondas", de virginia woolf. convidada por clarissa alcantara a integrar a equipe de criação, composta por pesquisadores do obscena, do N3Ps e por outros artistas independentes, como o wagner alves de souza e o admar fernandes, rapidamente me entusiasmei pelo texto de virginia e pelas explosão de criação que tem sido esse processo.
iniciamos em maio, com esporádicos (uma vez por mês), mas intensos encontros, nos quais experimentávamos visões do texto, fazíamos leituras em voz alta e visitávamos obras e lugares, para, a partir de agosto, nos encontrarmos toda semana.
em novembro, fizemos uma mostra do processo dentro do multipli-cidades: um programa obscênico, na qual se destacaram alguns elementos: as simultaneidades, usos de tecnologia e exploração das arquiteturas e relações espaciais são exemplos.
ainda em maio, participamos do circuito performatite (dentro da 8ª semana de artes do deart/ufop), evento sobre a performance que ajudamos a idealizar e organizar. foi idealização do obscena, sobretudo, o I encontro de coletivos de performance das univer-cidades, em consonância com o projeto multipli-cidades, que vínhamos desenvolvendo no CCUFMG desde dezembro de 2011. nesse encontro - do qual participaram, além do obscena, os coletivos n3ps, de bh; quando coisa, de ouro preto; as incríveis laranjas podres performáticas, de londrina e líquida ação, do rio de janeiro - própunhamos trocas de práticas experimentadas/pesquisadas pelos coletivos, entre si, mas também o diálogo dessas práticas com a cidade de ouro preto (onde o circuito foi realizado) e com os alunos do curso de artes cênicas, por meio de sua participação nesses encontros e por meio de palestras e mesas-redondas.
foi tão fantástica a troca entre os coletivos, que demos continuidade a ela por meio do projeto "trânsitos performáticos: alimentando a rede", que propunha a troca virtual das práticas, para experimentação nas diferentes cidades habitadas pelos coletivos participantes, e o compartilhamento, via web, dos registros - textos, imagens - das ações experimentadas por eles.
foi fruto dessas trocas o work in process "cadeiras" que teve como gérmen inícial a proposição de fred caiafa para a pesquisa prática sobre a dissertação de mestrado de leandro acácio "o teatro performativo: a construção de um operador conceitual", que estudamos em 2012. essa ação coletiva tem, aliás, dado pano pra manga! a partir das experimentações realizadas, elementos vem sendo acrescidos: blocos de cor, leituras, surra d´água (proposta pelo líquida ação)...
vislumbro, para ela, mais desenvolvimentos futuros, como os que ocorreram em 2012 e dos quais o "espaço do silêncio" é um exemplo: partindo inicialmente da experimentação dos espaços/gestos propostos pelo artista plástico artur barrio para o documenta 11, a performance "espaço do silêncio" (nome de um dos espaços/gestos barrianos) agregou a elementos da ação "cadeiras" - como o uso da cor vermelha e a cadeira em si - outros elementos bastante minimalistas, como o lençol branco e as cruzes, para manifestar minha revolta em relação à situação dos índios guarani kaiowá.

 foto: whesney siqueira

essa ação (que, posteriormente, ganhou a participação de leandro acácio, o suicidado), particularmente, marcou bastante minha trajetória de pesquisa em 2012, pois, pela primeira vez, atuei, de fato, como performer - talvez, pensando aqui no estatuto da presença, centrada no corpo. até então sempre pensava minha ação não só dentro de um conjunto de ações desenvolvidas por outros pesquisadores, mas em relação direta com elas e quase como uma "leitura" (ou escritura?) delas. minha ação era texto. pela primeira vez, minha ação foi corpo, centrada em um conjunto de ações - açã silenciosa, como já descreveu lindamente clóvis domingos. ganhei gosto. e quero mais em 2013!
em tempo: já contaminada pelo vírus (dizem as más línguas que eu, que já uma vez cometi de ser atriz, posso, na verdade, ter contraído algum tipo de vírus incurável, mas não fatal), no final de 2012, gravei, ainda, um clipe para a música "burca", de uma banda sediada em ouro preto, chamada "seu juvenal". na verdade, realizei uma ação que foi gravada para o clipe. uma ação que era antes realizada em conjunto, ganhou uma força própria, ao ter relacionada às escritas que eu já desenvolvia, o estatuto do corpo  e da imagem estampada nesse mesmo corpo em ação: mulher-burka.

foto: thiago franco

sábado, dezembro 22, 2012

Poéticas da Proximidade: Performance e Direitos Humanos



Evento: Marcha pelo Dia Internacional da Mulher
Foto de Thiago Franco


A participação do OBSCENA na Manifestação NÓS DA PAZ me lembrou uma série de eventos estético-políticos e ações individuais, os quais nos associamos nesse ano. As relações entre Performance (incluindo aí a intervenção urbana) e Direitos humanos há muito tempo vem se tornando um dos lugares de interesse dos pesquisadores obscênicos.

Sempre tivemos o desejo de compartilhar nossas “ações artísticas indignadas” bem próximas dos espaços e pessoas da cidade. Uma ação artística é antes de tudo uma ação política. Uma tentativa de provocação e diálogo. Política e poética da Proximidade, no corpo a corpo mesmo, no encontro e até no confronto, quando necessário.

Alguns eventos tentam mobilizar as pessoas pelas redes virtuais (e conseguem), mas somente acredito nas manifestações encarnadas e presentificadas. Mesmo com a participação de poucas pessoas. Estar conectado é diferente de estar engajado. Acho muito pouco “curtir” (como acontece no Facebook), para mim é preciso discutir, intervir, participar e somar as ideias de um movimento ou manifestação através da presença de um corpo engajado. Mas quem “curte” não necessariamente declara que estará presente. Trata-se de algo bem complexo! E somos livres para curtirmos ou não as coisas. Mas voltemos ao que me interessa.

Gosto muito de pensar a arte como “exercícios de proximidade”. No caso do Obscena, proximidade com as questões da cidade e seus problemas. Proximidade com as cores, formas, sons e cheiros que compõem a urbe. Proximidade com os transeuntes como co-autores de nossas proposições e experimentações. Proximidade com as arquiteturas e construções públicas.  A cada percurso num lugar da cidade: desejo de proximidade e descoberta de uma “próxima cidade”. O espaço nunca está pronto, é feito e refeito o tempo todo por um conjunto de linhas de forças humanas, materiais, discursivas e sociais. Para BAUMAN (2004:116):

“As expressões imediatas da vida são disparadas pela proximidade, ou pela presença imediata de outro ser humano – fraco e vulnerável, sofrendo e precisando de auxílio. Somos desafiados pelo que vemos. E desafiados a agir – a ajudar, defender, trazer alívio, curar ou salvar” (“Amor Líquido – Sobre a fragilidade dos laços humanos”).

Os relatos de pesquisa do agrupamento no blog e redes sociais são também formas de Proximidade com pessoas, artistas e estudiosos. A produção e publicação de textos e imagens, algumas vezes, geram comentários e possibilidades de ampliação da rede colaborativa. Um lugar para estudos e troca de contatos e informações.  Aproveito (nessa minha última publicação do ano) para agradecer a nossos leitores, comentadores, seguidores e colaboradores pela manutenção dessas teias criativas e cooperativas.

E também saudar a proximidade e contaminação artísticas que aconteceram esse ano com variadas pessoas e coletivos artísticos como o N3PS, LARANJAS PODRES PERFORMÁTICAS, LIQUIDA AÇÃO, THISLANDYOURLANDY, QUANDO COISA, TeiaMUV etc.

Termino essa postagem destacando mais imagens de manifestações e ações que contaram com nossa adesão, inflama AÇÃO e nossa proximidade. Elas estão principalmente vinculadas à luta e respeito pelos Direitos Humanos. Convidados a agir: agimos, agitamos e agenciamos.

   
            
 Evento: Preconceito Zero
Ação: Irmãos Lambe-Lambe
Foto de Whesney Siqueira


 Evento: Humanize uma Pedra
Ação: Irmãos Lambe-Lambe
Foto de Whesney Siqueira


 Dia Internacional da Prostituta
Ação: Salve Padilha
Foto de Clarissa Alcantara


 Manifestação pelos índios Kaiowás
Ação: Espaço do Silêncio
Foto de Whesney Siqueira




terça-feira, dezembro 18, 2012

Heitor e as cartas coloridas

Fiquei emocionado ao saber que algumas de minhas cartas escritas para a participação do Obscena na Manifestação NÓS DA PAZ (ocorrida no último sábado) foram entregues às pessoas na Praça da Liberdade pelas mãos de uma criança. Heitor, 07 anos, sobrinho de Nina Caetano, performou como manifestante e entregador de mensagens.


Foto de Juliana Barreto


O interessante é que em minhas cartas para a ação CIDADE DOS AFETOS, escrevi que a cidade sofria de "Adultorexia" e havia perdido sua dimensão lúdica e brincante, por isso precisava de remédios, policiamento e orações. E também propus um ritual de cura (influência direta de uma ação proposta por Saulo Salomão nesse ano), na verdade uma mudança de atitudes e comportamentos por cada um de nós: como conversar  com as pessoas, abraçar crianças e praticar pequenas sutilezas e gentilezas urbanas/humanas.

Eu mal poderia imaginar que seria uma criança a responsável pela circulação de meus textos. São "nós" que foram se juntando e que para mim ampliam a potência dessa ação/intervenção. Outro pedaço curioso disso tudo: quando segurei os envelopes coloridos, meu corpo teve uma enorme vontade de brincar. Corpopensamento. Corpoacontecências. Depositei os envelopes no chão e fui inventando formas, trajetórias e cruzamentos para aquelas cartas de um baralho agora infantil. Um delicioso jogo de criar e montar desenhos. Até que resolvi fotografar essas criações, essas "creanças".

Dias depois, quando fui publicar tais imagens no blog, lá vieram mais brincadeiras: a cada imagem eu criava pequenas frases. Pareciam propagandas e manifestos num convite à construção de uma Cidade dos afetos. E à apropriação dessa arquitetura do Humano. A cidade somos nós! Um "devir-criança" já aparecia ali também. O tempo todo vivi um processo lúdico até as cartas encontrarem o menino performer. Será que as afetações do meu corpo ao brincar com as cartas deixaram nelas uma infância virtualizada? Que magia será essa? Será a força do acaso ou a beatitude dos acontecimentos? Ou os dois? Ou nenhum dos dois?

Agora desejo aproximar a criança com o artista. Posso? Vamos lá: espírito de liberdade e transgressão, presença, entrega, intuição, sensação, caos, imaginação, curiosidade, perigo, inquietude, experimentação e coragem para abraçar e tentar transformar o mundo como se ele fosse uma caixinha de papelão. Ainda existem crianças e artistas desse jeito? Sim. Heitor me confirma isso.

Eu brinquei. Heitor brincou? Espero que a cidade brinque! E pense na importância dessa mobilização realizada. Quando brincamos, celebramos o encontro coletivo e fazemos paz. Bom mesmo é brincar junto. Como no Obscena. Como nossas ações poético-urbanas no espaço público. Alteridades reconhecidas. Arte e vida partilhadas. Brincadeira também é coisa séria.

sábado, dezembro 15, 2012

NÓS DA PAZ: DE BRAÇOS ABERTOS PARA A CIDADE

É hoje o dia!!!
A cidade abraçada, ocupada e vivenciada com desejos e "nós" de uma cultura de PAZ!
Uma cidade mais humanizada é o que todos nós queremos!
Na Praça da Liberdade, de 10 às 13h: encontros, vozes, corpos, cores e formas de manifestAÇÃO!



sexta-feira, dezembro 14, 2012

Cartas - Desenhos/Desejos para a Manifestação NÓS DA PAZ

Depois que escrevi minhas cartas e as coloquei em envelopes coloridos, comecei a brincar/jogar com formas, cores, textos e espacialidades. Criando pequenas instalações. Pensando nos espaços da cidade e projetando desenhos e desejos com tijolos de afeto. Juntando esses tijolos fui descobrindo pequenos "nós" para falar de NÓS!

Seguem abaixo minhas pequenas invenções para um ato tão importante e grandioso: a MOBILIZAÇÃO COLETIVA DOS MORADORES DE BELO HORIZONTE POR UMA CULTURA DA PAZ!

 Adicione cor à cidade

 Some forças, desejos e nós


 Dance na faixa de pedestre


 Edifique espaços mais coloridos


 Encontre as pessoas. Se misture!


Passeie pelos espaços da cidade

quinta-feira, dezembro 13, 2012

Manifestação NÓS DA PAZ

Nesse sábado, dia 15, na Praça da Liberdade, de 10 às 13h acontecerá a Manifestação NÓS DA PAZ.




Um encontro para se tecer coletivamente os "nós" de desejos para uma cidade mais humanizada e cidadã. A construção de uma Cultura da Paz depende da mobilização de todos nós! É preciso lutarmos por uma mudança contra a brutalização do cotidiano no qual vivemos no espaço público.

O Obscena vai participar dessa intervenção estético-política com a criação e realização da ação CIDADE DOS AFETOS, um conjunto de cartas escritas por muitos de nós para os moradores da cidade.

Em minha carta escrevi: "Praticar gentilezas urbanas diminui o risco de violência".

POR UMA CIDADE DA PAZ!!!


terça-feira, dezembro 11, 2012

IMAGINE

Imagine: All the people living for today... Não, imagine só, viva o agora... Sábado, na Gruta!, o Obscena agrupamento misturado com Marcelo Veronez e Milena Torres em um pocket show performático, poético/sonoro, feito na vontade de se fazer, de se viver o que já era desejo, que já acontecia em outros nichos sutis de sensações. Ultrapassou fronteiras, quebrou demandas, expectativas e mexeu comigo antes, durante e depois. Foi um show de encontros de passagem, como o nome da casa que nos abrigou. A primeira semana de dezembro começa quente, cansativa, muito pesada, por causa de todo o fluxo deste ano de 2012 - não consigo me desvencilhar do calendário chinês, por conta desta relação com o ícone, signo, símbolo, do réptil mágico, associado a este ano - a MACUMBA começou! De repente nos vimos tomados por oxum,mãe d'água, e a coisa começou a fluir, as ideias surgiram e algo novo se deu entre aquelas pessoas zumbis, o calor do final de semana foi memorável, que decidiam se usavam uma carta de caio fernando abreu ou se eu tomava coragem para ler elisa lucinda - pau feliz-, a todos que estavam, ali, a nos olhar com olhares curiosos, felizes, iluminados - por ver aquele tanto de pessoa em cima de uma palco e que ficou pequeno. Tantos energias que vibravam com aqueles corpos, dispostos, que cantavam junto, dançavam e celebravam, rindo por não acreditar em nossas provocações. Puta que pariu, que pau duro! E só de lembrar de Milena lendolinda seu poema, de forma tão doce e singela, falando de verdade, do coração, coisas nuas, suas, de você, que me lê! Coisas que são comuns a todos... Impressionante como é a mistura de poesia e música, como é gostoso dançar poesia e cantá-la como música. O Marcelo Veronez e sua agilidade em pegar tudo rapidamente. Chegou em pouco tempo já estava com todo o roteiro cantando e dançando. Enfim, tudo o que nos aconteceu foi maravilhoso, conseguimos fazer com que tudo fosse feito de forma leve e despretensiosa, lindo de ver todos, fiquei muito feliz de fazer parte de uma rede que possui pessoas tão amáveis e carinhosas, amigáveis e queridas. Fico feliz de agenciar estes encontros maravilhosos, que são de passagem só por causa da casa de passagem, que é tão deliciosa. Pois amores, afetos e carinhos são para sempre e como diz uma grande amiga: "Delícias podem todos os dias!" Deliciem-se!

sábado, dezembro 08, 2012

A Dança que pensa a cidade - uma conversa com Lia Rodrigues



Entrevista realizada por Clóvis Domingos no Teatro Klauss Vianna durante o FID (2012) no dia 27 de Outubro, antes da segunda apresentação do espetáculo PIRACEMA (Piracema é o nome dado ao período de desova dos peixes quando eles sobem os rios até suas nascentes para desovar. O termo tem origem na língua tupi e significa "saída de peixe", através da junção dos termos pirá:"peixe" e sem "sair"), o mais novo trabalho da Lia Rodrigues Cia de Danças (RJ) criada em 1990. Nessa entrevista para mim ficou a certeza de que a dança, entre outras manifestações artísticas, pode pensar nossa relação com os espaços da cidade.

- O meu interesse atual sobre teu trabalho é a temática que vejo em seus espetáculos, que é de “como vivermos juntos”. Isso aparece em POROROCA, de 2009, que assisti em Agosto no Teatro Sérgio Porto esse ano; e agora em PIRACEMA (2011), apresentado no FID. POROROCA é um cardume de peixes-bailarinos ruidosos, solares, com corpos explodindo no encontro com a diferença e com o outro. Ontem, ao assistir PIRACEMA, senti uma atmosfera mais lunar e melancólica, uma tristeza de nos pensarmos tão solitários, realizando cada um sua coreografia pessoal, mas todos tentando sobreviver e lutando para resistir. Há um momento no espetáculo em que uma bailarina canta “é impossível ser feliz sozinho”. É nisso que você acredita quando decide trabalhar colaborativamente com seus bailarinos e quando se muda para a Favela da Maré (conjunto de comunidades populares na cidade do Rio de Janeiro)? 

Lia: Eu acho que isso são escolhas de vida. Eu posso conversar isso com você de uma forma mais pessoal, claro, mas eu tenho já um tempo de vida, tenho 57 anos e é claro que durante esse tempo todo eu aprendi algumas coisas e tive algumas experiências na vida e no trabalho. Para mim é muito importante trabalhar junto, com, isso faz parte da minha escolha. É uma escolha. Não que a gente não possa ser feliz... Pessoas podem ser felizes sozinhas. Mas para mim quando meu trabalho fica mais legal é quando estou trabalhando junto com as pessoas. Quando a gente está junto com alguém. Então na relação com os bailarinos, por exemplo, é com meu encontro com eles e com o que eles são, é que se vai produzir uma terceira coisa. E eu acho que meu encontro com a Maré é também assim. E o outro é sempre diferente. E tem uma expressão que eu acho legal: “a gente tem que outrar”. A gente tem que virar o outro. Não virar o outro totalmente, mas olhar para a diferença e achar uma coisa que às vezes não combina, mas não faz mal, a gente está junto mesmo sem combinar, não precisa ser igual. Não dá para ser igual.

 Espetáculo "Pororoca". Foto de Sammi Landweer


 Espetáculo "Piracema". Foto de Sammi Landweer


No agrupamento OBSCENA, do qual sou pesquisador, investigamos as questões do espaço público, seus usos e proibições e a alteridade banalizada que vivemos hoje. A cidade se transformou num lugar de passagem e não mais de possibilidades de encontros e trocas humanas. Estamos ocupando o mesmo espaço, como em PIRACEMA, mas não estamos juntos de fato. Como provocar uma POROROCA (A palavra pororoca é de origem tupi e significa estrondo forte e barulho da natureza. A pororoca é um fenômeno natural que ocorre quando há o encontro entre as águas de um grande rio com as águas do oceano)  na cidade?

Lia: Ih, gente, sabe que eu não tenho a menor ideia. Não sei. Eu acho que talvez a gente pudesse pensar que cada um já provocando umas pororocas, várias pororocas fazem uma “pororocona”, um “pororocão”. Talvez a gente possa pensar cada um como que a gente provoca essa utilização diferente do espaço público, como é que a gente se provoca a si próprios também, na relação com o outro principalmente, nas posições que a gente toma quando faz escolhas, quando a gente vota, mas quando a gente escolhe onde dançar, por que dançar e como dançar. Eu falo dançar, mas pode ser performar, se você quiser, né? É difícil falar, tem tantas pessoas que a gente admira realmente, pessoas que se dedicam a essa questão, eu me sinto pouco preparada para responder essa sua pergunta, para dar uma resposta de alguma coisa que eu pudesse fazer. Mas dentro do que eu faço eu procuro pensar sobre essas coisas e estar com pares que pensam sobre isso também.

3  - Numa visada de tuas obras coreográficas parece-me que teu trabalho é sempre um estudo sobre o corpo. Uma desconstrução de um corpo dado como forma definitiva e “vestido” pela cultura, para reconstruí-lo em “FORMAS BREVES” (2002), um corpo “ENCARNADO” (2005), nos revelando “AQUILO DE QUE SOMOS FEITOS” (2000). Tua dança para mim é sempre um convite a um exercício de deslocamento da percepção do corpo. O Hans-Thies Lehmann, no livro “Teatro Pós Dramático”, afirma que o político na cena hoje é o “político da percepção”.  Isso dialoga com o que você busca em seu trabalho artístico?

Lia: Eu acho que sim. Eu achei muito bonito o seu texto. Eu acho que seu texto é uma visão que eu fico assim comovida de pensar que você se dedicou um tempo a pensar sobre o que eu produzo. Isso é sempre para mim uma coisa muito importante. Eu fico sempre admirada: nossa! Alguém está pensando sobre aquilo que eu fiz... Que coisa! A gente não tem muita essa noção assim... A gente tem tantas coisas que nos ocupam a cabeça, coisas cotidianas, então às vezes é difícil, às vezes dá uma solidão. Então é muito bacana pensar que tem alguém pensando sobre o que você faz. Eu acho que assim, o Jacques Rancière que fala da “partilha do sensível”, que a política está nesse lugar. Isso que você falou me lembrou essa questão: como a gente partilha um outro lugar e  que essa partilha dessa sensibilidade é que é uma questão política. Não sei falar muito bem sobre isso, mas eu percebo assim o que você me falou.

4  - Seu próximo trabalho será mesmo PINDORAMA para completar a Trilogia das Águas? Começa quando o processo de criação?

Lia: Eu acho que não existe uma coisa que começa porque a gente está sempre pensando. Estou sempre pensando sobre o que produzo, produzi e para onde eu vou. Então já comecei muito tempo lá trás quando eu fiz PIRACEMA, POROROCA, FORMAS BREVES, eu já estava pensando sobre isso, eu não tenho um momento. Tem um momento onde as coisas tomam uma forma que a gente apresenta, que a gente põe no mundo, né? Mas eu acho que eu tô elaborando há muito tempo e pensando: será que é uma trilogia? Não, eu não quero que seja uma coisa que encerra, eu gostaria que fosse uma coisa que me catapultasse para um outro lugar. Então quando eu falo tríptico eu gosto mais, porque essa ideia de trilogia dá uma ideia de uma coisa que fecha, são essas três... E eu gostaria de pensar no PINDORAMA, que na verdade é o nome que os índios chamavam o Brasil antes dos portugueses, é terra das Palmeiras. E não é aquático isso, mas eu gosto muito do nome. Adoro essa história de PPP, gosto que seja nome de raiz tupi, eu acho tudo isso bonito, a sonoridade é bonita. Eu acho lindo, mas assim, eu acho que vai se chamar PINDORAMA, mas pode ser que mude, e eu já estou pensando nele (esse espetáculo) desde sempre, digamos assim.

5 - Fico impressionado como você com a tua arte pensa e repensa o Brasil. Assisti ao vídeo de FOLIA (1996) na FIDOTECA e fiquei encantado com a força da cultura popular. Percebo também que a maioria dos seus espetáculos trata de nosso país. O pesquisador em Artes Cênicas Rodrigo Garcez chama de “antropofagia nômade” a ética do teu fazer artístico. Como você consegue ser tão local e global ao mesmo tempo e fazer uma arte mestiça?

 Lia: Eu sei que é o jeito que você olha o meu trabalho. O que ilumina o meu trabalho. Mas eu não penso sobre isso assim. Mas na verdade eu penso porque eu leio sobre isso. Então as coisas vão encarnando, para usar a metáfora do ENCARNADO. O fato de eu estar nessa escolha de estar com a Cia na Maré, também isso muda o meu trabalho. Mas eu não sei te dizer: ah, muda assim, mas eu estou lá há nove anos. O meu interesse pela cultura brasileira é desde lá de FOLIA, antes de FOLIA, então eu acho que talvez de alguma forma as pessoas que eu admiro e que pensam o Brasil, o Darcy Ribeiro e outros tantos, o Mário de Andrade. O FOLIA é totalmente ligado ao Mário de Andrade, e tantas outras pessoas que eu adoro ler, eu acho que talvez isso me alimente de alguma forma e eu fico feliz que isso possa aparecer. Porque eu acho legal, eu penso sobre isso, é uma questão para mim.