
Os espaços esvaziados da vida pública nossa de cada dia nos informam de quê? O que temos feito de nossas vidas, com nossas vidas nesse vai-e-vem entre espaços privatizados, fechados, impermeáveis às diferenças? Como a arte tem agido/reagido a tudo isso? Afinal, já há muito que a arte saiu dos museus. Ou não? Será que temos conseguido fazer uma arte pública, política, urbana?
Qual o lugar da performance na relação entre espaços privatizados e as ações de corpos que resistem, no exercício de sua existência política?
Essas foram algumas das provocações lançadas pelo coletivo Zona de Interferência para o encontro Performações (proposto por eles como contrapartida da residência, dentro do projeto Cenário do CCUFMG): reunião de artistas/performers para discutir performance e ocupação de espaços públicos. Estavam presentes, além do Zona, nós do obscena, Maurício Leonard e Paulo Nazareth.
A discussão, que aconteceu de seis às nove da noite do sábado dia 26 de junho, foi muito interessante e profícua. Mediada por Denise Pedron, que iniciou pontuando algumas questões sobre o conceito de performance, tivemos a apresentação do trabalho, em vídeo, do Maurício e a discussão da experiência vivenciada por Paulo, ao sair caminhando pelas ruas da cidade com um peixe na boca. O obscena apresentou seu trabalho e discutiu um pouco sobre algumas ações performativas que, de quatro às seis, realizamos, nas imediações do Centro Cultural da UFMG:
1. Reperformando Moacir ou ovacione seu país. Reconvocando uma ação de interrupção – que tinha como mote a discussão sobre as possibilidades políticas da cena contemporânea (Lehmann) – proposta pelo pesquisador Moacir Prudêncio nos inícios dos trabalhos do Obscena, essa intervenção consistiu em pregar bandeiras do Brasil que continham, em seu amarelo gema, a inscrição: “ovacione seu país” e colocar abaixo da bandeira uma caixinha com ovos crus. Realizamos eu e Saulo, nas imediações da arena de comemorações da copa (inclusive em um poste na entrada da arena), em “homenagem” ao nosso país, à seleção brasileira e ao prefeito Márcio Lacerda.
2. Filas para o nada ou Fila de artistas aguarda liberação para utilização da praça pelo povo sem pagar aluguel. Proposta por Clóvis – instigado pelas provocações do Zona – para pensar a conformação dos corpos, as filas para o nada propõe a construção de filas que não sirvam a um fim: pegar o ônibus, pagar as contas, comprar ingresso. Realizada em frente à arena de comemoração da copa (espaço proposto por Joyce, ao iniciar a fila com seu casaco amarelo gema), no local de atravessar a rua, atrapalhou o trânsito e causou ruídos.
3. Mulher painel ou mulher não é bola de futebol. Continuação da investigação que Lica e eu realizamos, a mulher painel junta um experimento anterior, testado na praça sete em dia de Marcha Mundial das Mulheres ao desejo de experimentar um novo material em minhas ações: o plástico (ai, Ricardo Carvalho, muito obrigada pela dissertação de mestrado sobre a educação de meninas e o modelo Barbie que você me enviou!!!). O experimento consiste em cobrir o corpo de uma mulher com notícias de jornal, propagandas, fotos de revistas, relacionando estatísticas e dados da violência contra a mulher, à exposição corporal excessiva, imposta pela mídia, à reprodução de clichês corporais e imagens do feminino. Com a aquisição do plástico, ganhamos em dinâmica e em “plasticidade”: conseguimos criar formas, quase uma roupa, a partir dos jornais: com um cone na cabeça, uma saia jornal e peitos de silicone-papel, Lissandra parecia um ser de outro mundo, algo entre o humano e o neutro, o vazio. Muito interessante o que ela conseguiu provocar ao se postar em frente ao telão que passava o jogo EUAxGANA, ao circular pela arena, ao se postar ao lado das bandeiras de ovacione. As formas corporais que criava, ao se colocar disponível à leitura, como um verdadeiro painel.
Em tempo: selecionei, para o painel, algumas especiais da copa: as mulheres bombadas do imperador Adriano (que, de vez em quando, confunde algumas com uma bola e bate nelas pra ver se obedecem, no que é defendido pelo goleiro Bruno, aquele que espanca prostitutas e que agora é suspeito de assassinar a mãe de seu filho), notícias do assassinato (também por um jogador de futebol, seu ex-marido) de ana cláudia com 14 facadas e claro, a memorável frase do nosso querido convocado para a seleção 2010, felipe mello: bola boa é igual mulher de malandro, a gente bate e ela obedece (diferente da jabulani, que parece uma patricinha: não gosta de apanhar...)
Em tempo: duas meninas (entre 7 e 9 anos, circulavam absolutamente sozinhas pela praça), ao me verem colocar mais uma notícia nela e enrolar seus braços com filme plástico ficaram doidinhas. Uma me pediu para que eu a vestisse assim também, com a roupa de papel, os braços de plástico. Na menina, não tive coragem (nem vontade) de pregar nenhum dos materiais que eu trazia, a não ser as tarjetas escritas com “URGENTE” (que espalhei por todo o seu corpo) e uma bandeira do Brasil (que ela solicitou) e que preguei em seu ventre. Acredito que elas queriam acompanhar a mulher painel, mas acabaram circulando um pouco comigo e se integrando à fila.
Depois pegaram alguns ovos e criaram um jogo constante de perigo para a performer: constantemente sob a ameaça de ser ela, e não a bandeira, ovacionada.
Um comentário:
em tempo: ver também a postagem de davi pantuzza no blog de mesmo nome (link no literárias filosóficas aqui deste blog)
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