agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

sexta-feira, fevereiro 28, 2014

manifesto para os passantes

Hoje, como ontem, uma pessoa foi morta. Não por acaso uma mulher. E não por acaso, foi morta por alguém que dizia amá-la. Que, não por acaso, é um homem. E não por acaso esse homem culpa a vítima, que ousou “entregar seu corpo” a outro homem. A vagabunda. E não é surpreendente, embora seja triste e assustador, que esse homem tenha encontrado apoio entre muitas pessoas. Homens e mulheres que, como ele, julgam que o corpo dela a ele pertence.
Era nisso que eu pensava, quando Clóvis propôs um novo elemento para a experimentação da última quinta: o manifesto pessoal. Tínhamos 5 minutos para escrevê-lo. E o meu manifesto foi:
“DECLARO QUE, A PARTIR DE HOJE, MEU CORPO É SOMENTE M(EU). EU NÃO PERTENÇO A NINGUÉM. A NINGUÉM NADA DEVO. NEM OBEDIÊNCIA. NEM SATISFAÇÃO. EU SOU MINHA. E NÃO DE QUEM QUISER” – (depois, ao longo do jogo, acrescentei no início: EU, NINA CAETANO).
O jogo dava seguimento ao lance de dados proposto por Flávia em nosso encontro anterior e que propunha que, ao escolher desse modo uma estação de metrô qualquer, para ela partíssemos com o intuito de performar: trajados de modo cotidiano e sem nenhuma preparação.
Dessa vez, a instrução de não “representar” também estava presente. O intuito, aqui, era possibilitar relações com o transeunte, entre a aproximação e o estranhamento. Para isso, Clóvis propôs que abordássemos as pessoas individualmente, ao tornar público nosso manifesto. Lançamos os dados e a estação de metrô sorteada foi a Vila Oeste.

No início foi muito difícil qualquer comunicação. Em vários momentos, pensei que não conseguiria me relacionar com ninguém. Não conseguia coragem para abordar alguém individualmente para dividir algo meu.
Eu havia ficado calada durante o trajeto (embora tivesse ensaiado, algumas vezes, ler o texto. Ou deixa-lo visível em minhas roupas). E agora, naquela estranha e inóspita estação – pura passarela – eu andava. Subia e descia rampa. Escada. Estranhava a paisagem. Decidi caminhar até a av. Amazonas, que passava logo ali embaixo. Andei até ela e estava sob o sol. Árida. Também inóspita. Virei-me e voltei. Decidi ler o texto para mim enquanto subia a rua, na volta à estação. Ao chegar lá, continuava lendo e um vendedor, com o seu carrinho, me olhou. Comecei a ler do início para ele. E o olhava nos olhos. Ele também me olhou. De cara, com um jeito meio lascivo? Até que, ao final, ficou sério e balançou a cabeça, concordando. Surpreso.
Isso me deu coragem e resolvi abordar outros homens. Postei-me atrás de dois que, encostados na amurada de uma das passarelas, conversavam. Comecei a ler. Eles aos poucos notaram o que eu dizia e olharam para trás. Comecei do início, eles se calaram. Quando eu estava terminando um homem passou. Eu o segui e li para ele também que diminuiu o passo, mas não parou.
Percebi que o fluxo continuo me dava coragem. Resolvi ler para mulheres e segui uma senhora, para quem fui lendo à medida que a acompanhava. Eu lia em fluxo.

Por fim, resolvi abordar uma vendedora e ela foi a única para quem perguntei se poderia ler meu manifesto. Ela concordou, eu li. Ela me olhou. Mas parecia, na verdade, estar olhando para si. Isso também me deu coragem. Ou força. Porque eu, na verdade, já não queria mais abordar ninguém. Mas guardar aquela experiência comigo e levar para outras vezes aquela força e aquela coragem. 

Um comentário:

Clóvis Domingos disse...

Nina, muito interessante teu relato de experiência! Numa proposta coletiva você articula a questão do feminino com o espaço público. No jogo anterior (proposta da Flávia) de alguma forma você re-visitou a produção da escrita múltipla na cidade. Acho potente quando criamos cruzamentos de pesquisas. Desde o início do Obscena, parece-me, que você investiga o feminino, a escrita e o espaço e essa investigação se renova, se contamina e se expande.