Lamber a ferida – meu
medo está Perpendicular à minha coragem
Estou
arrumando casa. Pausa para um café e um momento de respiro. Semana
na qual acontece o “Perpendicular Festival : Como Resistir?”.
Penso e sinto a ação Irmãos Lambe-Lambe que fiz com Leandro na
última quinta, dia 26 de Setembro. Ocupamos o hall de entrada
do Sesc Palladium para a realização dessa ação-encontro.
Foi uma experiência interessante e agora percebo (relembro) de que
saí um pouco incomodado de lá. Avaliando o fato de estarmos dentro
de uma instituição cultural e se tal espaço nos havia exilado e
afastado um pouco das pessoas da rua.
SIM. Nós
é que PROCURAMOS as pessoas para participarem de nossa ação. Nós
é que buscamos o con-tato. E isso aconteceu tão fortemente. O que
teria me incomodado? Haveria uma sensação de diminuição da
potência dessa ação provocada por essa necessidade humana? Haveria
em mim alguma expectativa de que esse trabalho fosse assistido,
quando na verdade ele acontece com a participação das pessoas?
Haveria em mim uma arrogância de artista, de me sentir uma atração
e aguardar que fossem as pessoas que se interessassem e se
aproximassem de nossa proposta?
Vasculho-me.
PROCURO-ME. Pobre super homem!
O fato é
que nos des-locamos até os outros, os convocamos, os convidamos para
um encontro-conversa. Foi tão bom buscar os artistas participantes
do PERPENDICULAR, os visitantes e os funcionários do Sesc.
Para os artistas participantes a abordagem foi mais fácil e a nossa
ação ficará como um “espaço de memória” com a fotografia
revelada e enviada. Uma memória inclusive desse evento acontecido em
Belo Horizonte. Agora as cartas ganharão inclusive um destino
internacional já que conhecemos performers de outros países.
Nos
dirigirmos até as pessoas desconhecidas e que nem sabiam do evento
de performance era como nos livrarmos do escudo de Capitão
América, adereço lúdico que utilizamos dessa vez numa referência
à imagem de resistir como proteção. E sem escudo fomos humildes,
humanos e desejosos de inter-locações, inter-locuções e trocas.
Foi o Lambe mais íntimo que vivenciamos. Uma ação pública e
íntima ao mesmo tempo: confidenciarmos uns aos outros ao que
resistimos e com o que nos confrontamos. E por diversas vezes pude
expor minha fragilidade e falar dos meus medos. Nossa!!! Será que o
ato de me expor também não me causou um desconforto?
Foto de Fausto Grossi
Será a
performance uma confidência pública e íntima ao mesmo
tempo? E a reação das pessoas era algumas vezes desconcertante,
pois se deparavam também com uma questão pessoal a ser verbalizada
para estranhos, nós os Lambes. No espaço da cidade o comum e usual
é a informação. Informação é algo funcional, objetivo,
direto e civilizado. E civilidade é o comportamento valorizado e
esperado para os moradores da cidade. Agora a confidência ou
confissão é algo mais subjetivo, delicado e inesperado. Pode
ser inoportuno. Pede um tempo maior de fala e escuta. Gera uma
hesitação, uma gagueira, um hiato. Confissão sugere confiança.
Descobri isso fazendo a ação-encontro!
Escutei
tantas outras resistências dos outros e que também são minhas! São
nossas. Nesse PERPENDICULAR aprendo que performance também
pode ser um ritual de cura coletiva. A cada vez que expus meus medos,
mais me aproximei deles, mais nuances descobri, mais marcas, heranças
e rostos. Se a gente resiste a gente fica mais escravo. Fui me
tornando mais consciente do que sentia e podia inclusive rir daquilo
que eu mesmo narrava. Falando para o outro eu me escutava. E
deslocava sensações, movimentava medos e descobria coragens.
Performar é se vulnerabilizar? Correr riscos?
Não
importou se foi dentro ou fora de um espaço institucional, o que
contou foi a qualidade do encontro, a delicadeza, as emoções
compartilhadas, a fragilidade se transformando em força. Construimos
uma Arquitetura do Acontecimento. E ela salva, ela é
poderosa, ela merece atenção e respeito. O que nos acontece e como
acontece é a grande chave. O artista está longe do super herói que
a todos salva e depois se torna um ídolo. A performance me
humaniza a todo instante e quebra minhas resistências. Arte que
perfura: fere lugares, conceitos, códigos e a nós mesmos.
PROCURO-ME.
Era isso. Eu me procurava mais uma vez e precisava da ajuda das
pessoas.
PROCURO-ME.
PROCURO-ME. PROCURO-TE! E ME ENCONTREI NOS OUTROS! COM OS OUTROS!
Naquela
quinta-feira, o Lambe aconteceu pela primeira vez à noite. Um
refletor de luz destacava o quadro e a cadeira vazia (espaço de uma
instalação) que aos poucos era ocupada pelos corpos resistentes,
que brincavam com o escudo infantil performando suas
gestualidades para a câmera fotográfica.
Naquela
mesma quinta-feira, pela manhã, pela primeira vez em minha
existência meu nariz sangrou e senti o gosto de sangue na língua.
Susto. Tinha uma performance acontecendo em mim. Lamber a
ferida, não para cicatrizar o corte. Mas para saborear a abertura, a
rachadura e a aventura de viver!
Um comentário:
este texto está remexendo, borbulhando meu corpo. este está sedento, embora nervoso, ansioso, diante do desconhecido que a possibilidade de "performar" causa.
muitas questões n(d)esta usina de afetos e afetações intermitentes da arte vida.
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