agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

domingo, março 11, 2012

Cachorros não sabem blefar. Humanos sabem!

Foto de Marco Aurélio Prates

Cachorros não sabem blefar. Humanos sabem!

Para Saulo Salomão, um ator obsceno.


Assumo: esse texto é um blefe. Eu blefo, tu blefas, eles blefam e todos nós blefamos. Somos humanos. Cachorros não sabem blefar. Que pena! Reconheci minha humana condição de blefador após assistir ao espetáculo da Cia Cinco Cabeças agora no Verão Arte Contemporânea em Belo Horizonte. Saí do teatro repleto de indagações fervilhando em minha cabeça. Eu tenho uma ou “cinco cabeças”?

A sinopse é o seguinte: “Caio sempre olha para seu relógio que insiste em marcar o mesmo horário: 9 e 15. O problema não são as pilhas. Provavelmente está quebrado. Ou então cansou-se. O que seria lastimável para um relógio. Adamastor odeia o nome Caio. Cristina não quer morrer virgem e odeia Caio, seu namorado. Caio, que não é o namorado de Cristina, apresenta-se para as pessoas com o nome de Adamastor, pois sabe que assim são capazes de suportá-lo. Adamastor acredita que tartarugas são perigosíssimas. Certa vez perdeu toda sua fortuna para um jabuti. Verônica nunca sabe se está ou se não está nua. Já perdeu vários empregos por causa disso. Alguns porque estava nua. Outros porque estava vestida. Berenice procura seu cachorro. Ele está sozinho em casa e não sabe abrir pacotes de ração e nem a geladeira. E um detalhe importante: ele não late. De jeito nenhum. Talvez não exista. Não existem cães que não saibam latir. E tartarugas que não saibam blefar. Por isso são excelentes parceiras de pôquer. Já os cachorros não. Cachorros não sabem blefar”. Deu prá entender? Tomara que não...

A cortina se abre e não sei se estou diante do palco ou de uma tela. As primeiras imagens são puro cinema e tenho meu olhar capturado. E todo um traço cinematográfico perpassa a encenação, se apresentando no desenho do espaço, na atuação dos intérpretes, nos movimentos da luz, na dramaturgia “cortada” etc. Há espera, vazio, silêncio e incomunicabilidade, elementos a tensionar tempo, espaço e narrativa.

Um corte: Engraçado, estamos sempre esperando: Godot, God. Good and Happy Days (Beckett) e o toque de um telefone nos trazendo alguma notícia e nos distraindo do absurdo de existir. Estou nu ou vestido agora?

O relógio se cansou e nos transformamos em reféns de um tempo sem minutos e horas. Mas nessa prisão, às vezes risível e angustiante, é que praticamos nosso esporte preferido: blefar. Blefamos, vivemos e aprendemos. Blefar é enganar, confundir e dissimular. E não há maior dissimulação do que a linguagem e a comunicação. A gente quase nunca consegue dizer o que queria, de fato, dizer. Lançamos as palavras, acreditamos na eficiência delas, mas quando essas chegam aos outros, aí já é outra história. Daí tantos desentendimentos e haja blefe! Pedem-nos lógica naquilo que dizemos, pobres de nós! E até aquilo que nos domesticamos a dizer, dependendo de como o subvertemos em algumas ocasiões, pode instaurar o caos, o non-sense e a confusão.

O espetáculo me trouxe isso: blefamos porque somos animais (mas não cachorros) constituídos pela linguagem. Para isso utilizamos códigos, símbolos, palavras, expressões e por aí vai... Cachorros não falam, não mentem e não odeiam Caio porque esse nome pode lhes remeter experiências negativas. Só nós podemos odiar ou amar Caio, Adamastor, Cristina, Berenice, Verônica e qualquer outro nome. Cachorros quando latem podemos ter certeza de que tem algo acontecendo. Já as coisas nos acontecem, a gente fala, inventa, tenta dar nome e sentido, mas nunca chegamos no É das coisas. (Salve Clarice Lispector!). A linguagem blefa. O sentido escapa e como em Ionesco, surge o estranhamento na linguagem cotidiana. O espetáculo brinca com essa Babel que insiste, re-insiste, resiste às classificações e tentativas de ordem e entendimento.

O trabalho conta com a primorosa direção de Byron O’Neill e um conjunto de atores-colaboradores afinados com a proposta desenvolvida. Cachorros não sabem blefar. Que pena! Humanos sabem. Que maravilha! Até porque não há blefe mais interessante do que criar ficções e histórias, mentiras mesmo. Obras artísticas, como o espetáculo da Cia 5 Cabeças, que forçam o pensamento a estrangular as lógicas dos discursos os quais nos habituamos. Do eu hábito ao eu HABITO há uma enorme distância. E esse espetáculo numa excelente e contemporânea linhagem do Teatro do Absurdo, nos coloca essa questão.

Enfim: Cachorros não sabem fazer teatro. Mas os criadores da Cia 5 Cabeças sabem. E fazem. Eles nos presenteiam com um trabalho que anuncia a promessa de mais um jovem grupo teatral a enriquecer a cena mineira.

Clóvis Domingos.

Belo Horizonte, 14 de Fevereiro de 2012.

3 comentários:

Ronaldo Jannotti disse...

Ei Clóvis! Apenas ontem fiquei sabendo que você não costuma olhar o facebook e que por isso não viu nossos comentários sobre o que escreveu. Por isso resolvi vir aqui para agradecer suas palavras que foram tão generosas e valiosas para nós da Cia 5. Cabeças. Adoramos a sua reflexão!!! Não só pelo que diz mas como diz, realmente escreve muito bem. Obrigado mesmo por dedicar seu tempo para refletir sobre o que fizemos.

Grande abraço e seja sempre muito bem vindo!

Ronaldo Jannotti

Deixo aqui comentários de algumas cabeças:

"Amigos, aí segue, um texto muito bacana sobre o espetáculo que faço: CACHORROS NÃO SABEM BLEFAR( Cia Cinco Cabeças) , escrito pela galera porreta do Obscena Agrupamento, através do Clóvis Domingues. Conheçam, Abração" Saulo Salomão

"Obrigada Clóvis Domingos do Obscena Agrupamento por este presente! Quanta generosidade nas palavras aqui compartilhadas!" Mariana Câmara

"E vai aí um texto muito bacana sobre nosso último trabalho "Cachorros não sabem blefar" postado no blog da galera porreta do Obscena Agrupamento! Valeu Clóvis!" Carol Oliveira

Clóvis Domingos disse...

Caro Ronaldo e mais cabeças talentosas, sou eu que agradeço pelo belo espetáculo que nos ofereceram. Vamos continuar produzindo diálogos e trocas.
Abraços.

Ronaldo Jannotti disse...

Com certeza, Clóvis! Obrigado mais uma vez.

Abraços,

Ronaldo