agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

segunda-feira, agosto 22, 2011

:: dentro, fora, entre... :: cores e formas na cidade :: kasa kianda ::





semana passada realizamos a avaliação das duas últimas ações do obscena: a "dentro, fora, entre: espaços de perrformação" realizada durante a semana de inauguração do sesc palladium, e a "somos cores e formas na cidade" realizada durante a segunda edição do festival de performance de belo horizonte. ainda tivemos a atualização da intervenção "kasa kianda" realizada por saulo salomão e leandro acássio.

sento necessidade de dividir algumas reflexões que surgiram nessa avaliação que, penso, estão de alguma maneira em consonância com todos os trabalhos dos pesquisadores do agrupamento.





"dentro, fora, entre..."

clovis domingos colocou uma observação instigante e provocadora da ação que é: como sustentar uma altitude interessante que se pretende criar sem deixar o fluxo dos acontecimentos caírem? o fato de haver vários espaços, nichos e instalações sendo formadas em contiguidade e sobreposição deixava o ambiente pleno sem, contudo, deixar tudo se tornar uma grande confusão ou simplesmente um amontoado de propostas. quer dizer que foi possível estabelecer uma relação de muita calma e escuta no meio das pilhas e trilhas de lixo (?) da cidade.clóvis mencionou que havia entre nós uma relação respeitosa com o lixo, o resto; procurou-se buscar relações, compor com o que estava exposto.

sobre isso
relatei que me senti em diversos momentos bastante atordoado. me via em diversas direções, tentando acalmar meu olhar que demorava para se fixar e buscar relações mais profundas. me senti extremamente só no meio de tanta materialidade interessante. é um grande desafio, exatamente quando estamos imersos no cotidiano da cidade, encontrar relações mais autênticas, mais livres e autônomas no meio da baderna.

a trilha sonora que preencheu impressionamentente o ambiente foi responsabilidade de joyce malta. como ela mesmo disse, foi uma grande descoberta para ela gravar os sons durante sua deriva e, na sequência, colocá-los à prova. é muito curioso que tipo de orquestração a cidade produz. são tantos recortes, tantas camadas que cabe a nós, derivantes, abertos para o que nos atravessa, perceber o que permanece, o que muda, o que insiste, o que assombra. como numa sinfonia, há instrumentos de várias naturezas com organizações próprias.

erica nêga ainda lembrou que, segundo ela, há uma recorrência em alguns trabalhos do agrupamento. busca-se (ou somento ocorre?), diante do caos das situações, da suspensão da naturalidade dos acontecimentos, uma relação patética, irônica e cômica que para ela é a realização de uma forma de anarquia. talvez ela esteja se referindo quando, de uma forma completamente absurda, matheus silva e saulo salomão sofrem uma "surra de lixo" na bunda enconstados numa das grandes pilastras do sesc. a pornografia e a obscenidade insistem em surgir no público - em geral, de forma bastante esterotipadas e banalizadas. nada mais instigante do que brincar e desorganizar essas imagens urbanas.

ficamos
pensando o quanto é ousada e instigante a proposta do sesc - que até então parecia inexistir enquanto um espaço de incitação e desenvolvimento de linguagens artísticas - de convidar e apostar em intervenções de coletivos e agrupamentos da cidade (n3p's, grupo xperimento sonoro6, kaza vazia, experimentos urbanos) que tem desenvolvido pesquisas no cruzamento entre linguagens e que se empenham em investigar a rua como espaço de criação.







"somos cores e formas na cidade"


tivemos a oportunidade de realizar a segunda edição dessa intervenção. dessa vez tinhamos mais do que o dobro de pessoas do agrupamento. totalizamos mais de vinte na rua. a princípio apareceram alguns problemas, que pude compartilhar depois na conversa que realizamos ao final da ação: em diversos momentos houve pouca escuta do que a cidade tinha a nos oferecer. a energia de grande parte das ações se situou numa espécie de algazarra que explodia em diversos espaços ao longo da praça da estação e ao longa da rua arão reis. a palavra era usada despudoradamente. grandes espaços eram oferecidos - permeados de pessoas, objetos, cores, luzes, sombras... - mas que foram praticamente negados grande parte do percurso. fico pensando que trata-se de como somos levados pela cidade, como, no meio da bagunça que já é muita, propomos uma fresta, um acontecimento estranho, ínfimo... a cidade cabe cada vez menos. acho importante transformar tudo aquilo que ela já produz e refazer, transformar de outra forma - atentos, diz kantor, em fazer a passagem da outra margem para a nossa vida...

enfim. um momento especialmente interessante ocorreu quando aquele grupo enorme de pessoas começou a andar rapidamente ao longo de passagens na praça rui barbosa. aleatoriamente esse grupo começa a correr alucinadamente pelo espaço central da praça. nesse momento produziu-se o que se poderia chamar de acontecimento: de algumas ações pontuais, inesperadas e sem conexão causal, ocorre um contágio entre os corpos e inicia-se um grande levante de corpos mudos, deslocando seus corpos em velocidade. depois fiquei sabendo que alguns passantes chegaram a sentir pavor - talvez sentindo que se tratava de um arrastão. mas tratava-se apenas de uma grande dança, o resultado de uma forte comunicação kinestésica e física entre os corpos e os espaços que a praça oferecia. não havia objetivos, nem pretextos, a cidade fazia os corpos se moverem.

outra observação interessante veio de clóvis quando descreve o momento que corpos ocupavam o meio da rua no viaduto de santa teresa. a sensação que se produz em transformar uma rua movimentada - até mesmo emblemática da cidade - em um livre campo para se jogar (situacionistas). erica lembrou bem: produziu-se naquele momento uma zona autônoma temporária. ela também lembrou de outro acontecimento que talvez tenha produzido e criado o mesma energia: quando os corpos pararam o trânsito do viaduto: ninguém buzinou uma única vez! houve um momento de respiro, suspensão. chegamos a dizer: pra que brigar, produzir embates com a cidade? se ela já nos agride tanto, seria mesmo interessante esse confronto? por alguns segundos, talvez um minuto, os carros e os ônibus ficaram absolutamente inertes, pairavam por cima do viaduto, pasmados.





breve "kasa kianda"

não poderia deixar de mencionar os acontecimentos da "kasa kianda". saulo ficou intrigado como o trabalho transbordou os limites entre arte e vida. num dado momento, alguns meninos pediram para entrar na kasa que estava armada em frente ao bordelo. eles se deitam e dormem por lá. como desarmar a "obra" depois disso, com os garotos deitados lá? clóvis fez uma descrição maravilhosa do trabalho que, para mim, é oiticica puro: kasa kianda é um trabalho relacional. a arquitetura se torna pertencimento e não mais uma estrutura, uma forma de conter fisica ou concretamente um espaço. a relação entre os corpos faz a arquitetura. lembro-me bem de oiticica se referindo a merleau-ponty: a arquitetura se dá a partir do corpo e não no encontro do corpo com o espaço, estriado, já feito, é o corpo que produz arquitetura. ao invés de nossos corpos se adaptarem à geometria dada realizada no espaço, o corpo produz seu mundo, suas formas, sua casa.

3 comentários:

Nina Caetano disse...

maravilhoso o seu relato, davi. e importante, pois nos dá uma dimensão do processo de pesquisa que estamos experimentando... muito obrigada! beijos

Clóvis Domingos disse...

Belo relato, Davi. Sim, são questões que cruzam nossos caminhos quando insistimos em juntar vida e arte, experiência e espaço, tempo, relações, invasões, quebras de lugares e inaugurações de fronteiras.
Muitas coisas aconteceram sim, mas o melhor, foi ter feito desses dois importantes eventos, uma oportunidade de continuarmos descobrindo, experimentando e inventando.

Davi Pantuzza Marques disse...

acho mesmo incrível como podemos perceber as conexões entre os trabalhos feitos por cada pesquisador, ou o modo como cada pesquisador está se conectando com as propostas coletivas. é especialmente interessante quais linhas de força - que produz sentido para cada um de nós - surgem desse emaranhado. beijos,