agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

domingo, novembro 07, 2010

relato de experiência

por Patrícia Campos (25 de outubro)

Encontramo-nos em frente a igreja São José e trocamos os mapas como combinado. Um mapa bem traçado dos lugares que teria que percorrer me foi entregue: sete roteiros escritos em um papel rosa.

Vim vestida de homem do shopping cidade.

Cheguei ao shopping com 40 minutos de antecedência do encontro marcado. Sentei e comi um lanche e pensava nas possibilidades que encontraria pela frente vestida naquelas roupas. Não me sentia psicologicamente preparada para experiência que iria viver, não estava em um lugar muito confortável (nunca estamos), mas tive medo e não queria viver a experiência.

Fui paquerada por um atendente da lanchonete, puxei papo. O lanche demorou a chegar, enquanto isso trocava algumas palavras com o atendente. Comi e o atendente (um garoto de uns 19 anos) se despediu de mim. Em seguida fui ao banheiro e me vesti com as roupas. Saí para o encontro.

Já havia estabelecido mentalmente quais seriam as reações das pessoas. Mas não foi como esperava.

Igreja são José: nada! Shopping cidade: as pessoas me olhavam sem enfrentamento, sem desdém, até com certo “respeito”. Entrei em lojas masculinas, fui muito bem atendida. Escolhia roupas entre os homens que garimpavam nas lojas e nenhum incomodo maior. Comecei a provocar as pessoas. Entrei em vários estabelecimentos, entrei em uma livraria e perguntei: Qual desses livros aqui é livro de homem? O rapaz desconsertado me respondeu educadamente que isso não existia. Eu lhe disse: Não sei, só sei que me falaram isso. Conversamos sobre o que lia, era um livro de economia. Vi um livro com título de alguma coisa puta, escrito bem grande na capa, pensei em não, mas perguntei depois: Isso aqui é livro de homem? Não esperei resposta. Fui ao encontro de vários homens sentados em poltronas lendo ou mesmo esperando. Fiz a pergunta a eles: aqui é lugar de homem? Depois constatei que havia uma mulher sentada bem atrás e fui embora. Encontrei mais tarde dois homens em uma banca de livros de economia. O que você está lendo? Livro de economia. É... é livro de homem. Fui ao cinema e fiz a mesma pergunta a um numero de rapazes que me indicaram Tropa de Elite e Piranhas: Sexo, sangue e terror. Saí pelo shopping perseguindo os homens. Sentava ao lado deles e os observava, imitava seus gestos. Eles não me desafiavam, não saiam para longe e na maioria das vezes tentavam agir com naturalidade. Passei a realizar toda minha trajetória em linha reta, desviando apenas das mulheres. Buscava e cruzava pelo meio os grupinhos de homens em pé pelos corredores. Não se afastavam e esbarrava neles aos controncões. Buscava achar entre as pessoas guetos ou pequenos redutos masculinos. Saí do shopping em linha reta em destino aos bares da Guajajaras. Esbarrei em um rapaz e derrubei sua cerveja. Parei por medo, mas não disse nada. “Você está delicada hoje!”. Pedi informação a um morador de rua. Ele me explicou com muita cordialidade vários endereços de bares e me avisou que havia um, mas que não era interessante pessoas como eu e ele entrarmos lá, pois era caro, um lugar mais refinado. Entrei em um boteco, pedi uma cachaça e um cigarro. Fui muito bem atendida.

Palácio das Artes. Senti calor e saí com a blusa levantada. Não me olhavam. Entrei pedi um café. Clovis estava em uma mesa atrás de mim. Pela primeira vez minha barriga não me incomodou. Eu a alisava com a camisa levantada e ninguém olhava, se me olhavam, não era um olhar especial: não me esnobavam, não me desafiavam, não se espantavam demais comigo, não me aprovavam ou reprovavam. Tudo muito natural.

Desde que saí do Shopping questionei se a minha provocação era pertinente. Se o melhor não era mesmo seguir o programa me nutrindo das experiências que cruzassem meu caminho...

Saí do shopping pensando no programa do Clovis que era me acompanhar, prestar atenção em mim e no que acontecia a minha volta e, com toda certeza, essas observações eram observações que me escapavam.

Fui ao banheiro masculino após tomar meu café. Meu corpo de mulher não causava incomodo, nem desejo, nem aprovação ou desaprovação. Entrei no banheiro, um homem usou o sanitário fechado e outro desconcertado lavou as mãos e saiu.

Fui para o supermercado Carrefur. Ainda com calor e a blusa levantada. Não comprei nada. Comecei a procurar o Clovis para saber como ele se comportava dentro de uma situação como aquela e o encontrei em um corredor de frente para mim. Achei muito engraçado seu repertório improvisado para permanecer por tanto tempo no supermercado atrás de mim.

Praça da liberdade. Parei em um bar. Fui gentilmente atendida. Não quis beber nada. Clovis se sentou em uma mesa em frente e me observava. Eu também o observava sem o olhar diretamente. Tomava um chope. Tirei minhas roupas da mala, pendurei-as em uma cadeira. Tirei a roupa que vestia. Vieram me expulsar. Saí da mesa e fui pra calçada. Um grupo de moradores de rua foi observado anteriormente por mim. Não sei o que se passou naquele momento, ampliar minha percepção sobre o que acontecia em torno seria me expor a perigo.

Ridículo! Será um mendigo, um desajustado, um sapatão, um transviado, um drogado entregue a alucinação, um lunático, serão todos performers? O que será que eu significo para quem me vê passar? São questões, sempre.

Pensei durante todo o meu trajeto nas minhas representações cotidianas e nas novas adequações criadas por mim juntamente com os transeuntes a partir das roupas de homem: uma camisa social bege, uma calça também na mesma cor e um sapato social preto e mochila nas costas. Fiquei cansada com a quantidade de elaborações sutis criadas cotidianamente por cada um de nos na vida social e a interdependência que existe entre eu e os outros nessas criações. Como eu queria um salto de liberdade que ainda não foi possível mesmo com aquelas roupas dentro de uma situação que seria originalmente traçada por mim. Comecei a pensar: esse programa é meu?

Terminei de me vesti e fui para o Maleta como havia começado: com roupas de mulher. Tudo termina quando me sento e encontro com as outras pessoas do grupo.

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