Há um tempo atrás, em uma conversa telefônica, eu e Clóvis
tínhamos decidido nos encontrar em algumas terças – provavelmente encontros
quinzenais – para discutirmos alguns textos e dar seguimento a alguns aspectos,
digamos, “temáticos” de nossa pesquisa, junto ao Obscena, que tem nos
inquietado. A questão da cidade, ainda bastante presente. Também do artivismo. E
algumas experiências que temos feito/passado por elas e queríamos compartilhar
um com o outro.
Na última reunião do Obscena, estendi o convite a outr@s e,
então, ontem nos encontramos, eu, Clóvis, Joyce e Lissandra, para discutirmos o
texto TAZ, de Hakim Bey. No melhor espírito festivo das TAZ, escolhemos um
boteco sossegado na região do Horto.
A conversa foi bastante produtiva, lançando pontes para
vários lugares. Em questão, as noções de revolução, levante, mapa
psicogeográfico, fendas e invisibilidades, redes e festas. Movimentos sociais e
internet. Ações passadas e futuras do Obscena. E seus modos de funcionamento. Ficou o desejo de experimentar algumas
cartografias do afeto/linhas de fuga.
Abaixo, seguem algumas notas do texto de Hakim Bey, que me
alimentaram para essa conversa e que giram em torno de aspectos que desejo
aprofundar mais.
DO CAPÍTULO: ESPERANDO PELA REVOLUÇÃO.
A TAZ é uma espécie de rebelião que não confronta o Estado
diretamente, uma operação de guerrilha que libera uma área (de terra, de tempo,
de imaginação) e se dissolve para se re-fazer em outro lugar e outro momento,
antes que o Estado possa esmagá-la. Uma vez que o Estado se preocupa
primordialmente com a Simulação, e não com a substância, a TAZ pode, em
relativa paz e por um bom tempo, "ocupar" clandestinamente essas
áreas e realizar seus propósitos festivos. (...)
Assim que a TAZ é nomeada (representada, mediada), ela deve
desaparecer, ela vai desaparecer, deixando para trás um invólucro vazio, e
brotará novamente em outro lugar, novamente invisível, porque é indefinível
pelos termos do Espetáculo. Assim sendo, a TAZ é uma tática perfeita para uma
época em que o Estado é onipresente e todo-poderoso mas, ao mesmo tempo,
repleto de rachaduras e fendas. (...)
Em suma, uma postura realista exige não apenas que
desistamos de esperar pela "Revolução", mas também que desistamos de
desejá-la. "Levantes", sim - sempre que possível, até mesmo com o
risco de violência. Os espasmos do Estado Simulado serão "espetaculares",
mas na maioria dos casos a tática mais radical será a recusa de participar da
violência espetacular, retirar-se da área de simulação, desaparecer.
A TAZ é um acampamento de guerrilheiros ontologistas: ataque
e fuja. Continue movendo a tribo inteira, mesmo que ela seja apenas dados na
web. A TAZ deve ser capaz de se defender; mas, se possível, tanto o "ataque"
quanto a "defesa" devem evadir a violência do Estado, que já não é
uma violência com sentido. O ataque é feito às estruturas de controle,
essencialmente às ideias. As táticas de defesa são a
"invisibilidade", que é uma arte marcial, e a
"invulnerabilidade", uma arte "oculta" dentro das artes
marciais. A "máquina de guerra nômade" conquista sem ser notada e se
move antes do mapa ser retificado. Quanto ao futuro, apenas o autônomo pode
planejar a autonomia, organizar-se para ela, criá-la. E uma ação conduzida por
esforço próprio. O primeiro passo se assemelha a um satori - a constatação de
que a TAZ começa com um simples ato de percepção.
DO CAPÍTULO: A PSICOTOPOLOGIA DA VIDA COTIDIANA
O mapa está fechado, mas a zona autônoma está aberta.
Metaforicamente, ela se desdobra por dentro das dimensões fractais invisíveis à
cartografia do Controle. E aqui podemos apresentar o conceito de psicotopologia
(e psicotopografia) como uma "ciência" alternativa àquela da pesquisa
e criação de mapas e "imperialismo psíquico" do Estado.
Estamos à procura de "espaços" (geográficos,
sociais, culturais, imaginários) com potencial de florescer como zonas
autônomas - dos momentos em que estejam relativamente abertos, seja por
negligência do Estado ou pelo fato de terem passado despercebidos pelos
cartógrafos, ou por qualquer outra razão. A psicotopologia é a arte de
submergir em busca de potenciais TAZs.
O fim da Revolução e o fechamento do mapa são, no entanto,
apenas as fontes negativas da TAZ: ainda há muito a dizer sobre as suas
inspirações positivas. Reação somente não pode gerar a energia necessária para
"manifestar" uma TAZ. Um levante também precisa ser a favor de alguma
coisa.
- Se a família
nuclear é gerada pela escassez (e resulta em avareza), o bando é gerado pela
abundância (e produz prodigalidade). A família é fechada, geneticamente, pela
posse masculina sobre as mulheres e crianças, pela totalidade hierárquica da
sociedade agrícola/industrial. Por outro lado, o bando é aberto - não para
todos, é claro, mas para um grupo que divide afinidades, os iniciados que juram
sobre um laço de amor. O bando não pertence a uma hierarquia maior, ele é parte
de um padrão horizontalizado de costumes, parentescos, contratos e alianças,
afinidades espirituais etc.
- A TAZ como um festival. Stephen Pearl Andrews certa vez
elaborou uma imagem da sociedade anarquista como um jantar, no qual todas as
estruturas de autoridade se dissolvem no convívio e na celebração (veja o
apêndice C). Aqui poderíamos também invocar Fourier e seu conceito dos sentidos
como base de transformação social - "toque do cio" e
"gastrosofia", e seu louvor às negligenciadas implicações do olfato e
do paladar. Os antigos conceitos de jubileu e bacanal se originaram a partir da
intuição de que certos eventos existem fora do "tempo profano", a
unidade de medida da História e do Estado. Essas ocasiões literalmente ocupavam
espaços vazios no calendário – intervalos intercalados. [...]Os que participam
de levantes invariavelmente notam seus aspectos festivos, mesmo em meioàluta
armada, perigo e risco. O levante é como um bacanal que escapou (ou foi forçado
a desaparecer) de seu intervalo intercalado e agora está livre para aparecer em
qualquer lugar ou a qualquer hora. Liberto do tempo e do espaço, ele, no
entanto, possui bom faro para o amadurecimento dos eventos e afinidade com o
genius loci. A ciência da psicotopologia indica "fluxos de força" e
"pontos de poder" (para usar metáforas ocultistas) que localizam a
TAZ num espaço-temporal, ou que, pelo menos, ajudam a definir sua relação com
um determinado momento e local. [...]Seja ela apenas para poucos amigos, como é
o caso de um jantar, ou para milhares de pessoas, como um carnaval de rua, a
festa é sempre "aberta" porque não é "ordenada". Ela pode
até ser planejada, mas se ela não acontece é um fracasso. A espontaneidade é
crucial.
- O conceito de
nomadismo psíquico (ou, como o chamamos por brincadeira, "cosmopolitismo
desenraizado") é vital para a formação da realidade da TAZ. Aspectos desse
fenômeno foram discutidos por Deleuze e Guattari em Tratado de Nomadologia: a
máquina de guerra, por Lyotard em Driftworks e por vários autores na edição
"Oásis" da Semiotext(e). Preferimos o termo "nomadismo
psíquico" a "nomadismo urbano" ou "nomadologia",
"ações à deriva" etc., simplesmente para poder juntar todos esses
conceitos num único sistema complexo que será estudado à luz da emergência da
TAZ.
(...) cria "ciganos", viajantes psíquicos guiados
pelo desejo ou pela curiosidade, errantes com laços de lealdade frouxos (na
verdade, desleais ao "projeto europeu", que perdeu todo o seu charme
e vitalidade), desligados de qualquer local ou tempo determinado, em busca de
diversidade e aventura...
AVENTUREMO-NOS!
2 comentários:
Um manifesto anarquista e livre! Convite a nos tirar dos lugares de hábito, provocar uma linha de fuga em nossos consensos, nossos pensamentos, nos colocar em devir, movimento, vazios e instaurar desejos. Relendo esse texto poético e linkando com nossas práticas na cidade. O corpo é festa!!! Que venham mais aventuras pela frente!!!
mamadjambos&saltarellos@libicocos.....ta no caminho IN(certo)..espelhado&brilhante!
"arte como crime.crime como arte"
evoé!
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