agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

segunda-feira, abril 22, 2013

Maneiras de Fazer - TRANSEUNTES : ESTUDOS SOBRE PERFORMANCE (UFSJ)

MANEIRAS DE FAZER pretende ser um espaço de conversas e trocas com grupos de pesquisa cênico-performática. Desejo de ampliar a rede artística. A estreia é com o grupo de pesquisa TRANSEUNTES da Universidade Federal de São João/MG. Fiz o convite ao pesquisador e professor do Curso de Teatro da Universidade, Marcelo Rocco, que também participou por muitos anos do Obscena.

Para saber mais: www.transeuntesperformance. blogspot.com.br

A seguir publico nossa conversa:

 
1- Como é realizar ações cênico-performáticas numa cidade histórica?Como ela influencia na criação de ações? O espaço também performaria? Pergunto isso porque penso que a própria arquitetura histórica já se apresenta como uma intervenção na paisagem urbana.
Esta questão é muito interessante, uma vez que a própria paisagem torna-se cenário para a ação. Estamos, neste momento criando uma ação sobre “vitrinismo nas lojas”, e a arquitetura de SJ nos ajudou facilmente para esta ação, para a construção do Luxo. No entanto, como cidade histórica, os cidadãos e os turistas, encaram certas ações como "teatrais", no sentido convencional e com aplausos no final, nos forçando, em muitos momentos, a trabalhar em outros locais que não carregam a "carga" histórica na paisagem urbana. às vezes, fazemos ações espalhadas pela cidade para causar um estranhamento ao transeunte, não ficando tão clara a noção de performance.

2- Quais têm sido os procedimentos de pesquisa do grupo? Como vocês funcionam? Onde se encontram? Quantas vezes por semana?

Nos encontramos duas vezes por semana, seria muito interessante você ter facebook (talvez não tenha por razões políticas), pois te colocaria no nosso grupo, lá postamos diariamente nossas ações, fotos, etc. Inclusive, meu projeto de Doutorado paira sobre a diferenciação entre cidade histórica e metropolitana quanto às ações performáticas, vou descrever abaixo alguns procedimentos do grupo, aliás, muito influenciado pelo Obscena: 

(esta foi a primeira ação do grupo em 2012)
Procedimento “Corpo-espera”
 
Descrição do procedimento: Performers com vestes coloridas e partes dos corpos pintados ficam imóveis em meio ao centro de São João Del Rei. Todos os performers aguardam algo. Mas, o que esperam? 
 
Diálogo com o público: O teatro ainda pode incomodar? Esta pergunta foi o mote inicial da pesquisa que gerou o procedimento em questão. Em meio às amplas conceituações relativas à Performance Artística, ou Performing Art, estudadas pelo grupo, houve certos denominadores em comum que interessavam a este como objeto de estudo, tais como: O incômodo e a provocação que a performance pode gerar. Este procedimento artístico-performático provocou: “Então, corpos parados são corpos artísticos? Isto é arte? Falta do que fazer. Bando de loucos” (extraído das anotações do caderno do entrevistado). Estas foram algumas das definições ouvidas pelos performers e pelo autor do presente texto durante a apresentação de “Corpo-Espera”, pois os transeuntes necessitavam enquadrar aquilo que viam em algo aceitável ao olho nu, ou seja, algo que fosse inserido na padronização comum que usualmente damos às pessoas, objetos e tudo mais que alcança aos olhos. O caos não pode perdurar. Ele deve se ordenar, se encerrar em um ponto normatizado para o “bem-viver”. 
 
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os corpos parados em meio ao calçadão interrompiam, literalmente, o transeunte, pois este precisava mudar o seu percurso, caso desejasse dar continuidade aos seus passos, já que os performers estavam próximos uns dos outros e, de certa forma, atrapalhando a trajetória cotidiana alheia. Ao ser interrompido por “Corpo-Espera”, o espectador pôde decidir dialogar com a obra, ou continuar o seu caminho. Logo, as intervenções são capazes de deformar as linhas que definem as cidades, exigindo um novo olhar dos transeuntes. Desta maneira, entende-se que a cena contemporânea intervindo nas ruas, apropria-se de interações face a face com os espectadores. Esta ótica possibilita uma leitura que dilui os limites da teatralidade para assimilar ao espectador um caráter real.

Sendo assim, alguns passantes se permitiam ver, outros riam, e outros tentavam entender, dialogar, perceber o entorno. O cotidiano deixou de ser, momentaneamente, apenas local de passagem, passando a ser visto sob outra ótica. As cores reluzentes dos performers atacavam, invadiam as ruas. Uma performer não se conteve em dar cor apenas às suas roupas, banhando o seu corpo com muita tinta. Tais cores ultrapassaram a performer que estava em um estado extra-cotidiano. A “espera” dos performers contaminava muitos espectadores que, por vez, resolveram esperar também, pois algo poderia acontecer: “Vai ser apresentação teatral?” indagou uma senhora. “O que vai acontecer aqui?” – Perguntou uma mulher curiosa enquanto estava de mãos dadas com a sua filha, parecendo sair de uma escola formal (devido ao uniforme usado pela criança). Os performers apenas esperavam, gerando mais dúvidas nos cidadãos passantes. O lugar da espera era subjetivo, pois os performers aguardavam múltiplos acontecimentos. Em um relato posterior à performance, os atores explanaram, um a um, sobre os motivos individuais criados a fim de darem motivação à espera: esperando o ônibus, esperando um homem, esperando a morte, esperando o celular tocar, esperando a chuva que não vem, esperando um homem sair do caminho. Portanto, o procedimento “Corpo-espera” propôs uma vivência com o espectador transeunte através dos corpos dos performers, atuando fisicamente próximo ao espectador, atingindo o mesmo, não pelo verbo, mas pela percepção dos sentidos. Com isto, as imagens dos corpos parados foram geradoras de sensações responsáveis para manter o espectador próximo, em contato com o procedimento, em um jogo que também possibilitava o afastamento, o desinteresse, e o devaneio

  (este abaixo foi o segundo procedimento, ATUALMENTE ESTAMOS TRABALHANDO COM A TEMÁTICA "CONSUMO" ABANDONAMOS UM POUCO A "MULHER") 
Procedimento “Mulher-Utensílio” (esta proposta foi feita pelas alunas – mulheres, influenciadas por ongs feministas e sugeri vários textos do Obscena)

Descrição do procedimento: Donas de casa realizando suas atividades diárias em frente ao centro de compras. A ideia da repetição mecanizada das tarefas cotidianas. A submissão dos corpos femininos frente aos corpos masculinos. O lugar da mulher: A mulher que acopla o lar doce lar, a mulher que passa o ferro, passa a vida, passando a roupa. A mulher de ferro. A mulher que se ferra. A mulher que limpa e sorri. A mulher que apanha e sorri. A mulher que dá e sorri. Coisa de mulher. Mulher coisa. A mulher moderna que trabalha fora, que faz o seu varal. A mulher que não gosta do que vê no espelho. 
 
Diálogo com o público: As atrizes performers posicionavam-se em frente à loja de eletrodomésticos denominada “Ricardo Eletro” (região central de São João Del Rei). Cada mulher em seu nicho dava início às atividades cotidianas das donas de casa: lavar, cozinhar, varrer, bordar, depilar-se, entre outras atividades escolhidas previamente pelas performers. A ideia inicial era causar um estranhamento nos espectadores frente à repetição das ações, transformando as figuras femininas em “seres coisificados”, mecanizados pelo dia a dia. Tal ideia pareceu funcionar. A rua como lugar vivo, possuía um conjunto de signos que não parava de circular: Promoções, compras e vendas, anúncios, barulho ininterrupto, etc. Tal vivacidade colaborava com as características de parte daquela cena que, por sua vez, buscava peculiaridades flexíveis e multifacetadas, dando um sentido aberto à proposta, na comunhão de vozes com o espectador. Sendo assim, rapidamente, os transeuntes paravam ao redor da performance, curiosos pelo decorrer das cenas abertas. Naquele dia, a região central estava com um grande fluxo de cidadãos passantes, devido ao “dia das mães”, que proporcionava grande circulação de pessoas e produtos. Os funcionários de diversas lojas saíam para prestigiar (ou desprestigiar) o procedimento. Em frente às lojas em que a performance decorria, um funcionário resolveu aumentar o volume musical de um aparelho de som, cujas músicas eram de origem eletrônica, ampliando a atmosfera perturbadora e caótica das cenas que se seguiam. Os eletrodomésticos em frente às lojas, bem como os preços promocionais dos produtos, auxiliaram na construção cenográfica da “Mulher-Utensílio”, propondo a arquitetura da cidade como lócus privilegiado do fazer artístico. Tal arquitetura proporcionou o acolhimento do espectador transeunte, em uma articulação entre os cenários oferecidos pela cidade e o procedimento em questão, buscando criar novas molduras espaciais no centro urbano, objetivando assim, a troca de experiências entre a cena e o espectador, na fala de Grotowski O teatro é tudo que ocorre entre o espectador e o ator (GROTOWSKI, Jerzi. Em Busca de um teatro pobre). As ações totalmente atípicas para um espaço público, como os fazeres domésticos, causaram um estranhamento ainda maior com a entrada dos performers masculinos a fim de submeterem as mulheres em situações vexatórias, colocando-as em posições domesticadas, em um intenso jogo das questões privadas e públicas, forçando uma reação dos transeuntes, formatando, assim uma resposta dos mesmos. Frente às constantes humilhações em que as performers se faziam passar, alguns espectadores tentaram um contato corporal com as artistas, visando entender, ainda que sob o olhar conteudista, aquela cena. Porém, não obtiveram respostas conclusivas por parte das performers. 

Durante as repetições das ações performáticas, a maioria dos transeuntes ficava ao redor da cena, ora acompanhando com olhares, ora caminhando na mesma direção, provavelmente instigados pelo desfecho daquela ação. As atrizes provocavam os olhares masculinos, desejavam ser vistas, eram expostas às situações de humilhação. Algumas pessoas riam, outras ficavam um pouco irritadas com a interrupção abrupta do cotidiano. Restava então a pergunta: Por que a maioria apenas observava? Faltava mais força à performance? Ou os transeuntes entendiam que aquilo era teatral e, com isto, colocavam-se na posição de contempladores? Estas perguntas são investigadas até hoje pelo grupo em constante processo de descoberta, não obtendo uma resposta conclusiva, mas sim, analítica.


3- Como vocês pensam a aproximação entre artes cênicas e artes visuais/urbanas? Seriam práticas híbridas? Ainda estaríamos de alguma forma fazendo teatro na rua ou desejamos outras formas de  provocações e interrupções? Como escapar de ações "espetaculares" que facilmente seriam chamadas de "isso é teatro"? Ou tal questão não importa para a pesquisa de vocês?

Pode-se dizer que a rua exige uma corporeidade intensiva por parte dos performers, além de múltiplas práticas, que posso afirmar serem híbridas, mesmo porque, no grupo, há arquitetos, jornalistas, cenógrafos, ou seja, o grupo já começou extrapolando o caráter teatral. A experiência de expor o próprio corpo no espaço público, através de novas relações artísticas, explicita o campo de aproximação física entre a obra e a quem ela se refere.



terça-feira, abril 09, 2013

AQUI PERFORMAMOS COM OS MORTOS

Aqui Performamos com os Mortos

Em Ouro Preto, redolente, vaga um remoto estar - presente”.
Carlos Drummond de Andrade

Tudo é intervenção!

O Obscena propôs uma série de intervenções cênico-performáticas como parte da programação do Simpósio Internacional Corpolítico, ocorrido em Ouro Preto entre 11 e 15 de Março de 2013.
Simultaneamente aconteceram cinco ações poético-urbanas: “Salve Padilha, cheia de Graça” (que começou na Ponte Marília de Dirceu e terminou na Igreja do Rosário); “Espaço Disponível: Anuncie Aqui” (que ocupou a Feira de Artesanato perto da Igreja de São Francisco de Assis e vários lugares do centro da cidade); “Infravermelho” (também realizada na Ponte Marília de Dirceu) e “O Espaço do Silêncio” (que juntamente com “O Suicidado”), que se instalou na Praça Tiradentes.

O pesquisador e performer Matheus Silva afirmou que criamos um “mar vermelho” que invadiu a cidade barroca. Sim, nossas presenças afetaram o cotidiano de Ouro Preto. Mas também acredito que a cidade performou. Cidade misteriosa, de pura teatralidade, misto de religião e espetáculo, paisagem habitada por moradores, turistas, estudantes, heróis e espíritos, espaço vertiginoso no qual o passado e a História respiram juntos.

Nas palavras de Alexander Freitas (2009:146): “o espaço arquitetônico de Ouro Preto, metaforicamente, como a maré cheia, preside uma invasão – uma imposição – da imagética setenticista ao presente”. Uma forte intervenção urbana.

E penso que nossas ações, no presente, de alguma forma, atualizaram o passado. Foram invadidas por fatos históricos e pelo imaginário coletivo existente em Ouro Preto. Os espaços interviram sobre nossos trabalhos artísticos numa tessitura de tramas da memória. As igrejas e o som dos sinos, o silêncio dos cemitérios, as ladeiras e seus candelabros, a arte sacra, tudo é intervenção.

Fiquei pensando: o que seria performar num espaço teatralizado que grita suas cores e formas? Que espetaculariza sua História? Lugar que cotidianamente acontece uma performance dos moradores e personagens de rua? Acredito que seja possível dialogar com esses espaços e suas simbologias. E mais: praticá-los de forma liminar e fronteiriça. Duplicar seus usos e sentidos. Nossas ações e manifestações cênicas “transbordam as taxonomias e configuram-se como corpos mestiços a partir dos entrecruzamentos e hibridações entre os dispositivos das artes cênicas e visuais” (DIÉGUEZ, 2011:51), elementos preponderantes na cultura barroca. Corpos políticos por entrecruzarem tempos e espaços. Abordarei tal aspecto no tópico a seguir.

Espaços Entrecruzados: ATUALIZE AQUI

A cruz é a síntese de dois espaços de poder da arquitetura barroca: a igreja e os cemitérios (FREITAS, 2009). A cruz também é o encontro de duas linhas temporais: de um momento que segue seu fluxo no instante se deparando com um momento já vivido. Morte e vida. Acontecimento e acontecido. Nesse “entre-lugar”, nós obscênicos, acontecemos. 
 

Fotos de Luciane Trevisan

A Padilha de Erica Vilhena se metamorfoseou numa espécie de santa, caminhando descalça como um ato de fé e sacrifício, e depositando oferendas (terços, conchas e pétalas de rosa) nas portas das igrejas que emprestam seus nomes em homenagem às mártires católicas. Um corpo em PROCISSÃO. A cada estação, cada parada, uma ação ritual. Uma Pomba-Gira recatada e bem comportada desfilou pelas ruas de Ouro Preto e a sensação verbalizada pela performer, era de estar sendo vigiada o tempo todo. A iconografia barroca nos revelava que a cidade tem olhos. Muito diferente de uma caminhada perigosa, feita por uma Padilha atrevida, numa outra experimentação ocorrida no baixo centro de Belo Horizonte, nas ladeiras ouro-pretanas sentimos “pulular os olhos-da-cidade, que aqui, são explicitamente metáforas dos olhos-de-Deus” (FREITAS, 2009: 200).

Santa Efigênia, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora do Pilar ou Marília de Dirceu, entre outras figuras femininas, se atualizaram no corpo peregrino da performer. Inclusive, Erica distribuiu suspiros na conhecida “Ponte dos Suspiros”, no bairro Antônio Dias, local no qual se conta que Marília de Dirceu se encontrava com seu amado Tomás Antônio Gonzaga. Nessa gestualidade performática cruza-se uma composição corporal, espacial e temporal. Reencontro de arquiteturas. Presentificação de um tempo que ainda dura.

Da mesma forma que a questão do suicídio e extermínio dos nossos índios guaranis kaiowás (tratada nos trabalhos “Espaço do Silêncio” e “O Suicidado”) voltou a ser denunciada na Praça central, local no qual Tiradentes foi assassinado. Nina Caetano e suas pequenas cruzes, quase uma santa colocada num altar branco que aos poucos se mancha de vermelho. Leandro Acácio, num esforço de resistência física e psicológica, a sustentar um pedaço de tronco seco corporificando a imagem de um crucificado. O silêncio que se converte em discurso. Leandro e seu “corpo-estátua”. Ambos os trabalhos nos olham, criando quase um constrangimento.

Além da possibilidade de se erguer publicamente um monumento, ainda que temporário (em memória da injustiça cometida contra os expatriados indígenas) sob outro “palco” permanente, a praça. Na ocupação espacial desses dois trabalhos, temos uma teatralidade e performatividade em estado de permanente fricção, atravessadas por narrativas históricas (logo ficcionais) e irrupções do real.

As imagens de uma amordaçada e um enforcado, seus corpos quase imóveis e se torna impossível não se lembrar da morte do famoso inconfidente Tiradentes. Corpos rendidos. Re-ligação de personagens rebelados em tempos diferenciados. Os turistas- espectadores que fotografavam aquele acontecimento cênico registravam o espaço e seu duplo, a sobreposição de tempos, fatos, atos e ventos.

Em “Infravermelho”, mais uma mulher, agora cega, carregando maçãs do amor e tateando o corpo de velhas pedras e muros da cidade. Marcelle Louzada, impossibilitada de ver o que se passava e ao mesmo tempo se oferecendo como um corpo em plena visualidade poética. Um quadro vivo de pintura impressionista. Ela se arrastava, tropeçava, buscava pontos de apoio e também parecia ser uma santa fugitiva de algum altar. Em outros momentos era como ter a visão de um “corpo fantasma” como uma daquelas almas perdidas que rondam o fabulário ouro-pretano. Os olhos tampados, como que furados e vazados, me remetiam à ideia de um corpo torturado.

Em “Espaço Disponível: Anuncie Aqui” (com Matheus Silva, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Flávia Fantini e Sabrina Andrade), a provocação ao comércio local, às feiras, à herança dos exploradores. Nem tudo reluz e nem tudo é ouro. Ainda haveria espaços possíveis em Ouro Preto para se divulgar a venda de alguma coisa? O turismo alimenta a economia e tudo é propaganda, disputa, indicação de hotel e restaurante; se paga para se visitar as igrejas e museus. Até quando seduzidos e viciados pela História?

Além da escolha nessa ação, do corpo como suporte para pequenos textos compondo um cartaz. Também uma possível alusão às placas das repúblicas estudantis anexadas aos corpos dos universitários. Outra aproximação. Anuncie aqui: seu poder, o peso da tradição, o machismo secular, sua perversidade. Anuncie aqui: “Bixo”, lixo, nicho de corpos domesticados. Anuncie aqui a humilhação e a violência, feito as placas com os valores de compra dos negros africanos contrabandeados para servirem de escravos para seus senhores europeus.

No conjunto desta “aparição-presentação” artística tudo dialoga com esse “mar vermelho”: sangue, dor, fé, luxo, ostentação, sobrenatural, espaço e poder.

Uma vez alguém proclamou: “Aqui em Ouro Preto andamos sobre os mortos”. Naquela tarde de quinta-feira, 14 de Março, poderíamos dizer: Aqui performamos com eles. Uma experiência fora do tempo. Eles reviveram através de nossos trabalhos. Pois estão vivos nos espaços que escolhemos ocupar.

Espaços em Branco

Caí numa armadilha? Estarei de alguma forma historicizando uma vivência coletiva numa visão pessoal do que fizemos? Tudo o que aqui está escrito já é passado. Foi-se. É uma cruz. Tudo se afoga com aquele “mar vermelho”: referências, identidades, calendários e contextos.

Que venha o desconhecido e o imprevisível!

Agora desejo olhar para nossas pesquisas como corpos com tatuagens de rena, efêmeras e livres para novos lugares e encontros. Podendo ser bicho, gente, coisa, cor, onda, linha, vôo, nada. Anúncios impossíveis.

Espaços em branco: PERFORME AQUI!

Referências:

DIÉGUEZ, Ileana. Cenários Liminares: teatralidades, performances e política. Tradução de Luis Alberto Alonso e Angela Reis. Uberlândia: EDUFU, 2011.

FREITAS, Alexander. Imagens da Memória Barroca de Ouro Preto: o espaço barroco como educador do imaginário ouro-pretano. Doutorado. Faculdade de Educação. São Paulo: USP, 2009. 308 p.



domingo, abril 07, 2013

Notas do terceiro movimento, de Ondas: estaríamos fadados a um repisamento infindável?



A besta, de fato, acorrentou-se e pateia sem parar, indo a lugar nenhum. Elucubrada de um excesso mental, de uma sobrecarga racional, fica imóvel, batendo as patas em significâncias nocivas, egoicas. Com suas patadas infinitas na praia, cria uma cova rasa do entendimento, de um saber auto-afirmativo e tirano. Esta besta precisa de muita dor para sentir, enfim, seu corpo; precisa que a bajulem, precisa ter certeza de que faz algum sentido no mundo. Precisa colar seu corpo numa lâmpada, feito uma mariposa cega. Precisa que a citem, que a faça se sentir inventando a roda, que seja importante, afinal. Ela permanece presa a estes truques, bem humorada com suas patas.

A besta não quer perder o freio, não quer soltar-se. Quer uma medida, quer o isolamento; cansou-se de sua rede conectiva. Inventou para si uma rede que a prende na praia, que a cobre de sensações de segurança e pertencimento. Este seu patear não produz novas ondas. A besta não consegue amar, nem a si mesma e, portanto, separou-se da natureza. Tem total recusa por ela e seu temperamento intempestivo. Não consegue dançar, fica sempre a ouvir uma mesma melodia melancólica, entupida de ressentimento.

O círculo está fechado. Onde está a fratura nessa continuidade? Qual a fissura pela qual a besta vê-se em desgraça? Gosta tanto de ser sacal? Precisa ser uma pedagoga impotente? É invadida pelo desânimo e pela indiferença. Perde a consciência dos corpos unidos debaixo da mesa. Existe então um mundo imune às transformações.