- Boa Noite!
- Boa noite!
- A peça é lá em cima? (estamos no passeio)
- Não senhora, é aqui embaixo.
- Que horas começa?
- Já começou!
Ninguém sabe onde começa ou termina esse “negócio”. Público á deriva no espaço. Onde é que se senta? Quem disse que é pra sentar? O que é e como é que se vê isto? Não tem frontalidade. Os espaços não estão definidos.
Sejam bem vindos senhoras e senhores!
Gostaria de dizer-lhes que vocês são um espetáculo! E nós, a mostra. Fique á vontade para atuarem como quiser. Não é espetáculo. Estamos em processo. Desculpem-nos o transtorno. Estamos trabalhando para levar á você um resultado satisfatório, caro usuário do teatro. Também para você que passa e que pára. Que olha e que não vê. Para você que não se interessa, que não se confunde.
Rapaz: É arte ou é macumba?
Diante desta dúvida, explicitada por um transeunte numa sexta-feira 13, em que grande parte das encruzilhadas abrigavam oferendas para a entidades regentes da “matéria”, o obscena iniciava sua segunda mostra em processo...de processo...num tom experimental, de procedimentos diversos propostos por alguns dos 12 “garimpeiros” que buscam, desde fevereiro de 2008, extrair da matéria feminina, o ponto de partida para suas investigações.
E ficamos nós, a beira do teatro Marília, buscando o centro. O eixo. O norte...colocando-nos á disposição do tempo e do espaço. Nossos corpos, desejos, observações, procedimentos, experimentos, ansiedades, dúvidas, certezas e incertezas, diante de uma temática que propõe o feminino em perspectiva e convida,audaciosamente,o publico a se relacionar de forma consciente.
Um imenso TNT vermelho, disposto assim mesmo, enquanto as pessoas passam vindo ou indo de/para algum lugar, ora desviando o fluxo, ora provocando olhares curiosos, duvidosos, desinteressados. Porém, uma vez que a proposta é interagir no cotidiano, acho que a simples ação de dispor o tecido, cumpre sua função.
A convidada chega. Eu a aguardava. É uma mulher. Negra. De forma que isto na me interessava.Bastava que fosse mulher. E mulher era. Com características que eu precisava.
Sentou-se despojada no tecido, mas,moralmente, parece que não. Se expor não é assim tão fácil.
E não ficou mais fácil quando vieram as comidas. As bebidas. Mas, a farinha espalhada, logo aguçou a imagem já constituída internamente.
“Não me interesso por este universo. Não gostaria de representá-lo”
Ninguém falou em representar. Em assumir um personagem, uma figura tal e desenvolve-la no corpo. Preciso, inclusive, do oposto neste tempo e espaço proposto. E que estando, não tenha receios, reservas. O espaço proposto é livre.
É na rua. E mulher na rua o que é? Quem cria as regras é você, mulher.
O abandono do espaço, da proposta, soou como um primeiro sinal. Abram as cortinas que o espetáculo vai começar!
Sejam – estejam!Talvez o Saulo tenha razão: é preciso dizer com maior clareza o que pode e o que não pode. Mas, naquela ocasião, eu não estava dirigindo nada. Orientar não era uma proposta. Queria deixar que o espaço estimulasse, agisse sobre elas. O resto viria pelo acaso, pela interação. A “liberdade”, ser e estar dentro desta instalação. Concordo com meu comparsa Clovis, “ precisaria de muito mais tempo para que as ações interativas acontecessem”.
É preciso achar o buraco, ainda que provoque algumas interrogações: é arte ou é macumba?
Macumba não pode ser. Arte muito menos. É procedimento. É processo.Ou talvez seja mesmo arte: afinal, “ tudo que é diferente, é arte” (disse uma senhora do público no terceiro dia de mostra).Ou de fato não seja: isto é arte nada! Isto é macumba!(disse um rapaz no primeiro dia de mostra)
“(...) eu usei pão nos trabalhos, fala-se que é simbolista, não, mas não há simbolismo, aquilo é o que é, não simboliza nada, é um pedaço de pão amarrado, um pão...só isso.”
NIESTZSCHE,Friederich. Humano, demasiado Humano. São Paulo: Companhia das ÇLetras, 2000. p. 115. In.BARRIGA,Ivone Merle.As Ações de Artur Barrio: Um modelom não Representacional para o Ator Contemporâneo.São Paulo:2006.pg.62
As coisas se confundem já nesta noite de sexta-feira. Querem significados.
E eu quero mulheres no tecido vermelho de Pomba-gira. Com as comidas e bebidas das Baras. Nina entrou. Já que não havia ninguém mais disponível. Levou o material de seu procedimento.Exatamente isto.Trabalhou em cima.Com velas vermelhas ao redor.Tirou as sandálias.Organizou o material de seu procedimento.Comeu suave.Discreta .Sem grande estardalhaço. Saiu e procedeu do lado de fora.Marcou mulheres no chão.Sua ação se resumiu a entrar e sair do tecido. Entrou Patrícia. Os amendoins espalhados foram o ponto de partida. Criou ação com os pés. Posteriormente Lica.Chegando do seu procedimento, entrou. Entrou livre, sem saber bem como se proceder no espaço.Trocamos olhares.Apenas sugeria que não havia regras. E não havia mesmo.E foi desenvolvendo intuitivamente. Com delicadeza nas ações, bebeu.Comeu algo?Conversou com as pessoas do lado de fora.Um homem quer entrar.No espaço. Quer beber a bebida exposta. Lica anuncia que “o espaço é para as mulheres!”.Era exatamente este o desejo.Não a fala em si, mas, a atitude. O colocar-se no espaço e construí-lo da forma como imaginassem. As pessoas receiam em entrar e interagir. Algumas entram e bebem juntas.Sentam-se,mas, pouco á vontade.Novamente a fala do Clovis ressoa: seria preciso um tempo maior para que o espaço se instaurasse.
Acredito que a Lica tenha apontado, aquilo que era a idéia inicial, o espaço e as relações pretendidas.
Mulher na rua o que é? Vulnerável á quaisquer situação. Frágil. Disposta a tudo e a todos. Vadia. Sem ação.
Os olhares indignados de uma senhora no ponto de ônibus, referia-se á situação como “que coisa ridícula! Que coisa horrorosa!”
Sim, são ridículas e horrorosas estas imagens, estas ações. Esta situação, sobretudo aliada á ação do Wilian que se despe na vitrine em frente: Está de calcinha.
Continuo a percorrer estas situações com o mesmo desejo de ver estas mulheres ali, desenvolvendo ações, comportando-se de forma audaciosa. Construindo e destruindo imagens. Sistematizando arte com a imagem da macumba!
“Destruir imagens santas!” na semana anterior aos procedimentos, a ação negativa dos evangélicos sobre o templo umbandista, no rio de janeiro, provocou-me a desenvolver a ruptura com estas imagens. As imagens sacralizadas nestas mulheres. Mulheres morais! Abram as vaginas sem dá-las a ninguém!Sentem de pernas abertas e rezem uma prece a Deus!Procurem homens pelas ruas!Ofereçam suas bocas, seus seios. Bebam sem ficarem bêbadas. Comam á vontade, assim como desejarem.Ainda que tenham "mais de setenta anos" Libere seus anseios, seus desejos, dando asas á sua própria vontade. Faça sem limites padronizados.Sem pedir licença. Estabeleça a sua própria ordem.O seu próprio limite.Vamos quebrar imagens e violar tempos sagrados!PRECISA-SE DE MULHERES!
Um comentário:
Idê, teus textos além de poéticos estão bárbaros e repletos de informações e provocações!!!!! São textos-instalações, me sinto dentro, envolvido, amarrado e enlouquecido. Acho que vc deve realmente investir nesses elementos, como a instalação e o não representacional. Te desejo uma pesquisa 'vermelha', marginal, incômoda e apaixonada! Clóvis.
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