Aos Laranjas Podres e aos Líquidos:
Realizando as ações enviadas por vocês (“Estátua” pelos
Laranjas Podres Performáticas e “Leitura Molhada ou Surra D’água” pelo Líquida
Ação) no projeto “TRÂNSITOS PERFORMÁTICOS – alimentando a rede”, tivemos a
possibilidade de se pensar, discutir e experimentar a dimensão lúdica da arte
da performance.
Nas ações partilhadas hoje no Obscena, senti muito forte meu
devir criança e descobri que toda criança é um performer: sempre brincando, investigando, explorando e “estranhando”
lugares e conceitos dados.
Aprender performance é meio como desaprender muitas coisas
que nos foram ensinadas: padrões, comportamentos, crenças etc. É meio ser
criança sempre na aventura que convoca o corpo e os sentidos a se colocarem
atentos, perceptivos e abertos aos acontecimentos. Desaprender para re-aprender
num movimento constante.
Penso em Clarice Lispector: “Eu sei de muito pouco. Mas tenho
a meu favor tudo o que não sei e – por ser um campo virgem – está livre de
preconceitos. Tudo o que não sei é a minha parte maior e melhor: é a minha
largueza. É com ela que eu compreenderia tudo. Tudo o que não sei é que
constitui minha verdade”. (Diálogo do Desconhecido).
Criança, performer,
não-saber. Atualmente o espaço e o tempo nas cidades encontram-se constrangidos
e despontecializados. Vigiados e cerceados. Pressa, velocidade, objetividade,
individualismo, consumo e aglomeração são elementos que inter-FEREM na tessitura dos con-TATOS humanos, algumas
vezes, empobrecendo-os.
Se vivemos na era da produtividade desmedida, o que significaria
sairmos pela cidade para brincarmos com água (molhando uns aos outros) ou nos
transformarmos em estátuas e de repente pararmos qualquer forma de movimento,
interrompendo o fluxo vertiginoso das pessoas?
Para mim uma possibilidade de revolução. Pois não há nada mais revolucionário do que um
corpo que brinca! Mas para algumas pessoas da cidade “isso parece loucura!
Coisa de gente sem serviço! Pura anarquia ou irresponsabilidade!”
Pronto, gente! Eis aí uma subversão dos usos e apropriações
do tempo e do espaço nas cidades a partir de uma prática artística
performática.
As ações de hoje – na verdade deliciosas TRAVESSURAS URBANAS –
nos levaram à instauração, ainda que momentânea, de uma Cidade Lúdica. Lugar de
prazer, alegria, desejo, diversão em grupo; enfim, fizemos bagunça mesmo!
A ação Estátua me surpreendeu, Laranjas! De início pensei que
seria algo muito trivial e até teatral, mas foi só botar o pé na rua que fui
tendo importantes percepções. Um jogo delicioso de parar, poder sentir o espaço
e ver o desenho da arquitetura e dos movimentos dos passantes, fora causar uma
certa estranheza nos lugares ou complicá-los pela simples pausa corporal
vivenciada.
Isso porque na cidade, tempo e aceleração cada vez mais
juntos nos ameaçam com a possibilidade de um colapso nervoso ou uma depressão pelo
sentimento de não correr atrás das coisas e não conseguir acompanhar o ritmo
frenético dos fatos e acontecimentos. Viver um tempo subjetivo se torna cada
vez mais difícil. E mais: um tempo com sentido para nós mesmos, um tempo para
brincar, um tempo para descansar, um tempo para amar... Talvez falte mais
ludicidade na vida da cidade, isso porque falta na vida de cada um...
Mas hoje, Líquidos e Laranjas Podres, nós do Obscena,
trabalhamos brincando e brincamos trabalhando. Uma linha de fuga poética e a
sensação de um tempo saboreado no presente com a percepção e criação de espaços
expandidos que se tornaram mais arejados com a realização das ações transitadas
entre nós. Performance como jogo, provocação e descontração. Des-tensionamento no (do) corpo citadino.
Como rimos hoje e como muitas pessoas se divertiram também! A
cidade como “espaço potencial”, lugar possível para uma brincadeira de estátuas
e uma surra d’água.
E que venham mais infâncias para nossos dias!
E que surjam mais desaprendizagens para nossas vidas!
Um abraço,
Clóvis.
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