agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

quarta-feira, novembro 16, 2011

A APROXIMAÇÃO FÍSICA ENTRE A CENA TEATRAL CONTEMPORÂNEA E O ESPECTADOR NAS RUAS DE BELO HORIZONTE: AGRUPAMENTO OBSCENA – MINAS GERAIS EM FOCO


XIX JORNADAS DE JOVENS PESQUISADORES
ASSOCIAÇAO DE UNIVERSIDADES DO GRUPO MONTEVIDEO - AUGM
UNIVERSIDAD NACIONAL DEL ESTE
CIUDAD DEL ESTE. REPUBLICA DO PARAGUAI
25, 26 E 27 DE OUTUBRO DE 2011

Universidade: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Faculdade/ Centro/ Instituto: Escola de Belas Artes (EBA)
Titulo do Trabalho: A APROXIMAÇÃO FÍSICA ENTRE A CENA TEATRAL CONTEMPORÂNEA E O ESPECTADOR NAS RUAS DE BELO HORIZONTE: AGRUPAMENTO OBSCENA – MINAS GERAIS EM FOCO
Autor: Marcelo Eduardo Rocco de Gasperi
Nível de Formação do Pesquisador: Mestre em Artes Cênicas (UFMG)
Orientadora: Professora Doutora Mariana Lima e Muniz
Palavras-chave: Aproximação física – Espectador – Agrupamento Obscena
Palabras clave: Física Aproximación - Espectador - Agrupación Obscena
RESUMO: O objetivo do presente trabalho é mostrar a análise sintética do projeto teatral “Às margens do feminino: texturas teatrais da beira”, realizado em 2008 pelo Agrupamento mineiro de pesquisa teatral, denominado Obscena. Tal agrupamento pesquisa a aproximação física entre o espectador transeunte e a cena teatral contemporânea nas ruas de Belo Horizonte (MG).           Para tanto, realizou-se uma revisão bibliográfica sobre os pressupostos de “Aproximação Física”, bem como o conceito de “Sociedade do Espetáculo”, cunhado por Guy Debord, visando à análise da espetacularização social e do estreitamento físico na atualidade. O objetivo foi identificar determinados procedimentos cênicos do Agrupamento em questão que, entre outros pontos, visaram questionar a estrutura espetacularizada dos centros urbanos e construir diálogos com os espectadores transeuntes de Belo Horizonte. Para este recorte, foram selecionados dois procedimentos teatrais, inseridos no projeto supracitado, atuando diretamente nas ruas centrais de Belo Horizonte. São eles: as performances cênicas “Baby Dolls” e “Classificados”. A análise dos procedimentos foi baseada na observação destes, no levantamento dos registros audiovisuais do Obscena, nas entrevistas com os pesquisadores e nos depoimentos postados no blog sobre os processos de criação artística do Agrupamento. A partir desta análise, chegou-se à conclusão de que o Obscena – Agrupamento Independente de Pesquisadores Teatrais– busca absorver as práticas de estreitamento físico com o espectador transeunte, ampliando o olhar da cena sob o aspecto da intervenção teatral nas ruas.



1-    INTRODUÇÃO
Na contemporaneidade, a relação entre a encenação e o espectador caminha ao estreitamento, pois parte dos grupos teatrais contemporâneos busca a aproximação do espectador por outro viés que não apenas pelo discurso dialógico, mas fisicamente. Parte da construção cênica contemporânea se dá em uma rede colaborativa na qual as experimentações teatrais se caracterizam por um diálogo constante entre a encenação e o público presente, objetivando concretizar a participação do espectador como um colaborador do processo de criação espetacular.
O espectador, nesta proposta, pode transformar a estrutura da obra em uma tessitura de vozes dialógicas entre ele e os elementos teatrais. Este sentido espetacular, equiparando-se às peformatividades, formula a arte como um veículo de troca em redes que visam a integrar o discurso da encenação que não se reduz à pesquisa do sentido da representação, mas dos novos conceitos de aproximação com a vida: “Na medida em que o novo teatro não representa uma figura fictícia, mas apresenta o corpo do ator em sua temporalidade real, re-apresenta todos os temas” (LEHMANN, 2007, p. 37).
Neste contexto, a presente pesquisa analisou o Agrupamento Teatral Obscena[1] no projeto “Às Margens do Feminino – Texturas Teatrais da Beira”, realizado em 2008, e sua investigação sobre a cena contemporânea nas ruas do centro urbano de Belo Horizonte, cuja intenção é fazer pequenas e constantes intervenções artísticas performáticas, promovendo interrupções no fluxo dos transeuntes em espaços públicos. Para isso, foi feito um estudo de caso sobre o projeto supracitado, sob a ótica de aproximação física entre o espectador transeunte e a cena contemporânea.
Com o intuito de fundamentar o presente estudo foi feito uma revisão bibliográfica visando articular este projeto aos conceitos de Debord, encontrados no livro de sua autoria “A Sociedade do Espetáculo” [2]. Tais conceitos se baseiam no entendimento do indivíduo contemporâneo como um ser que é constantemente manipulado pela sociedade do capital a ser espectador. Esta visão debordiana sobre o indivíduo como espectador, é pautada nos aspectos de fragmentação do discurso individual, visando desmembrar a sua identidade em prol da tentativa de alienação social.
Portanto, os conceitos debordianos refletem e questionam sobre o modelo de vida do espectador da sociedade moderna. O modelo citado é baseado na tentativa de unificação da vida dos indivíduos pela alienação e pela passividade diante dos fatos políticos e culturais, e também, pelo consumo mercantil (DEBORD, 1997).
Dentro desta ótica, os procedimentos artísticos analisados foram “Baby Dolls” e “Classificados”. Segue a análise sintética de tais procedimentos:
1.1 - Procedimento “Baby Dolls”, criado por Nina Caetano e Lissandra Guimarães
a) Descrição: Três mulheres trajadas de bonecas (Erica Vilhena, Joyce Malta e Lissandra Guimarães) criaram os seus respectivos nichos de exposição ao público. A estrutura foi de montagem dos espaços das bonecas, seguida pela demarcação dos corpos com giz no chão, e escritos sobre a mulher dentro dos desenhos demarcados (ambos feitos por Nina Caetano). As bonecas ficaram próximas umas das outras, mas em seus nichos individuais. A exposição de bonecas, assim como os escritos sobre a mulher são construídos em frente aos transeuntes, em caráter processual. O procedimento finaliza com a desmontagem dos espaços e a permanência dos escritos.
b) Pesquisadoras envolvidas: Erica Vilhena, Joyce Malta, Lissandra Guimarães e Nina Caetano.
c) Diálogo com o público: Lissandra Guimarães desfilava vestida de noiva pela Praça da Savassi (BH). Com várias sacolas nas mãos[3], Guimarães carregava embalagens plásticas, tais como produtos de limpeza, cosméticos e demais apetrechos do lar geralmente associados às donas de casa. Vários objetos foram acoplados ao seu corpo: uma garrafa plástica cortada e posta em sua boca, remetendo a uma “focinheira canina”. Uma bacia para lavar roupas estava amarrada às suas nádegas, e uma vassoura quebrada ficava entre os seus seios. Os objetos faziam parte do corpo desta mulher, eram “corpos objetos na cidade”[4].
Guimarães caminhava olhando para os transeuntes, que curiosos, a fitavam. Quando alguém se aproximava, ela apenas sorria. “Lica, era a noiva feliz e dona de casa coisificada”[5]. Em diversos momentos, a atriz parava em frente às lojas femininas, observando os detalhes das mesmas, imitando as modelos da vitrine:Lica experimenta a noiva nesse dia com as sacolas, repletas de objetos do universo feminino, de beleza, busca ações dentro desse contexto de formatar um corpo boneca noiva quer casar”[6].
A rua como um lugar de risco e de imprevisto parecia potente para àquela ação, pois a conduta corporal de Guimarães forçava uma reação dos transeuntes, suas vestes e suas ações eram totalmente atípicas àquele bairro. As pessoas não tentaram um contato corporal com a artista, mas ficaram ao seu redor, ora acompanhando com olhares, ora caminhando na mesma direção, provavelmente instigadas pelo desfecho daquela ação. Após a caminhada, Guimarães sentou-se na praça para montar o seu nicho de bonecas.
Concomitantemente, Erica Vilhena e Joyce Malta construíam os seus nichos perante o público: “vejo pessoas incomodadas, umas riem, outras perguntam se é teatro ou show e existem aquelas que se irritam por serem interrompidas em seu cotidiano” [7]. Vilhena construía o seu nicho inspirado nas manequins das vitrines. Com uma maquiagem exagerada, roupas femininas e salto alto, a atriz tentava seduzir os espectadores transeuntes, provocava os homens e visava a atrair os olhares masculinos.
Vilhena imitava a sensualidade das fotos propagandísticas que observava nas diversas lojas do bairro Savassi nas proximidades da praça. Compunha uma mistura de sensualidade e banalização do corpo. Seu corpo desejava ser visto, pois olhava fixamente para os homens, sorria. O primeiro contato estabelecido entre ela e o espectador era dado pelo olhar. Posteriormente, o contato era pela forma que contorcia o corpo, que se mostrava diante dos passantes.
Ao mesmo tempo, Joyce Malta estava vestida de boneca infantilizada, algo que remetia às diversas formas de Barbies. Trazia diversas bonecas em seu nicho, bonecas loiras, de olhos azuis, com roupas da cor rosa. Havia uma penteadeira rosa em suas mãos, com espelho e maquiagem infantil. Malta brincava com as bonecas, imitava as suas posições, penteava o cabelo das mesmas. Maquiava-se diante dos espectadores. O nicho de Malta atraía um tipo diversificado de espectador, como as crianças. Elas desejavam tocar as bonecas. Nota-se que se estabeleceu uma empatia entre a atriz e as crianças. Havia um jogo produzido ali, em que o lúdico do universo infantil era despertado. Uma relação paradoxal, pois a estrutura montada criticava as mulheres que são construídas desde a infância, brincando de casinha, mas atraía meninas fascinadas pelas bonecas loiras. Percebendo isto, Caetano escreveu com o giz no chão: “Vamos brincar de bonecas?”, isto auxiliou na aproximação com o espectador, os escritos aguçavam a curiosidade de quem passava pela rua.
Havia o interesse geral pela criação artística que se apresentava. Após o estabelecimento dos nichos de tais bonecas, Caetano aproveitou a proximidade entre elas e iniciou suas propostas de escritas: “Era a minha tentativa de organizar uma proposta ainda muito incipiente. A idéia de uma exposição de bonecas. Bonecas domesticadas pela TV. Expor a boneca das outras mulheres / transeuntes por meio dessas que proponho”[8].
Caetano propôs às bonecas, em tempos diferenciados, que as mesmas deitassem no chão. Assim, a dramaturga desenhava o contorno de tais corpos com giz, iniciando um fluxo de escrita dentro dos mesmos desenhos. A escrita de Caetano era intensa, discorria sobre diversificadas questões em torno da mulher na atualidade. Segue abaixo um recorte entre os inúmeros escritos de Caetano:
Mulher. O ser humano do sexo feminino capaz de conceber e parir outros seres humanos e que se distingue do homem por essas características. Mulher da vida. Meretriz. Mulher à toa. Meretriz. Mulher da comédia. Meretriz. Mulher da rua. Meretriz. Mulher da zona. Meretriz. Mulher. Parir. Limpar. Amamentar. Trocar. Compreender. Amar. Sujeitar. Sacrificar. Lavar. Passar. Esquecer. Esquecer. Esquecer. Perdoar. Aquecer. Embalar. Beijar. Lamber. Chupar. Dar de mamar. Transar. Mesmo sem vontade. (CAETANO, Elvina. Experimento cênico inacabado. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 22 de abril de 2010).
A inserção dos escritos possibilitou maior aproximação dos transeuntes na construção de Baby Dolls, movidos pela busca de entendimento sobre tal procedimento. As participantes construíam o procedimento em um percurso que não havia uma finalização pré-determinada, mostrando uma construção fragmentada, e até ocasional, pois a criação do discurso era compartilhada ao vivo, de maneira improvisada. Caetano escrevia constantemente suas narrativas que mesclavam textos jornalísticos e poesia, misturando ficção e realidade.
A instalação destes corpos no espaço da Savassi incomodava, criava uma ruptura no local, modificava o fluxo cotidiano. A praça foi apropriada pelo procedimento e as pessoas não pareciam mais se importar com o desconforto de estarem em pé. Os pedestres andavam para lerem os escritos, indo ao encontro dos desenhos feitos por Caetano. A ação de Caetano era um convite a uma leitura em que o espectador - leitor construía o seu significado, correlacionando os escritos, às ações e as bonecas. Após os escritos, as bonecas retiraram-se, andando em meio às ruas da Savassi, deixando para trás a escrita no chão, que seria lida, provavelmente, por mais alguns dias.

1.2 - Procedimento “Classificados”, criado por Marcelo Rocco
a) Descrição: A partir de classificados de jornais, cujo tema é o corpo prostituído, os pesquisadores criaram diversos classificados mesclando ficção e realidade sobre o corpo como mercadoria. Os classificados foram usados para a construção de pequenas narrativas frente aos espectadores transeuntes. Vários objetos no chão foram utilizados para a construção das narrativas. Dois atores deitados (Didi Vilela e Patrícia Martins Campos) foram cobertos com carne de açougue, construindo corpos animalescos, grotescos, e iniciando a construção de narrativas a partir dos classificados criados.
b) Pesquisadores envolvidos: Didi Vilela, Marcelo Rocco e Patrícia Martins Campos[9].
c) Diálogo com o público: Os pesquisadores caminhavam pela Avenida Afonso Penna (BH), parando em frente à Praça Sete. Rocco colocou um enorme tapete vermelho no chão. Os performers deitaram-se no mesmo. Os transeuntes começaram a parar ao redor do tapete, perguntando: “É teatro?”. “É propaganda de loja?”, indagou uma senhora. Não ouviu nenhuma resposta.
Aos poucos, carnes eram colocadas nos corpos dos performers: restos de vísceras, carnes variadas de animais como frango, gado, e porco. Os passantes paravam tentando encontrar uma lógica para o procedimento e enquadrá-lo em algo aceitável no cotidiano da cidade. A curiosidade aguçava os transeuntes. Um enorme círculo foi formado ao redor do tapete. As pessoas paravam, comentavam entre elas “o que seria aquilo?”. Muitos espectadores liam os classificados, tentando criar uma compreensão satisfatória para o que viam.  As narrativas criadas a partir de classificados de jornais de compra e venda de corpos foram colocadas no chão da Praça[10]. Rocco colocou diversos objetos ao redor do tapete, tais como calcinhas, vestido de noiva, flores artificiais, revistas femininas, folders propagandísticos cujas fotos são de exposição do corpo feminino, malas e bolsas femininas, entre outros elementos.
Os performers começaram a fazer poses imitando as propagandas e as fotos das revistas do chão. O diretor ofereceu ração aos mesmos que as comiam ao longo do procedimento, de maneira grotesca, animalizada. Gradualmente, os performers retiravam as carnes de seus corpos atirando-as ao chão. Após se levantarem, construíram ações a partir das narrativas que também estavam no chão. Segue abaixo a seleção de alguns classificados utilizados para este procedimento:
Lúcia. Livre. Come, bebe, procria. Come, bebe, procria. Come, bebe, procria.
Carina. Fica na banheira com chantilly. Fã da Luciana Gimenez. Hoje sensação. Amanhã dona de casa. Carla. Não vê prazer no seu trabalho.
Trabalha com o prazer. Isadora. Já foi Dora. Hoje é só dor. (GASPERI, Marcelo. Classifico-me. Disponível em:
http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 22 de abril de 2010).
A partir de tais leituras[11], ambos os performers construíram corpos e ações que remeteram aos classificados. Referindo-se a estes corpos, Vilhena descreve: “A transexualidade. A prostituição. O submundo. O preço das coisas e das pessoas coisificadas: está tudo nos classificados. Seres humanos à venda”[12]. Pela descrição de Vilhena, o procedimento visou a um olhar sobre a sociedade de consumo, cuja grande prioridade é o lucro sobre os corpos das pessoas, transformando os seres humanos em objetos de compra e venda, moldados para o consumo imediato.
Dentro desta ótica de consumo, Vilela Utilizou um jornal de notícias populares, elegendo determinados telefones dos classificados, a fim de colocar questões sobre o universo do ser humano prostituído, como um “ser-mercadoria”. O celular de Vilela ficava no alto-falante para que todos ouvissem a transação. O pesquisador se oferecia para trabalhar, pedia dicas de comportamento e procedimentos em agências de prostituição. Devido ao grande fluxo de carros e de pessoas na rua, o diálogo, feito pelo celular, era inaudível em diversos momentos. Os transeuntes se ativeram apenas às respostas dadas pelo ator. Através da conversa telefônica, Vilela flertava com os garotos de programa.
Vilela desligou o telefone criando narrativas a partir do diálogo feito no celular. O performer pegou uma gravata, narrando a infância e o desejo de seu pai em vê-lo casado. Mesclava o feminino e o masculino, o feminismo e o machismo. Campos e Vilela liam novas narrativas. Relacionavam-se com os transeuntes após tais leituras.
Após as leituras dos classificados, Campos e Vilela construíram diferentes ações a partir das narrativas citadas, construindo múltiplos discursos sobre a erotização. O procedimento perdurou uma hora, visando a um esgotamento absoluto da proposta: “a crueldade máxima: a idiotice estampada em nossos corpos carentes de afeto e alienados de si que mesmo ao serem ‘fodidos e mal pagos’ saem gabando-se, pois não há mais contato além deste e resta-nos a fudeção [sic.]”[13].

2 - OBJETIVOS
O Objetivo geral foi:
            Analisar os procedimentos e experimentos cênicos supracitados do Agrupamento de Pesquisa Obscena no projeto “Às margens do feminino: texturas teatrais da beira”, realizado em 2008, sob a perspectiva da aproximação física entre o espectador e a cena na sociedade espetacularizada.
Os Objetivos específicos foram:
  • Realizar uma revisão bibliográfica do conceito de sociedade espetacularizada de Guy Debord a fim de identificar os procedimentos cênicos, realizados pelo Agrupamento Obscena, que se aproximem deste recorte;
  • Escrever um trabalho, englobando os resultados desta pesquisa que possa servir de referência sobre o tema.
3 - MATERIAIS E MÉTODOS
A presente pesquisa foi dividida em revisão bibliográfica, compreensão sobre o projeto “Às margens do feminino: texturas teatrais da beira” pautada nos conceitos de aproximação física com o espectador transeunte. Além das fontes de pesquisas citadas, outras fontes foram importantes para a construção da dissertação, tais como: entrevistas com os pesquisadores do Agrupamento Obscena, depoimentos dos mesmos pesquisadores postados no blog do Obscena[14], fotos dos procedimentos cênicos do Agrupamento nas ruas, e, por último, relatos pessoais em cadernos de anotações sobre a formação e perspectiva teórica-prática do Obscena sobre o projeto citado.
4 - RESULTADOS

Os procedimentos analisados acima não configuraram na concepção de produtos encerrados, pois estiveram em constante movimento: “A arte contemporânea não propõe ao espectador uma reflexão conclusiva, como uma síntese, mas, sim, analítica” (DESGRANGES, 2003, p. 151).
Tais procedimentos sofreram metamorfoses ao longo dos anos, ampliando o espectro das pesquisas individuais e coletivas do Agrupamento. Sendo assim, as criações supracitadas foram amadurecendo com o tempo de investigação, fazendo com que desaparecessem certas dúvidas, surgindo novas questões aos pesquisadores. Diante de tais apontamentos, pode-se dizer que a poética da construção artística do Obscena esteve e está em constante trânsito, assim como os espectadores transeuntes. O Agrupamento nunca vislumbrou emoldurar as pesquisas como um quadro intocável, mas sim, traçar caminhos de verticalização contínua.

5- DISCUSSÃO
Os conceitos do Obscena em que atores e espectadores se aproximariam fisicamente, estabeleceram novas perspectivas dentro do Agrupamento, aprofundando o caráter do espectador como colaborador do processo teatral. Esta produção de vivência possibilitou certas formas de desconstrução do ritmo “normativo”. Referindo-se aos preceitos de Debord (1999), pode-se dizer que o Obscena visou modificar, em suas pesquisas, o caráter contemplativo do espectador, desejando gerar materiais de transformação da realidade social.
No entanto, o Obscena não realizou este ato por si. O Agrupamento foi auxiliado pelos transeuntes que desejaram participar sob algum aspecto, interrompendo o fluxo de suas trajetórias para compartilharem vivências diferenciadas. Então, pode-se afirmar que os espectadores foram os colaboradores da manutenção e do andamento do processo artístico, pois sem estes, o projeto “Às margens do feminino: texturas teatrais da beira” seria completamente esvaziado.


6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Indústria Cultural e Sociedade. Tradução de Maria Helena Ruschel. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
ARAÚJO, Antônio. A gênese da vertigem: o processo de criação de ‘O Paraíso Perdido’. 2002. Dissertação (Mestrado) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2002.
ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. Tradução de Teixeira Coelho. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
AZAREDO, Sandra. O preconceito contra a mulher: diferença, poema e corpos. São Paulo: Cortez, 2007.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2009.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os Pensadores).
CABRAL, Biange. O espaço da pedagogia na investigação da recepção do espetáculo. Sala Preta. São Paulo, n.8, p. 41-48, 2008.
CARREIRA, André. Apocalipse 1.11: risco como o meio para explorar a teatralidade. In: CARREIRA, André L. A. N et al. (Orgs.). Mediações Performáticas Latino-Americanas II. Belo Horizonte: Faculdade de Letras, 2004.
______. Teatro de invasão: redefinindo a ordem da cidade. In: LIMA, Evelyn Furquim Werneck (Org.) Espaço e Teatro: do edifício teatral à cidade como palco. Rio de Janeiro: Sete Letras, 2008. p.67-78.
COHEN, Renato. Performance como linguagem. Perspectiva: São Paulo, 2002. (Debates).
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo.  Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
DESGRANGES, Flávio. A pedagogia do espectador. São Paulo: Hucitec, 2003.
GUENÓN, Denis. O Teatro é Necessário? São Paulo: Perspectiva, 2004.
GROTOWSKI, Jerzi.  Em busca de um teatro pobre. Tradução de Aldomar Conrado. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992. 220 p.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. Tradução de Pedro Süssekind. São Paulo: Cosac Naify, 2007. 440 p.
NOVAES. Adauto. A imagem e o espetáculo. In: ______ (Org.). Muito além do espetáculo. São Paulo: SENAC, 2005, p.8-15.
POLASTRELLI, Carla. Prefácio. In: FLASZEN, Ludwik; GROTOWSKI, Jerzy. O teatro laboratório de Jerzy Grotowski, 1959-1969. São Paulo: Perspectiva: SESC, 2007, p.13-16.
SOLER, Marcelo. O espectador no teatro de não-ficção. Sala Preta. São Paulo, n. 8, p. 35-40, 2008.
VIGANO, Suzana Schimidt. As regras do jogo: a ação sociocultural em teatro e o ideal democrático. São Paulo: Editora Hulcitec, 2006.
WOLLF, Francis. Por trás do espetáculo: o poder das imagens. In: NOVAES, Adauto (Org.). Muito além do espetáculo. São Paulo: SENAC, 2005. p.16-45.




[1] Criado em 2007 na cidade de Belo Horizonte. O Núcleo é composto essencialmente por atores, diretores e dramaturgos e demais profissionais da área teatral.
[2] O título original, publicado na França, é de 1967. A leitura para a presente pesquisa, publicada no Brasil, é de 1997.
[3]    Sacolas cujas grifes são destinadas ao consumidor feminino.
[4]       CAETANO, Nina. Depoimento postado no blog do Obscena. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 15 de maio de 2010.
[5]       DOMINGOS, Clóvis. Bonecas da Savassi: um sonho imperfeito. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 20 de abril de 2010.
[6]       CAETANO, Nina. Depoimento postado no blog do Obscena. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 15 de maio de 2010.
[7]       DOMINGOS, Clóvis. Bonecas da Savassi: um sonho imperfeito. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 20 de abril de 2010.
[8]       CAETANO, Elvina. Queridas Obscênicas. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 22 de abril de 2010.
[9]       Na época do procedimento, Patricia Martins Campos não fazia parte do Obscena, foi uma atriz convidada por Marcelo Rocco. Como o Obscena primava pela independência dos pesquisadores, artistas não pertencentes ao Obscena poderiam ser convidados para trabalhar com membros do Agrupamento
[10]     Tais narrativas foram feitas para serem lidas a uma longa distância.
[11]     A atriz Patrícia Campos lia os classificados sobre a mulher e Didi Vilela lia os classificados sobre os        transgêneros.
[12]     VILHENA, Erica. Sobre os Classificados. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 20 de abril de 2010.
[13]     VILHENA, Erica. Sobre os Classificados. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 15 de maio de 2010.
[14] Disponível em http://www.obscenica.blogspot.com. Acessado dia 20 de abril de 2010. 

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