agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

sexta-feira, março 13, 2009

Sobre a potência das ações II

Começamos o ano com o propósito de desenvolver nossas intervenções: Baby dolls, uma exposição de bonecas e Mulheres mortas. Eu e Lica estamos seguindo a toda com nossa ação.
Chega março e, com ele, o Dia Internacional das Mulheres. O aniversário de 50 anos da boneca Barbie. A excomunhão para médicos que praticam aborto em menina de 9 anos estuprada e grávida de gêmeos, mas não para o seu estuprador. Nem para os homens que, semanalmente, matam suas mulheres no Pernambuco.
O mês das mulheres – um modo que o comércio arrumou de estender seus lucros para o mês, já que flores só são vendidas no único dia que temos, no ano – marcou duas ações interessantes para o desenvolvimento do trabalho com Lica, ambos relacionados à Marcha Mundial das Mulheres, movimento feminista e anti-capitalista com o qual temos mantido estreitas ligações desde março do ano passado.
Sexta-feira, dia 06 de março. A M.M.M. tinha marcado, para este dia, uma concentração na Praça Sete, nossa já velha conhecida de trabalho. Combinamos a ação: Lica sairia com sua mulher objetos de casa, caminharia até a praça, lá faríamos algumas mulheres mortas. Depois ela desmontaria a mulher objetos, e com sua base neutra sobre a pele, seria feita mulher painel, mulher recortes de jornal.
Realmente é interessante observar que, mesmo quando está mais limpa, mesmo assim sua imagem causa impacto quando caminha pelas ruas. Abre parêntesis. Quero marcar uma imagem que vi nesse trajeto e que lamento não ter fotografado, só registrando em minha memória. Ao avançarmos pela Francisco Sales, ela à frente e eu a segui-la, um pouco afastada, passamos em frente a uma casa onde seu dono, um executivo, acabara de estacionar seu carrão com as compras do mês no bagageiro. Uma empregada uniformizada, de touca e tudo, toda cor de rosa, segurava em suas mãos as pesadas sacolas. Ambos, o homem de mãos livres e sua doméstica, pararam para observar e estranhar nossa mulher vaca maravilha. Mas não sua situação. Fecha parêntesis.
Seguimos para o metrô, Praça da Estação (onde ela é ovacionada por um bando de adolescentes), Amazonas, Praça Sete. Chegando à Praça, avistamos 3 ônibus de policiais militares e alguns outros montados a cavalo. A polícia, é evidente, estava ali para nós, mulheres. Vê-los ali me provocou e sugeri à Lica que já fizéssemos uma primeira mulher morta em frente aos policiais a cavalo, que conversavam com uma moça batalhão.
(outro parêntesis: denominações interessantes estas que buscam explicar o "fascínio" de algumas mulheres por determinadas profissões ou bens masculinos. Há a mulher batalhão, a mulher chuteira – que gosta de jogadores de futebol – e a mulher gasolina – que só namora homens com carro. Estas vêm se juntar a várias outras denominações objetos que já se tornaram comuns ao se referir a mulheres: mulher da vida, mulher à toa, mulher da rua, mulher jaca, mulher melancia, mulher filé, samambaia ).
Deixamos uma morta ali, outra no canteiro central, duas perto de uma peça de palhaços que acontecia no quarteirão fechado da Carijós e nos dirigimos ao quarteirão fechado da Rio de Janeiro, onde estava a concentração de mulheres dos movimentos sociais.
Ali Lica desmontou sua mulher objeto e espalhamos nosso material para a próxima empreitada. Em sua bacia-bunda, colocamos a cola e a água que ela carregara nas sacolas. Retirei, dos meus materiais, os recortes de jornais e páginas de revistas. Comecei a pregar em sua roupa alguns recortes que não se fixavam muito bem, devido à diluição da cola. Comecei a pregar em sua pele. João Pequeno, um imenso capoeirista que estava por ali nos observando, ofereceu sua ajuda. Fita adesiva. Pregue se quiser, dissemos a ele. Ele começou um trabalho paciente nas costas da atriz. A fita adesiva não pregava, e ele não desistiu. Ofereceu a fita crepe. Ah, essa funcionou. Nesse instante, aproximou-se um repórter e um fotógrafo do Estado de Minas. Queriam uma matéria, mas não queriam esperar. O fotógrafo já foi ditando: “Fica ali, perto dela, fingindo que prega, não precisa pregar, só fingir”. Diante da mídia, devemos parar nosso processo e nos adequarmos. Não nos adequamos.
Trabalho terminado, fomos passear pela concentração e nos colocarmos ao lado dessas tantas outras mulheres a reivindicar seus direitos. Fizemos mais algumas mulheres mortas e partimos para o nosso local preferido de finalização: a Mac Donald’s com seu imenso M. de Mulher.
Domingo, dia 8 de março. Para este dia, estava prevista uma concentração no Parque Municipal, de onde sairíamos em marcha para o Deoesp, antigo Dops (que, na ditadura, abrigara presos políticos), onde algumas mulheres envolvidas com tráfico estavam encarceradas.
A ação pensada para esse dia fugia ao padrão de intervenção com objetos. Todas nós – incluindo Erica, que não pôde ir e Joyce, que foi – assumiríamos o papel que eu exerço, assumiríamos uma dramaturgia do instante, mas,ao mesmo tempo, seríamos os corpos atuantes. Nada que denotasse uma ação teatral, que nos diferenciasse das outras mulheres da marcha. Com fitas roxas nos pulsos e bandanas do movimento, todas nós - também as mulheres da M.M.M. – seríamos os corpos a cair no chão pelo caminho, deixando um rastro por onde passasse a marcha. E assim foi.
Eu, mulher, mãe, levei meu filho Thomás que, junto com Admarzinho, nos acompanhou por todo o trajeto. Aliás, ali estava cheio de crianças que participavam, já pequenas, do evento. Crianças que suas mães não tinham com quem deixar. Como eu.
Aos meus materiais textuais, juntaram-se as palavras de ordem dessas mulheres e também novos incômodos como as estatísticas da Barbie e a excomunhão. Há sempre novos, a cada mês. A cada dia. Por isso, não posso parar. Vida e arte caminham juntas.
Em alguns lugares, invadimos a rua, paramos o trânsito. As mulheres seguravam o trânsito para que pudéssemos fazer as marcas de corpos a giz no chão e escrever. Se o papa fosse mulher, aborto seria legal. Contra as prisões mentais, contra as prisões materiais. Contra o controle médico. A luta é por respeito, mulher não é só bunda e peito. Enquanto a cada 2 segundos uma boneca Barbie é vendida em alguma parte do mundo, a cada 15 segundos uma mulher é espancada no Brasil. 90% das meninas americanas entre 3 e 9 anos possuem pelo menos uma boneca Barbie. 70% das mulheres assassinadas no país foram vítimas de seus maridos, noivos, namorados. Menina de 9 anos é estuprada e sua mãe excomungada.
Escrevemos no asfalto, na feira, nas escadas do deoesp, suas calçadas ficaram coalhadas de mulheres mortas.
Somos incontornáveis. E irreversíveis.

Nina Caetano
(fotos de joão alberto de azevedo e de nina caetano)

4 comentários:

Luiz Carlos Garrocho disse...

Incontornáveis!

Gostei disso.

Fico feliz de ver este projeto que já esteve no Teatro Marília continuar seus percursos marginais - irreversíveis.

Abraços

Nina Caetano disse...

ei, garrocho!
fiquei super feliz te ter você por aqui, dialogando com a gente... também tenho acompanhado o seu blog.
venha mais, coloque mais tua opinião! é sempre bem vindo.

Clóvis Domingos disse...

Nina, muito bom ler este relato do trabalho junto a MMM em Belo Horizonte. A realidade da cidade fornecendo texturas e materiais, e o diálogo com a luta política das mulheres. Um encontro necessário e rico. Clóvis.

Hozana disse...

Meninas, fiquei emocionada ao ler os relatos de vcs... não havia entrado no blog antes...agora vou acompanhar melhor a trajetória obscênica...
Lembrem-se que vocês tem grandes contribuições feministas para provocar a cidade e portanto, consideramos vcs como Marcha Mundial das Mulheres no cotidiano da da bh CINZA E rosa, como o capital e a Barbie... saudações feministas socialistas!!!