Aos 8 meses de gestação saio pelas ruas, mais especificamente ao longo da Guaicurus/BH, para derramar pétalas nas portas dos 'sobe e desce' da nossa cidade que NÃO AMO RADICALMENTE e assim homenagear as Profissionais do Sexo.
Esta ação me foi proposta por Clóvis Domingos ano passado, quando a fizemos coincidentemente no dia 02/06 data de comemoração internacional desta classe trabalhadora. Ação que de certa foram fora engolida pelo Trio Elétrico da CUT que lá estava a prestigiar as 'meninas' com a fala de um pastor que muito sabiamente fazia um histórico bíblico poético da importância destas mulheres para nosso sociedade. De Maria de Magdala à Gabriela Leite a luta continua por uma vida digna, com direitos trabalhísticos e de saúde.
Como desta vez era um dia comum tive o privilégio que ser seguida por algumas e vê-las pelas janelas em revoadas, curiosas daquilo que ocorria ali embaixo: _é macumba? _é teatro? _tá amarrado em nome de jesus!
Já no início, na esquina da Guaicurus com Rio de Janeiro, fui saudada por uma moradora de rua que chorosa perguntava à Deus 'por que?' e me pedia a benção, derramei sobre ela uma chuva de pétalas e ela girou girou... e, por fim me abraçou e não sei bem quem abençoou a quem, só sei que dali em diante eu estava certa que a rua se abria para mim! Como disse já há oito meses eu não trabalhava junto ao Obscena, muito devido à gravidez, sim, dizem que gestação não é doença e realmente não é, mas que muda a vida da gente, MUDA! Minha energia se converteu toda para meu útero e ao longo dos últimos meses minha única ação foi me concentrar nesta vida que se formava dentro de mim, nas reverberações desta mulher sobre mim e de mim sobre ela. Gestar é algo magnífico, é algo grandioso! Senti-me até então como num casulo, a tecer os fios desta trama, desta nova vida nova e assim tecendo também uma nova Erica, mais ciente de si e do próximo, mais humana, mais de carne e osso! E, ao me deparar com esta mulher na esquina a me receber e a abrir a rua para mim senti-me novamente uma atuante em minha cidade, senti-me novamente capaz de intervir nos fluxos desta louca urbanidade e assim gerar interrupções poéticas pelo concreto afora.
Ano passado a roupa para Padilha foi preta e vermelha e este ano alteração para branca e vermelha e desta forma também alterei minha energia durante a ação, estive mais leve, mais suave desta vez! As pétalas também foram sortidas em suas cores, isso trouxe certamente mais sutileza à nossa presença na rua. Bom, grande parte das mulheres que ali trabalham são mães e nesse fluxo eu me conectei com elas, de mulher para mulher, todas sabemos/sentimos bem o que é isso!
Bom, subimos a Guaicurus derramando as pétalas nas portas dos prostíbulos e a corrente de homens a entrar e sair não se altera, fluxos e fluxos deste comércio que torna a cidade atrativa para as profissionais que assim como Gabriela Leite constatou nos idos anos 70 "Belo Horizonte é ótima para se ganhar dinheiro, os programas são curtos, no máximo 10 min. e, a demanda é grande". Assim também confirmou uma profissional que me seguiu durante a ação e que no final se aproximou para conversar, ela veio do RJ pois soube que BH era rentável. Ela questionou o porquê da minha ação uma vez que não sou puta... eu disse que era por respeito e admiração (entre outras coisas) e, ela se assustou, segundo ela é muita exposição, eu sorri.
O contato com as mulheres foi tão intenso que até sermão eu ganhei, uma senhora evangélica me seguiu por um tempo e assim que teve oportunidade pregou para mim e para meu bebê, derramei pétalas em seus pés e ela se protegeu, tá amarrado. Jesus tem uma grande obra para sua vida é só aceitá-lo, assim ela falava! Outras mulheres agradeciam as pétalas, sentiam-se prestigiadas, outras tinham medo, curiosidade... algumas se irritavam e depois cediam e catavam algumas no chão para esconder nos sutiãs... Algumas pessoas se aproximaram com gestos e símbolos de terreiro me saudando e pedindo a benção, cruzando seus braços, riscando no chão a meus pés e as pétalas nos abençoavam mutuamente. Os homens em sua maioria gritavam, queriam casar com a noiva de vermelho e branco, riam, _chuta que é macumba! Outros se aproximaram, abençoavam... enfim, uns se incomodavam e comentavam uns com os outros, se inquietavam com a ação!
Por hora é isso que sai de mim, muito mais houve... sou pequena pra dizer! Obrigada Companheiros Obscênicos pela experiência!
Axé!
3 comentários:
que belo seu relato, nêga! comovente... quando fala de sua mudança-gestação de novas mulheres, ai! e que forte foi mesmo essa ação, que forte é você! beijos
Nega querida e companheira de ação e vida...te ler me faz me sentir mais vivo! SALVE PADILHA: Uma ação corajosa, que deseja provocar os códigos e símbolos, uma ação poética que muitas vezes encontra agressividades, e que você responde com PÉTALAS E PERFUME DE ROSAS....PURA ALTERIDADE! e Heloisa, tua pequena, estreando no Obscena, nossa, tudo muito forte e lindo! Uma ode de amor às mulheres das ruas e às ruas das mulheres!
Queridos, minha força vem daqueles que amo, respeito e admiro e o Obscena e suas ações/situações são essenciais em minha vida! Heloísa nascerá em meio a pessoas ÚNICAS e sou extremamente grata ao universo por essa dádiva em minha vida! Obrigada Crovito e Tia Nina pela parceria singular e por todas as inquietações provocadas ao longo destes anos de convivência! Axé!
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