Tiramos um período de férias dos
encontros do Obscena. Um bom tempo para
se pensar em outras coisas e também se pensar sobre os possíveis caminhos de
pesquisa desse agrupamento artístico que já está em seu sétimo ano de
existência. Muita gente passou, muitas linhas de pesquisa foram fundadas e
investigadas, muitos encontros, muitos desejos e desafios constantes. O que nos
une? O que nos alimenta? O que dá sede, seiva, saliva? Qual é o denominador
comum? O que nos diversifica? O que
temos descoberto? Para onde apontam nossas próximas ações?
E esse tempo vivido “fora”, me trouxe
a própria questão do tempo como matéria de questionamentos, sensações e
silêncios. Acho que viemos de tempos muito produtivos e pouco reflexivos. Uma
sensação de correria, de excesso, de uma certa superficialidade no que se
refere a alguns pontos da pesquisa. E para mim: criação e pesquisa se situam no
avesso da pressa. Hoje o “mal estar da civilização” (já nomeado por Freud) se
localizaria no que Bauman chama de “mal estar da aceleração”? Não corremos
então o risco de estarmos velozes demais?
Quais seriam as linhas de força numa
prática de pesquisa? Tempo para observação ativa, tempo para experimentação,
tempo para discussão, tempo para re-elaboração e por aí vai. Fora a
complexidade de variadas naturezas temporais: meu tempo subjetivo, o tempo dos
outros, o tempo de amadurecimento de uma ação, o tempo da cidade etc.
Numa sociedade performativa (cujo
tempo é destinado à ação e razão eficazes, vide o lema “Faça tudo rapidamente e
não perca tempo”) como fica o tempo das práticas artísticas performáticas? Elas
reforçam a aceleração dos corpos e da percepção das coisas ou pelo contrário,
criam lentidões e inauguram um tempo do kairós? Estaremos presos numa
armadilha?
Como fugir do tempo cronológico
faminto por durações e acúmulos de toda ordem? Há uma ideologia perversa das
realizações que nos trazem a ilusão de felicidade, sucesso e poder. Tipo: “a
gente faz e acontece”. E às vezes fazemos muito e realizamos tão pouco. Não
pretendemos criar uma pausa ou uma interrupção (transgressões cotidianas) na
velocidade da cidade e das relações? Uma outra vivacidade ou melhor: “viva a
cidade”?
Há que se ter tempo para se perceber
as “cores e formas da cidade” (nome de uma ação coletiva), sentir seus cheiros,
tatear seus espaços e experimentar seus gostos. Descobrir suas possibilidades e
proibições. Isso me lembra a arte de cozinhar. Ação que pede tempo e espera.
Precisa de preparo, não necessariamente de receita. Cozinhamos um prato para
nós ou para os outros. Certamente desejamos oferecer um presente para nosso
paladar. Um “presente” também aqui no sentido de presença.
Penso o Obscena como uma cozinha
performática poderosa, repleta de temperos, saberes e sabores, produzindo
pratos (ações) na maioria das vezes coloridos e consistentes, ainda que um
pouco indigestos para o senso comum. Talvez seja o momento desta “maravilhosa
cozinha de Ofélia” fechar para um balanço, entendendo que há um tempo para ação
e um tempo para reflexão, ou “reflexo da ação”. Talvez nem nós mesmos temos
saboreado com vagar as deliciosas especiarias que cozinhamos e oferecemos.
Confesso que o ritmo intenso no final do ano passado deixou minha boca seca e
sem gosto.
Tempo de diálogo, dúvida e muita
conversa entre seus cozinheiros-performers.
Tempo de se ajustar o foco. Será esse tempo o de agora? Haverá algum
cardápio já sendo pensado e preparado e que merece um investimento coletivo
nesse momento, digo, maior investimento e atenção? A montagem de AS ONDAS pode
ser esse tempo degustado e aquecido desde o ano passado? Um processo não
significa tempo de escuta e experimentação? Não utilizaríamos melhor agora os
temperos da teatralidade e da performatividade, que escolhemos lá atrás como ingredientes
criativos e culinários?
Uma cozinha performática que respeita
e percebe os tempos existentes para cada prato a ser criado certamente pode
produzir uma boa mesa e um bom encontro. E mais: alimentar, na medida certa
corpos, ideias e desejos. Deliciosa e demorada comida para tempos mortos! Ou
quem sabe até permitir que se manifeste primeiramente o apetite e a fome! Mas
até para isso precisamos vivenciar uma outra qualidade de tempo. Largo e
preguiçoso. Tempo obsceno.
3 comentários:
ah, clovito! que bom que você tocou nessas questões tão necessárias: me senti chamada à responsa. estava precisando dessa chacoalhada. tempo. sim, a alquimia que só o tempo pode dar. obrigada!
linda [in]flexão!
tão cara e barata todos nós famitos de obscenidades!
um bom tempo pra cozinhar...
Opa! Esse post me pegou em cheio! Afastei-me do Obscena em outubro de 2011, antes mesmo de me descobrir grávida, esse ato já era justamente uma necessidade imensa de me repensar dentro do agrupamento, refletir sobre as ações que havia empreendido desde sua geração em 2007/08. Por fim, veio a gravidez, o dia a dia cuidando de minha mãe e assim já se passaram 16 meses. Agora me pego confusa com o tempo de ser mãe, o tempo não tempo mais! Cuidar de Heloísa, o tempo da amamentação, o tempo da alimentação, o tempo de fazê-la dormir, o tempo do banho, o tempo de ensiná-la a ter prazer, a se distrair, a brincar, o tempo não tempo mais meu, sob meu controle e a meu belo dispor, não, agora é o tempo de criar essa menina, de cozinhar para ela e ensiná-la que a vida é prazerosa, a vida é rica, mesmo que eu esteja muito cansada e com muito muito sono, preciso arduamente ultrapassar esse desconforto e gerar em Heloísa a possibilidade de ser feliz e curtir o tempo. Ontem sofri o dia todo sentindo-me inútil por não fazer mais e mais e mais além de cuidar de minha filha. Ontem, como em outros dias, me atormentei com a ideia de que eu DEVERIA ler mais, produzir mais, mesmo que a qualquer custo, pois é preciso correr, pois cuidando dela estou perdendo o tempo de produzir algo para mim, egoisticamente falando e ilusoriamente crendo que estou perdendo tempo... tempo tempo tempo...
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