Para a
apresentação do show Sonoridades Obscênicas na festa de
encerramento do I Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação
em Artes Cênicas da UFOP, na última sexta dia 12, um novo roteiro
performático/multi-temático foi criado.
A
dedicatória do show foi para figuras históricas da cidade como dona
Olímpia, Efigênia Carabina e todos os negros e negras que
construíram e constroem a cidade. Fora a saudação aos escravos,
aos libertos e libertinos, incluindo aí os bêbados e poetas. A
relação mítica e mística com a cidade se intensificou.
Com a
coordenação musical de Sabrina Biê mexemos em alguns arranjos e
ainda tivemos a presença intensa da cantora e atriz Thaiz Cantasini
que leu poemas e cantou “Carcará”. Mais uma atualização
ouro-pretana com essa participação especial dessa “mulher em
chamas”.
Novos
poemas surgiram como o “Pau Feliz” de Elisa Lucinda na voz de
Frederico Caiafa e “A língua lambe”, um poema pornográfico do
Carlos Drummond de Andrade na voz de Sabrina Biê. Distribuímos
nesse momento pirulitos de coração vermelho para a plateia que
lambia e se beijava... A intertextualidade está sempre presente
nessa experimentação. Foi uma noite bem erótica.
Recuperamos
o momento “Classificados” da cidade: anúncios sexuais, de cura,
de vendas e concomitante a formação de um “trenzinho da alegria”
corporal. Aqui a produção de corpos libertos experimentando novas
formas de prazer. Mas prazeres dissidentes.
Isso sem
falar nos figurinos repaginados e maquiagens sempre novas! Aqui surge
uma questão: comecei como anjo de túnica , depois anjo de sunga até
finalizar como indígena, ainda vestindo uma camisa de seleção
brasileira. Uma passagem da cristianização ao paganismo. Do
civilizatório ao selvagem. Isso devido ao fato de sermos um país
cristão e Ouro Preto uma cidade extremamente católica. Foi uma
desfiguração e decomposição de uma colonização europeia! E
também uma crítica ao aspecto religioso que vigora em nosso país e
viola nossos direitos humanos. Uma série de leis são vetadas devido
à dificuldade de se fazer política de forma laica e realmente
democrática.
No poema
final (que breve publicarei) surgiu o corpo que deambula na cidade
histórica entre as igrejas e os bares. Entre o céu e a terra (ou
será o inferno?). Entre o sacrifício e o vício. Entre o pecado e o
prazer. Entre a identidade e a diversidade. E escrevi sobre uma
memória de bares que não existem mais em Ouro Preto e foi
emocionante porque as pessoas reagiam intensamente e falavam nomes de
inúmeros lugares. Afeto e memória de ESPAÇOS nos quais o corpo é
FESTA, ENCONTRO, DIVERCIDADE, FELIZ-CIDADE!
E mais:
espaços de liberdade de se estar, amar, expressar, transar e
transitar. Um exemplo: o delicioso BARRABÁS (saudade do Wallace),
bar alternativo de uma cidade de Jesus e de cruz! Espaço de
resistência numa sociedade estruturalmente conservadora e
heteronormativa.
Atualização,
experimentação, paródia, ironia, deboche e fatos e acontecimentos
passados em revista e revisão com.....POESIA, MÚSICA, DANÇA E
TESÃO! Daí meu interesse nessa performatividade política do
trabalho. Os cantos de umbanda ecoando como vozes dissonantes numa
cidade predominantemente cristã. Show de protesto, festa de rua,
sarau poético-político e teatro de revista contemporâneo.
Poéticas
da Recusa
Foi
uma apresentação desafiante. Nas palavras de Matheus: “um touro
teimoso”. Não para ser dominado, mas conquistado. Lidávamos o
tempo todo com o excesso, o caótico, o disperso, o estranho etc. Mas
foi maravilhoso sermos “devorados” por aquilo que já acontecia
anteriormente à nossa chegada. Não há como recusar o
ACONTECIMENTO!
Não
há como recusar a VIDA INTENSA!
Se há a possibilidade de uma recusa, essa para mim, se dá no campo
das capturas de nossa alegria e DESEJO de se efetuar micropolíticas.
De se criar micro-espaços. De se instaurar micro-utopias. Zonas
autônomas temporárias. Espaços arejados.
SONORIDADES
recusa o acabamento, o fechamento de formas, o não perceber os
outros, a imposição de uma presença, a pretensão de ser mais arte
que vida, a proibição de corpos manifestos ou corpos “many-festas”.
Tudo
isso porque penso que desejamos inventar, ainda que momentaneamente,
um outro espaço, outras formas de existência que seriam poéticas
também de uma recusa. Mas numa maneira
[…] de recusar todos esses modos de manipulação e de
telecomando, recusá-los para construir modos de sensibilidade, modos
de relação com o outro, modos de produção, modos de criatividade
que produzam uma subjetividade singular. Uma singularização
existencial que coincida com o desejo, com um gosto de viver, com uma
vontade de construir o mundo no qual nos encontramos, com a
instauração de dispositivos para mudar os tipos de sociedade, os
tipos de valores que são os nossos (GUATTARI E SOLNIK, p.22, 2007).
E
a força revolucionária da festa! Nos modificamos, modificamos os
tempos, o espaço, modificamos corpos e sensações. Saímos de lá
modificados e molhados pelas águas do desejo e do encontro. Tudo
isso gerado pela Alegria. Pois:
a
ética e a estética da alegria supõem uma boa dose de loucura não
psiquiátrica, de poesia, de arte, isto é, do inútil. A alegria,
como o desejo, é inútil, quer dizer, revolucionária. Só a alegria
e o desejo são revolucionários. Eis porque a alegria não é uma
produção de uma consciência domada, ressentida, analisada,
divinizada ou divãnizada (LINS, p.54, 2008).
No
final a celebração e a instauração de uma cidade na qual “todo
mundo irradia magia”. Cidade-água, fluída, acolhedora porque “a
força que mora n'água não faz distinção de cor”... Foi uma
noite de amor!!!
Referências:
FURTADO, Beatriz; LINS, Daniel(org). A Alegria
como Força Revolucionária – ética e estética da alegria.
In: Fazendo rizoma: pensamentos contemporâneos. São Paulo: Hedra,
2008.
GUATTARI, Félix e SOLNIK, Suely. Micropolítica
- Cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.
6 comentários:
Eu sinto, eu vejo, eu presencio, do alto da vista de um mar aberto longínguo, as grossas montanhas das minas e o céu, e as gentes e os espíritos ouropretanos, eletrizados por essas sonoridades obscênicas que não param de se avolumar em sua força transmigradora, correndo solta fora da cena mundo afora !!!
Que escrita, Clóvis, bendita!! Ouça! Tocam sinos de todas as igrejinhas. Salve essa Gira!!!!
clarissa, clarissa... tão distante!
também te vejo aqui.
beijos de saudades de você que nem te vi.
Alegria, alegria benfazeja bate em mim ao ler seu texto, meu amigo!
Vem assim, como um espanto!
Bravíssimo!!!
E se fosse preciso traduzir o que foi o Sonoridades Obscênicas em Ouro Preto, a tradução já estaria feita por estas belas e verdadeiras palavras do Clóvis.
Gente, que bom ler as reverberações desse texto. A experiência em Ouro Preto ainda vibra em mim. Obrigado pelos comentários e trocas. Vamos que vamos!!!!
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