agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Pique-Nique Sobre As Vísceras

Segue abaixo uma reflexão sobre os assuntos tratados no encontro teórico da última segunda-feira, dia 25/02:

Por volta de 19:15: todos acomodados e mesa posta.
Começamos a refeição principal com “O Narrador”, de Walter Benjamin, após petiscarmos os relatórios do encontro anterior.
E, logo de cara, uma questão na primeira bocada: Como recuperar o corpo do narrador no corpo do ator contemporâneo?

Sempre que ouço uma pergunta iniciada dessa maneira, com o “como” assim no início, sinto uma espécie de arrepio na cervical, que pode evoluir para um calafrio conforme a densidade e o grau de complexidade da problemática levantada pelo restante da oração até o fatídico ponto de interrogação no final.
Talvez haja esse drama todo mesmo só por que o “como” nos coloca um desafio iminente diante do qual não nos resta outra alternativa senão enfrentá-lo, sem escapatória.
E aí, quando realmente é hora de tomar alguma atitude, a coisa aperta pro nosso lado.

Sobre a trajetória da tradição do narrador sendo livremente exterminada através da história, nós lemos, discutimos, compreendemos... agora, daí até recuperá-lo vai ficar difícil. Pode até existir quem conte, quem ainda narre...
Mas não tem quem ouça.
Claro. Pois como bons cidadãos contemporâneos nós sofremos das síndromes esquizofrênicas de passividade. A nossa contemporaneidade é ficar esperando a pós-contemporaneidade chegar, e assim sucessivamente, contando com a possibilidade daquele instante épico quando o sujeito, vestido de branco, pula sete ondas à meia-noite e grita no final: “Coisas boas virão!”, configurando-se este, portanto, como o momento mais vívido e próximo de uma experiência com a ancestralidade alcançada por um indivíduo ordinário.
Somos genéricos, filhos mestiços de ex-narradores, paridos numa sociedade de ouvidos estéreis, ou melhor, numa sociedade que tornou estéreis os ouvidos, por que essa é a nova guerra. Se antes usavam bombas, dinamites e metralhadoras para render, conquistar e dominar o inimigo, hoje usam o “plim-plim!”: às seis, às sete e às oito horas da noite. Os resultados são devastadores, aniquilam o sujeito ali no sofá mesmo, sem arrancar-lhe um membro sequer e sem fazer sangrar. Muito mais econômico e higiênico. Sem contar na relação custo-benefício: dentro de uma TV cabem todos os campos de batalha do mundo.
E, ainda, no intervalo de uma programação para outra, posso ler o horóscopo.
Mas somente o de hoje; dizem que não se pode ler o horóscopo do dia anterior. Dá azar.

Hoje, por exemplo, por qual motivo reparar no passado?
Dá pra tirar algum proveito disso?
Como?
Como resgatar o passado e reaprendê-lo? (Arrepio)
Se a memória foi povoada por slogans:

  • “Jovem envenena a irmã por causa de chapinha”
  • “Mata mulher e o amante e desaparece misteriosamente”
  • “Mata os filhos e comete suicídio”
  • “Morre anjinho do Arrudas”
  • “Criança é estuprada e violentada em cativeiro durante nove anos”
  • “Gatas saradas mostram tudo na Sexy deste mês”
  • “Filho espanca a mãe até a morte”

Quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais profundamente se grava nele o que é ouvido[I] - “Plim-Plim!”.
O bom disso tudo é que, no final, o sangue e as vísceras não vão sujar o meu carpete.

Ninguém mais tece ou fia durante as histórias. Ninguém mais tece ou fia histórias.
Nós comíamos – enquanto ouvíamos Walter Benjamin sob o ponto de vista do outro – um ritual, talvez, da mesma importância. O de comer.
Cachorro quente, bolo, pão-de-queijo massudo e até colomba caseira, homenagem antecipada ao simpático roedor que bota ovos.
Alguém contou pra alguém que esse tipo de anomalia genética é possível.
A gente aceita: metade da arte narrativa está em evitar explicações[II].

Mas o fato é, eu já ia me esquecendo, será que ao invés de recuperar não deveríamos reinventar o narrador? Reconstruí-lo à nossa imagem e semelhança, respeitando sua carga histórica sem idolatrá-la ou tratá-la com saudosismo?

Mas como? (Calafrio)

Enquanto isso, essa é pra você que é de Câncer:
Gasto excessivo de dinheiro o perturbará. Saiba que, devido à influência de Marte, você estará predisposto para isso. Problemas conjugais e com o trabalho. Mas não se preocupe: Coisas boas virão.



[I] Walter Benjamin
[II] Idem

2 comentários:

Clóvis Domingos disse...

Moacir, muito bom teu texto.... Como vc escreve bem.... realmente gostei muito.
Aguardo teus novos relatórios obscênicos.

Erica, a Nêga Regina. disse...

senti-me revirada após ouvi-lo, tanto que agora quero depositar mais e mais sangue sobre os papéis em branco e minhas carnes já apodrecem numa velocidade que não houvera outrora...é assim.