agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

sábado, dezembro 17, 2011

Ser Mãe: uma ação obscênica!


Aqui estou eu com cerca de dois meses de gravidez e não há nada mais concreto na vida que gerar um ser! Bom, pelo menos para mim o 'estado interessante' tem trazido uma sensação de materialidade, realidade, possibilidade de transformação que outrora não ousava pensar... sentia-me ainda limitada, ainda inapta. Estas semanas têm me mostrado uma vida muito além e tudo isso tem sido reforçado pela presença de minha mãe em minha casa, ela acaba de completar 74 anos, dos quais 16 são em luta com o Alzeimer e nestes eu lutei com ela, por ela e por mim. Como seu estado é agora de 100% de dependência os papéis estão literalmente invertidos e me sinto pretensiosamente orgulhosa por cuidar dela, por acordar e ir a seu quarto onde um radinho não se cala, onde a paz do seu cheirinho me cerca de tamanha luz que sinto-me melhor, sinto-me mais forte e mais completa. Na foto acima eu tinha 17 e ela 59 anos, este momento trago forte comigo, pois foi quanto a doença começou a se manifestar e não sabíamos o que se dava com ela.
Esta criança que cresce em meu ventre terá sim uma Erica, Nêga, Mulhe muito melhor para acompanhar seus passos, para auxilia-la a ganhar o mundo e construir sua história, seja ela qual for! Ela é fruto dum relacionamento que se inciou quando eu ainda era uma mocinha de 23 anos e estudava teatro na UFOP, uma menina que se apaixonou por um rapaz de URA que lá morava para trabalhar e desenvolver sua música, Zacca.
Escrevo estas palavras tão pessoais aqui pois para mim vida e arte se fundem e se hoje estou a gerar é porque muito aprendi deste verbo em comunhão com o OBSCENA. Muito experimentei junto a meus digníssimos companheiros, os que já se deslocaram, os que continuam e os que nos alimentam com suas novas presenças! Sou extremamente grata a minha pesquisa acerca do feminino, pois ela me possibilitou fortalecer-me o suficiente para agora gestar esta nossa possibilidade de vida em minhas entranhas!
Salve a vida, salve nossa poética do imediato, salve nossas bonecas, salve nossas kazas, salve Padilha, salve as portas, as vacas e as cachorras, salve o giz que marca no chão o efêmero insustentável da vida!!!!
Que a luz deste novo ser nos traga a consciência de que nossa luta é gloriosa e que nossa marca já está!

AXÉ!

Poéticas do Imediato

Numa conversa com a obscênica Erica Vilhena, ela trouxe uma definição muito interessante sobre a forma de trabalho do Obscena: "nós trabalhamos no IMEDIATO". Isso ficou na minha cabeça e depois comecei a pensar mais demoradamente sobre tal afirmação.

Sim, atuamos no Imediato, no instante, no risco. Quando temos uma imagem ou ideia nos lançamos.
Mergulhar sem rede de proteção. Isso é o imediato. Senão fica muito no mental, no conceitual e não fazemos a experiência.

Vamos para a rua sem muita preparação ou conceito pré-definido, até porque na prática e no encontro/provocação com os espaços e as pessoas, é que as coisas se revelam. Não dependemos de figurinos, textos ou qualquer produção muito elaborada, nosso objetivo é fazer acontecer algo a que nos propomos...senão perdemos o bonde!

O que não quer dizer que o Imediato nos acompanhe o tempo todo. Sempre avaliamos as experimentações, perceber as forças, fragilidades, o que acontece, os sustos etc, tudo isso é PERCURSO DE PESQUISA.

O que soaria como imediatista ou apressado ( o que também é) eu traduzo como URGÊNCIA DE DESEJO. Muitas coisas nasceram e foram depois aprimoradas e aprofundadas devido a uma ação imediata. Isso também me remete a precipitar, isto é, nem sempre dá tempo de termos certeza para nos decidirmos a fazer algo. A vida acontece no RISCO e no SUSTO. Em nossas ações convivem simultaneamente o acaso e a determinação. Sempre uma atitude atencional, uma amplitude de percepções.

Há uma infinidade de significados para IMEDIATO:


Leio essa lista de palavras e ao mesmo tempo penso em várias ações do Obscena que se encaixam nela. Gosto de "palpitante" e "de repente". Já "inesperadoimprevisto" acho lindo e parece ser o que acontece quando alguém se depara com uma de nossas ações. "Contínuo" deve ser porque na ação a gente continua uma ideia ligeira que nos visitou... e "manifesto" é também muito bom, porque algo que surgiu pôde ser manifestado, vivenciado, acolhido e colocado à prova...

Erica, sim, fazemos no IMEDIATO, mas não somos "imediatistas", não queremos resultados rápidos ou respostas superficiais, pelo contrário, queremos processos vivos, desafiantes e palpitantes....não queremos certezas, queremos aventuras, dúvidas e sempre novas leituras do que vemos, fazemos e tentamos provocar com nossas pesquisas.

domingo, dezembro 11, 2011

Sonoridades Obscênicas- uma kasa kianda e kanta

Fotos de Thiago Franco


Sonoridades Obscênicas: mais um momento/espaço de experimentação, bricolagens artísticas, alegria e defesa pela importância de se colocar nossos blocos nas ruas da cidade. Blocos de carne, gente e vida. Blocos políticos, poéticos e coloridos. A cada experimentação novos ganhos, desafios e companheiros...

Fechamos assim nossa participação em 2011 no Centro Cultural da UFMG. Festa, encontro, provocações e muita emoção...

Sonoridades Obscênicas: invenção de um terreiro de cores e formas, sagrado e profanos, macumba urbana e uma kasa kianda kicanta e kimove.

Salve 2011!!!

Salve mais um ano de trabalho coletivo, de desejos individuais que se somaram, cada um semeando, trazendo questões e propondo ações...cada um cuidando de si e dos outros, da pesquisa, das necessidades e mantendo viva uma das maiores obscenidades contemporâneas que é ser MULTIVÍDUO, um indivíduo repleto de multiplicidades, contatos, aberturas ao Outro, tecendo uma Poética da Multidão.

Obrigado por tudo, queridos obscênicos!!!!
Obrigado aos parceiros e coletivos pelos diálogos e trocas sempre produtivas e imtepestivas!!!
Obrigado aos seguidores, leitores e comentadores que só aumentam essa rede colaborativa!

Em 2012 A GENTE CONTINUA!!!

domingo, dezembro 04, 2011

Sobre a Mostra Obscênica de Novembro

A última mostra de pesquisas do Obscena revelou para mim a pluralidade de linguagens que começamos a investigar. A variedade de formas de se expor e relatar determinados processos criativos nos trouxe a possibilidade de investigar outros suportes artísticos , que vão além da cena e da teatralidade. Como disse Jacques Lacan: ir além da cena, não é ver melhor, é se tornar obsceno.

Em nossa ob.servação de nossas cenas e ações, obscenizamos lugares, conceitos e relações. Realizamos discussões importantes, realizamos mais uma Festa no Metrô com direito a uma confraternização na Praça de Santa Tereza e ainda realizamos mais uma vez o pocket show: SONORIDADES OBSCÊNICAS.

No dia 24 de Novembro aconteceu nossa MESAREDONDAOBSCÊNICA e Matheus trouxe um texto maravilhoso para nos brindar, um exercício de deriva dele pelos seus proprios relatos no blog, daí ele juntou, recortou, inventou e nessa deriva- AÇÃO criou um texto forte, poético e muito bonito. Davi afirmou: " Matheus trabalhou com o texto como CIDADE, espaço de andanças e de experimentação. Instituiu uma CIDADE-TEXTO, e nela passeamos..."

Depois foi a vez de Leandro que fez um percurso da pesquisa do ano, traçando as ações, os acontecimentos, os desafios e dificuldades. Projetou um singelo vídeo com as imagens do LAMBE-LAMBE. E trouxe questões importantes para discutirmos como o poder do Imaginário Social ou talvez hoje, midiático.

Joyce, em sua explanação, utilizou o som, o corpo e o material plástico. Ela começou sua partilha nos convidando a escutar o som do canto dos pássaros (som recolhido no Mercado Central) e usou a máscara com o escrito: "espaço disponível, anuncie aqui". Ela falou do desejo de continuar experimentando o "CORPO SONORO" e relatou algumas ações de se levar música para os pontos de ônibus da cidade e suas possíveis repercussões.

Davi falou das derivas pela cidade e do desejo de experimentarmos no próximo ano uma deriva de longa duração. Acho que vai ser muito interessante. Lica e Nina falaram um pouco da relação de suas pesquisas ( o universo feminino) com a aproximação com a linguagem do video/cinema.
Há o encontro entre dramaturgia e atuação. Exibiram uma célula dessa pesquisa: "A MULHER GRADE" e ficamos impressionados com a força do texto que fala da culpa e do trabalho de atuação de Lissandra. Como avaliei no início dessa postagem, estamos conquistando outros suportes artísticos.

PEQUENO INVENTÁRIO DE AÇÕES OBSCENAS PARA SE ALEGRAR A CIDADE

Esse é o nome de minha avaliação/explanação na mostra. Mas algo que é pura ação e experimentação. Um pequeno inventário de algumas ações vivenciadas, mas a serem experimentadas num outro suporte: A FOLHA DE PAPEL. Proposta de brincar com as percepções e criar intervenções plásticas e visuais com o papel, o corpo e os objetos.
.

Recuperamos ações como derivar, sujar, cantar, colorir etc. Foi muito divertido e excitante. Fizemos esse jogo na área externa (pátio) do Centro Cultural da UFMG e brincamos com o espaço, as pessoas que transitavam nele e com os corpos dos obscênicos. Jogo de criação e composição espaciais, plásticos, sonoros e corporais.

Nina falou que parecia um "jogo de memória" de nossas ações e para Wagner era como brincar de "caça ao tesouro".

SUPORTES/LINGUAGENS APRESENTADAS NA MESAREDONDAOBSCÊNICA

Matheus: literatura
Leandro: video e fotografia
Joyce: som, instalação e artes pláticas
Nina e Lica: fotografia e video
Clóvis: jogos corporais e espaciais ; artes plásticas/visuais.

quinta-feira, novembro 17, 2011

IV Fórum Obscênico: compartilhamento das pesquisas

Local: Centro Cultural da UFMG (Av. Santos Dumont, 174, Centro) e arredores
Data: 24 a 27 de novembro
Entrada Franca


Entre os dias 24 e 27 de novembro, o Obscena – agrupamento independente de pesquisa cênica realiza seu último fórum de 2011, como finalização do projeto “CORPOS PÚBLICOS, ESPAÇOS PRIVADOS? Invasões no corpo da cidade, desenvolvido ao longo do ano em parceria com o Centro Cultural da UFMG.

Criado em 2007, o Obscena é composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Davi Pantuzza, Erica Vilhena, Joyce Malta, Leandro Acácio, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano e Saulo Salomão, tendo participação ativa de outros estudiosos e performers, como Frederico Caiafa, Viviane Ferreira, Clarissa Alcantara e Thiago Franco. Desse modo, ele funciona como uma rede colaborativa de investigação e criação da cena contemporânea que visa não só a interação entre os pesquisadores do agrupamento, mas também a troca com outros coletivos e artistas, além de instituições sociais como a Marcha Mundial das Mulheres (movimento feminista e anti-capitalista de ordem internacional), por meio de workshops, de ações integradas e de práticas artísticas, além da experimentação de ações performativas que possam intervir no cotidiano da cidade e do cidadão.

No IV Fórum Obscênico, serão compartilhadas as pesquisas desenvolvidas, em 2011, por cada um dos pesquisadores envolvidos no projeto, bem como as experimentações resultantes, com mostra de registros e imagens. Além disso, serão realizadas mais duas ações: a Festa no Metrô e o Piquenique. Atenção para a programação:

Programação:
Quinta, dia 24, de 14 às 18 horas.
ConversaRedonda Obscênica: é o momento d@s obscênic@s terem voz, tempo e espaço para relatar, expor e projetar seus trabalhos e pesquisas, como bem desejarem.

Sexta, dia 25, de 19 às 22 horas: Festa no Metrô!
Nosso Ponto de encontro e desembarque será a Estação Central e as reverberações, claro, em nossa praça favorita: a Praça da Estação!
Imprescindíveis o traje de festa, o fone de ouvido e o set musical de arrasar, além de uma lanterna pequena.

Domingo, dia 27, de 16 às 19 horas: Piquenique na Praça.
Faremos um delicioso piquenique na Praça Floriano Peixoto e, para esse feliz encontro, contamos com a presença dos coletivos parceiros, amigos e simpatizantes!!!!
Traga sua toalha!

quarta-feira, novembro 16, 2011

A APROXIMAÇÃO FÍSICA ENTRE A CENA TEATRAL CONTEMPORÂNEA E O ESPECTADOR NAS RUAS DE BELO HORIZONTE: AGRUPAMENTO OBSCENA – MINAS GERAIS EM FOCO


XIX JORNADAS DE JOVENS PESQUISADORES
ASSOCIAÇAO DE UNIVERSIDADES DO GRUPO MONTEVIDEO - AUGM
UNIVERSIDAD NACIONAL DEL ESTE
CIUDAD DEL ESTE. REPUBLICA DO PARAGUAI
25, 26 E 27 DE OUTUBRO DE 2011

Universidade: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Faculdade/ Centro/ Instituto: Escola de Belas Artes (EBA)
Titulo do Trabalho: A APROXIMAÇÃO FÍSICA ENTRE A CENA TEATRAL CONTEMPORÂNEA E O ESPECTADOR NAS RUAS DE BELO HORIZONTE: AGRUPAMENTO OBSCENA – MINAS GERAIS EM FOCO
Autor: Marcelo Eduardo Rocco de Gasperi
Nível de Formação do Pesquisador: Mestre em Artes Cênicas (UFMG)
Orientadora: Professora Doutora Mariana Lima e Muniz
Palavras-chave: Aproximação física – Espectador – Agrupamento Obscena
Palabras clave: Física Aproximación - Espectador - Agrupación Obscena
RESUMO: O objetivo do presente trabalho é mostrar a análise sintética do projeto teatral “Às margens do feminino: texturas teatrais da beira”, realizado em 2008 pelo Agrupamento mineiro de pesquisa teatral, denominado Obscena. Tal agrupamento pesquisa a aproximação física entre o espectador transeunte e a cena teatral contemporânea nas ruas de Belo Horizonte (MG).           Para tanto, realizou-se uma revisão bibliográfica sobre os pressupostos de “Aproximação Física”, bem como o conceito de “Sociedade do Espetáculo”, cunhado por Guy Debord, visando à análise da espetacularização social e do estreitamento físico na atualidade. O objetivo foi identificar determinados procedimentos cênicos do Agrupamento em questão que, entre outros pontos, visaram questionar a estrutura espetacularizada dos centros urbanos e construir diálogos com os espectadores transeuntes de Belo Horizonte. Para este recorte, foram selecionados dois procedimentos teatrais, inseridos no projeto supracitado, atuando diretamente nas ruas centrais de Belo Horizonte. São eles: as performances cênicas “Baby Dolls” e “Classificados”. A análise dos procedimentos foi baseada na observação destes, no levantamento dos registros audiovisuais do Obscena, nas entrevistas com os pesquisadores e nos depoimentos postados no blog sobre os processos de criação artística do Agrupamento. A partir desta análise, chegou-se à conclusão de que o Obscena – Agrupamento Independente de Pesquisadores Teatrais– busca absorver as práticas de estreitamento físico com o espectador transeunte, ampliando o olhar da cena sob o aspecto da intervenção teatral nas ruas.



1-    INTRODUÇÃO
Na contemporaneidade, a relação entre a encenação e o espectador caminha ao estreitamento, pois parte dos grupos teatrais contemporâneos busca a aproximação do espectador por outro viés que não apenas pelo discurso dialógico, mas fisicamente. Parte da construção cênica contemporânea se dá em uma rede colaborativa na qual as experimentações teatrais se caracterizam por um diálogo constante entre a encenação e o público presente, objetivando concretizar a participação do espectador como um colaborador do processo de criação espetacular.
O espectador, nesta proposta, pode transformar a estrutura da obra em uma tessitura de vozes dialógicas entre ele e os elementos teatrais. Este sentido espetacular, equiparando-se às peformatividades, formula a arte como um veículo de troca em redes que visam a integrar o discurso da encenação que não se reduz à pesquisa do sentido da representação, mas dos novos conceitos de aproximação com a vida: “Na medida em que o novo teatro não representa uma figura fictícia, mas apresenta o corpo do ator em sua temporalidade real, re-apresenta todos os temas” (LEHMANN, 2007, p. 37).
Neste contexto, a presente pesquisa analisou o Agrupamento Teatral Obscena[1] no projeto “Às Margens do Feminino – Texturas Teatrais da Beira”, realizado em 2008, e sua investigação sobre a cena contemporânea nas ruas do centro urbano de Belo Horizonte, cuja intenção é fazer pequenas e constantes intervenções artísticas performáticas, promovendo interrupções no fluxo dos transeuntes em espaços públicos. Para isso, foi feito um estudo de caso sobre o projeto supracitado, sob a ótica de aproximação física entre o espectador transeunte e a cena contemporânea.
Com o intuito de fundamentar o presente estudo foi feito uma revisão bibliográfica visando articular este projeto aos conceitos de Debord, encontrados no livro de sua autoria “A Sociedade do Espetáculo” [2]. Tais conceitos se baseiam no entendimento do indivíduo contemporâneo como um ser que é constantemente manipulado pela sociedade do capital a ser espectador. Esta visão debordiana sobre o indivíduo como espectador, é pautada nos aspectos de fragmentação do discurso individual, visando desmembrar a sua identidade em prol da tentativa de alienação social.
Portanto, os conceitos debordianos refletem e questionam sobre o modelo de vida do espectador da sociedade moderna. O modelo citado é baseado na tentativa de unificação da vida dos indivíduos pela alienação e pela passividade diante dos fatos políticos e culturais, e também, pelo consumo mercantil (DEBORD, 1997).
Dentro desta ótica, os procedimentos artísticos analisados foram “Baby Dolls” e “Classificados”. Segue a análise sintética de tais procedimentos:
1.1 - Procedimento “Baby Dolls”, criado por Nina Caetano e Lissandra Guimarães
a) Descrição: Três mulheres trajadas de bonecas (Erica Vilhena, Joyce Malta e Lissandra Guimarães) criaram os seus respectivos nichos de exposição ao público. A estrutura foi de montagem dos espaços das bonecas, seguida pela demarcação dos corpos com giz no chão, e escritos sobre a mulher dentro dos desenhos demarcados (ambos feitos por Nina Caetano). As bonecas ficaram próximas umas das outras, mas em seus nichos individuais. A exposição de bonecas, assim como os escritos sobre a mulher são construídos em frente aos transeuntes, em caráter processual. O procedimento finaliza com a desmontagem dos espaços e a permanência dos escritos.
b) Pesquisadoras envolvidas: Erica Vilhena, Joyce Malta, Lissandra Guimarães e Nina Caetano.
c) Diálogo com o público: Lissandra Guimarães desfilava vestida de noiva pela Praça da Savassi (BH). Com várias sacolas nas mãos[3], Guimarães carregava embalagens plásticas, tais como produtos de limpeza, cosméticos e demais apetrechos do lar geralmente associados às donas de casa. Vários objetos foram acoplados ao seu corpo: uma garrafa plástica cortada e posta em sua boca, remetendo a uma “focinheira canina”. Uma bacia para lavar roupas estava amarrada às suas nádegas, e uma vassoura quebrada ficava entre os seus seios. Os objetos faziam parte do corpo desta mulher, eram “corpos objetos na cidade”[4].
Guimarães caminhava olhando para os transeuntes, que curiosos, a fitavam. Quando alguém se aproximava, ela apenas sorria. “Lica, era a noiva feliz e dona de casa coisificada”[5]. Em diversos momentos, a atriz parava em frente às lojas femininas, observando os detalhes das mesmas, imitando as modelos da vitrine:Lica experimenta a noiva nesse dia com as sacolas, repletas de objetos do universo feminino, de beleza, busca ações dentro desse contexto de formatar um corpo boneca noiva quer casar”[6].
A rua como um lugar de risco e de imprevisto parecia potente para àquela ação, pois a conduta corporal de Guimarães forçava uma reação dos transeuntes, suas vestes e suas ações eram totalmente atípicas àquele bairro. As pessoas não tentaram um contato corporal com a artista, mas ficaram ao seu redor, ora acompanhando com olhares, ora caminhando na mesma direção, provavelmente instigadas pelo desfecho daquela ação. Após a caminhada, Guimarães sentou-se na praça para montar o seu nicho de bonecas.
Concomitantemente, Erica Vilhena e Joyce Malta construíam os seus nichos perante o público: “vejo pessoas incomodadas, umas riem, outras perguntam se é teatro ou show e existem aquelas que se irritam por serem interrompidas em seu cotidiano” [7]. Vilhena construía o seu nicho inspirado nas manequins das vitrines. Com uma maquiagem exagerada, roupas femininas e salto alto, a atriz tentava seduzir os espectadores transeuntes, provocava os homens e visava a atrair os olhares masculinos.
Vilhena imitava a sensualidade das fotos propagandísticas que observava nas diversas lojas do bairro Savassi nas proximidades da praça. Compunha uma mistura de sensualidade e banalização do corpo. Seu corpo desejava ser visto, pois olhava fixamente para os homens, sorria. O primeiro contato estabelecido entre ela e o espectador era dado pelo olhar. Posteriormente, o contato era pela forma que contorcia o corpo, que se mostrava diante dos passantes.
Ao mesmo tempo, Joyce Malta estava vestida de boneca infantilizada, algo que remetia às diversas formas de Barbies. Trazia diversas bonecas em seu nicho, bonecas loiras, de olhos azuis, com roupas da cor rosa. Havia uma penteadeira rosa em suas mãos, com espelho e maquiagem infantil. Malta brincava com as bonecas, imitava as suas posições, penteava o cabelo das mesmas. Maquiava-se diante dos espectadores. O nicho de Malta atraía um tipo diversificado de espectador, como as crianças. Elas desejavam tocar as bonecas. Nota-se que se estabeleceu uma empatia entre a atriz e as crianças. Havia um jogo produzido ali, em que o lúdico do universo infantil era despertado. Uma relação paradoxal, pois a estrutura montada criticava as mulheres que são construídas desde a infância, brincando de casinha, mas atraía meninas fascinadas pelas bonecas loiras. Percebendo isto, Caetano escreveu com o giz no chão: “Vamos brincar de bonecas?”, isto auxiliou na aproximação com o espectador, os escritos aguçavam a curiosidade de quem passava pela rua.
Havia o interesse geral pela criação artística que se apresentava. Após o estabelecimento dos nichos de tais bonecas, Caetano aproveitou a proximidade entre elas e iniciou suas propostas de escritas: “Era a minha tentativa de organizar uma proposta ainda muito incipiente. A idéia de uma exposição de bonecas. Bonecas domesticadas pela TV. Expor a boneca das outras mulheres / transeuntes por meio dessas que proponho”[8].
Caetano propôs às bonecas, em tempos diferenciados, que as mesmas deitassem no chão. Assim, a dramaturga desenhava o contorno de tais corpos com giz, iniciando um fluxo de escrita dentro dos mesmos desenhos. A escrita de Caetano era intensa, discorria sobre diversificadas questões em torno da mulher na atualidade. Segue abaixo um recorte entre os inúmeros escritos de Caetano:
Mulher. O ser humano do sexo feminino capaz de conceber e parir outros seres humanos e que se distingue do homem por essas características. Mulher da vida. Meretriz. Mulher à toa. Meretriz. Mulher da comédia. Meretriz. Mulher da rua. Meretriz. Mulher da zona. Meretriz. Mulher. Parir. Limpar. Amamentar. Trocar. Compreender. Amar. Sujeitar. Sacrificar. Lavar. Passar. Esquecer. Esquecer. Esquecer. Perdoar. Aquecer. Embalar. Beijar. Lamber. Chupar. Dar de mamar. Transar. Mesmo sem vontade. (CAETANO, Elvina. Experimento cênico inacabado. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 22 de abril de 2010).
A inserção dos escritos possibilitou maior aproximação dos transeuntes na construção de Baby Dolls, movidos pela busca de entendimento sobre tal procedimento. As participantes construíam o procedimento em um percurso que não havia uma finalização pré-determinada, mostrando uma construção fragmentada, e até ocasional, pois a criação do discurso era compartilhada ao vivo, de maneira improvisada. Caetano escrevia constantemente suas narrativas que mesclavam textos jornalísticos e poesia, misturando ficção e realidade.
A instalação destes corpos no espaço da Savassi incomodava, criava uma ruptura no local, modificava o fluxo cotidiano. A praça foi apropriada pelo procedimento e as pessoas não pareciam mais se importar com o desconforto de estarem em pé. Os pedestres andavam para lerem os escritos, indo ao encontro dos desenhos feitos por Caetano. A ação de Caetano era um convite a uma leitura em que o espectador - leitor construía o seu significado, correlacionando os escritos, às ações e as bonecas. Após os escritos, as bonecas retiraram-se, andando em meio às ruas da Savassi, deixando para trás a escrita no chão, que seria lida, provavelmente, por mais alguns dias.

1.2 - Procedimento “Classificados”, criado por Marcelo Rocco
a) Descrição: A partir de classificados de jornais, cujo tema é o corpo prostituído, os pesquisadores criaram diversos classificados mesclando ficção e realidade sobre o corpo como mercadoria. Os classificados foram usados para a construção de pequenas narrativas frente aos espectadores transeuntes. Vários objetos no chão foram utilizados para a construção das narrativas. Dois atores deitados (Didi Vilela e Patrícia Martins Campos) foram cobertos com carne de açougue, construindo corpos animalescos, grotescos, e iniciando a construção de narrativas a partir dos classificados criados.
b) Pesquisadores envolvidos: Didi Vilela, Marcelo Rocco e Patrícia Martins Campos[9].
c) Diálogo com o público: Os pesquisadores caminhavam pela Avenida Afonso Penna (BH), parando em frente à Praça Sete. Rocco colocou um enorme tapete vermelho no chão. Os performers deitaram-se no mesmo. Os transeuntes começaram a parar ao redor do tapete, perguntando: “É teatro?”. “É propaganda de loja?”, indagou uma senhora. Não ouviu nenhuma resposta.
Aos poucos, carnes eram colocadas nos corpos dos performers: restos de vísceras, carnes variadas de animais como frango, gado, e porco. Os passantes paravam tentando encontrar uma lógica para o procedimento e enquadrá-lo em algo aceitável no cotidiano da cidade. A curiosidade aguçava os transeuntes. Um enorme círculo foi formado ao redor do tapete. As pessoas paravam, comentavam entre elas “o que seria aquilo?”. Muitos espectadores liam os classificados, tentando criar uma compreensão satisfatória para o que viam.  As narrativas criadas a partir de classificados de jornais de compra e venda de corpos foram colocadas no chão da Praça[10]. Rocco colocou diversos objetos ao redor do tapete, tais como calcinhas, vestido de noiva, flores artificiais, revistas femininas, folders propagandísticos cujas fotos são de exposição do corpo feminino, malas e bolsas femininas, entre outros elementos.
Os performers começaram a fazer poses imitando as propagandas e as fotos das revistas do chão. O diretor ofereceu ração aos mesmos que as comiam ao longo do procedimento, de maneira grotesca, animalizada. Gradualmente, os performers retiravam as carnes de seus corpos atirando-as ao chão. Após se levantarem, construíram ações a partir das narrativas que também estavam no chão. Segue abaixo a seleção de alguns classificados utilizados para este procedimento:
Lúcia. Livre. Come, bebe, procria. Come, bebe, procria. Come, bebe, procria.
Carina. Fica na banheira com chantilly. Fã da Luciana Gimenez. Hoje sensação. Amanhã dona de casa. Carla. Não vê prazer no seu trabalho.
Trabalha com o prazer. Isadora. Já foi Dora. Hoje é só dor. (GASPERI, Marcelo. Classifico-me. Disponível em:
http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 22 de abril de 2010).
A partir de tais leituras[11], ambos os performers construíram corpos e ações que remeteram aos classificados. Referindo-se a estes corpos, Vilhena descreve: “A transexualidade. A prostituição. O submundo. O preço das coisas e das pessoas coisificadas: está tudo nos classificados. Seres humanos à venda”[12]. Pela descrição de Vilhena, o procedimento visou a um olhar sobre a sociedade de consumo, cuja grande prioridade é o lucro sobre os corpos das pessoas, transformando os seres humanos em objetos de compra e venda, moldados para o consumo imediato.
Dentro desta ótica de consumo, Vilela Utilizou um jornal de notícias populares, elegendo determinados telefones dos classificados, a fim de colocar questões sobre o universo do ser humano prostituído, como um “ser-mercadoria”. O celular de Vilela ficava no alto-falante para que todos ouvissem a transação. O pesquisador se oferecia para trabalhar, pedia dicas de comportamento e procedimentos em agências de prostituição. Devido ao grande fluxo de carros e de pessoas na rua, o diálogo, feito pelo celular, era inaudível em diversos momentos. Os transeuntes se ativeram apenas às respostas dadas pelo ator. Através da conversa telefônica, Vilela flertava com os garotos de programa.
Vilela desligou o telefone criando narrativas a partir do diálogo feito no celular. O performer pegou uma gravata, narrando a infância e o desejo de seu pai em vê-lo casado. Mesclava o feminino e o masculino, o feminismo e o machismo. Campos e Vilela liam novas narrativas. Relacionavam-se com os transeuntes após tais leituras.
Após as leituras dos classificados, Campos e Vilela construíram diferentes ações a partir das narrativas citadas, construindo múltiplos discursos sobre a erotização. O procedimento perdurou uma hora, visando a um esgotamento absoluto da proposta: “a crueldade máxima: a idiotice estampada em nossos corpos carentes de afeto e alienados de si que mesmo ao serem ‘fodidos e mal pagos’ saem gabando-se, pois não há mais contato além deste e resta-nos a fudeção [sic.]”[13].

2 - OBJETIVOS
O Objetivo geral foi:
            Analisar os procedimentos e experimentos cênicos supracitados do Agrupamento de Pesquisa Obscena no projeto “Às margens do feminino: texturas teatrais da beira”, realizado em 2008, sob a perspectiva da aproximação física entre o espectador e a cena na sociedade espetacularizada.
Os Objetivos específicos foram:
  • Realizar uma revisão bibliográfica do conceito de sociedade espetacularizada de Guy Debord a fim de identificar os procedimentos cênicos, realizados pelo Agrupamento Obscena, que se aproximem deste recorte;
  • Escrever um trabalho, englobando os resultados desta pesquisa que possa servir de referência sobre o tema.
3 - MATERIAIS E MÉTODOS
A presente pesquisa foi dividida em revisão bibliográfica, compreensão sobre o projeto “Às margens do feminino: texturas teatrais da beira” pautada nos conceitos de aproximação física com o espectador transeunte. Além das fontes de pesquisas citadas, outras fontes foram importantes para a construção da dissertação, tais como: entrevistas com os pesquisadores do Agrupamento Obscena, depoimentos dos mesmos pesquisadores postados no blog do Obscena[14], fotos dos procedimentos cênicos do Agrupamento nas ruas, e, por último, relatos pessoais em cadernos de anotações sobre a formação e perspectiva teórica-prática do Obscena sobre o projeto citado.
4 - RESULTADOS

Os procedimentos analisados acima não configuraram na concepção de produtos encerrados, pois estiveram em constante movimento: “A arte contemporânea não propõe ao espectador uma reflexão conclusiva, como uma síntese, mas, sim, analítica” (DESGRANGES, 2003, p. 151).
Tais procedimentos sofreram metamorfoses ao longo dos anos, ampliando o espectro das pesquisas individuais e coletivas do Agrupamento. Sendo assim, as criações supracitadas foram amadurecendo com o tempo de investigação, fazendo com que desaparecessem certas dúvidas, surgindo novas questões aos pesquisadores. Diante de tais apontamentos, pode-se dizer que a poética da construção artística do Obscena esteve e está em constante trânsito, assim como os espectadores transeuntes. O Agrupamento nunca vislumbrou emoldurar as pesquisas como um quadro intocável, mas sim, traçar caminhos de verticalização contínua.

5- DISCUSSÃO
Os conceitos do Obscena em que atores e espectadores se aproximariam fisicamente, estabeleceram novas perspectivas dentro do Agrupamento, aprofundando o caráter do espectador como colaborador do processo teatral. Esta produção de vivência possibilitou certas formas de desconstrução do ritmo “normativo”. Referindo-se aos preceitos de Debord (1999), pode-se dizer que o Obscena visou modificar, em suas pesquisas, o caráter contemplativo do espectador, desejando gerar materiais de transformação da realidade social.
No entanto, o Obscena não realizou este ato por si. O Agrupamento foi auxiliado pelos transeuntes que desejaram participar sob algum aspecto, interrompendo o fluxo de suas trajetórias para compartilharem vivências diferenciadas. Então, pode-se afirmar que os espectadores foram os colaboradores da manutenção e do andamento do processo artístico, pois sem estes, o projeto “Às margens do feminino: texturas teatrais da beira” seria completamente esvaziado.


6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Indústria Cultural e Sociedade. Tradução de Maria Helena Ruschel. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
ARAÚJO, Antônio. A gênese da vertigem: o processo de criação de ‘O Paraíso Perdido’. 2002. Dissertação (Mestrado) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2002.
ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. Tradução de Teixeira Coelho. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
AZAREDO, Sandra. O preconceito contra a mulher: diferença, poema e corpos. São Paulo: Cortez, 2007.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2009.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os Pensadores).
CABRAL, Biange. O espaço da pedagogia na investigação da recepção do espetáculo. Sala Preta. São Paulo, n.8, p. 41-48, 2008.
CARREIRA, André. Apocalipse 1.11: risco como o meio para explorar a teatralidade. In: CARREIRA, André L. A. N et al. (Orgs.). Mediações Performáticas Latino-Americanas II. Belo Horizonte: Faculdade de Letras, 2004.
______. Teatro de invasão: redefinindo a ordem da cidade. In: LIMA, Evelyn Furquim Werneck (Org.) Espaço e Teatro: do edifício teatral à cidade como palco. Rio de Janeiro: Sete Letras, 2008. p.67-78.
COHEN, Renato. Performance como linguagem. Perspectiva: São Paulo, 2002. (Debates).
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo.  Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
DESGRANGES, Flávio. A pedagogia do espectador. São Paulo: Hucitec, 2003.
GUENÓN, Denis. O Teatro é Necessário? São Paulo: Perspectiva, 2004.
GROTOWSKI, Jerzi.  Em busca de um teatro pobre. Tradução de Aldomar Conrado. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992. 220 p.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. Tradução de Pedro Süssekind. São Paulo: Cosac Naify, 2007. 440 p.
NOVAES. Adauto. A imagem e o espetáculo. In: ______ (Org.). Muito além do espetáculo. São Paulo: SENAC, 2005, p.8-15.
POLASTRELLI, Carla. Prefácio. In: FLASZEN, Ludwik; GROTOWSKI, Jerzy. O teatro laboratório de Jerzy Grotowski, 1959-1969. São Paulo: Perspectiva: SESC, 2007, p.13-16.
SOLER, Marcelo. O espectador no teatro de não-ficção. Sala Preta. São Paulo, n. 8, p. 35-40, 2008.
VIGANO, Suzana Schimidt. As regras do jogo: a ação sociocultural em teatro e o ideal democrático. São Paulo: Editora Hulcitec, 2006.
WOLLF, Francis. Por trás do espetáculo: o poder das imagens. In: NOVAES, Adauto (Org.). Muito além do espetáculo. São Paulo: SENAC, 2005. p.16-45.




[1] Criado em 2007 na cidade de Belo Horizonte. O Núcleo é composto essencialmente por atores, diretores e dramaturgos e demais profissionais da área teatral.
[2] O título original, publicado na França, é de 1967. A leitura para a presente pesquisa, publicada no Brasil, é de 1997.
[3]    Sacolas cujas grifes são destinadas ao consumidor feminino.
[4]       CAETANO, Nina. Depoimento postado no blog do Obscena. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 15 de maio de 2010.
[5]       DOMINGOS, Clóvis. Bonecas da Savassi: um sonho imperfeito. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 20 de abril de 2010.
[6]       CAETANO, Nina. Depoimento postado no blog do Obscena. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 15 de maio de 2010.
[7]       DOMINGOS, Clóvis. Bonecas da Savassi: um sonho imperfeito. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 20 de abril de 2010.
[8]       CAETANO, Elvina. Queridas Obscênicas. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 22 de abril de 2010.
[9]       Na época do procedimento, Patricia Martins Campos não fazia parte do Obscena, foi uma atriz convidada por Marcelo Rocco. Como o Obscena primava pela independência dos pesquisadores, artistas não pertencentes ao Obscena poderiam ser convidados para trabalhar com membros do Agrupamento
[10]     Tais narrativas foram feitas para serem lidas a uma longa distância.
[11]     A atriz Patrícia Campos lia os classificados sobre a mulher e Didi Vilela lia os classificados sobre os        transgêneros.
[12]     VILHENA, Erica. Sobre os Classificados. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 20 de abril de 2010.
[13]     VILHENA, Erica. Sobre os Classificados. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 15 de maio de 2010.
[14] Disponível em http://www.obscenica.blogspot.com. Acessado dia 20 de abril de 2010. 

A APROXIMAÇÃO FÍSICA NA SOCIEDADE DO ESPETÁCULO, por MARCELO EDUARDO ROCCO DE GASPERI

RESUMO: O objetivo do presente artigo é analisar parte do projeto teatral “Às margens do feminino:
texturas teatrais da beira”, realizado em 2008 pelo Agrupamento Cênico Obscena, cuja sede se situa em
Belo Horizonte (MG). Formado por pesquisadores, atores, dramaturgos e diretores da área teatral, o
Agrupamento surgiu em 2007 dentro da cena mineira, buscando investigar a aproximação física entre o
espectador transeunte do eixo metropolitano de Belo Horizonte e a cena contemporânea na sociedade
espetacularizada atual. Para tanto, realizou-se uma revisão bibliográfica sobre o conceito de “Sociedade
do Espetáculo”, cunhado por Guy Debord, visando à análise da espetacularização social na atualidade. A
partir desta análise, foi feito um estudo de caso do projeto supracitado. O objetivo foi identificar
determinados procedimentos cênicos que, entre outros pontos, visaram questionar a estrutura
espetacularizada dos centros urbanos. Foram selecionados procedimentos que atuaram diretamente nas
ruas centrais de Belo Horizonte. A análise dos procedimentos foi baseada na observação destes, no
levantamento dos registros audiovisuais do Obscena, nas entrevistas com os pesquisadores e nos
depoimentos postados no blog sobre os processos de criação artística do Agrupamento. A partir desta
análise, chegou-se à conclusão de que o Obscena – Agrupamento Independente de Pesquisadores – busca
absorver as práticas de estreitamento físico com o espectador transeunte, ampliando o olhar da cena sob o
aspecto da intervenção teatral nas ruas.
Para Debord (1997), o homem moderno é, em diversos momentos, um
espectador subserviente da sociedade e a sua formação é mediada pelo consumo: “Do
automóvel à televisão, todos os bens selecionados pelo sistema espetacular são também
suas armas de reforço constante das condições de isolamento das multidões solitárias”
(DEBORD, 1997, p. 23).
Para o autor, a espetacularização da vida é vista como um sistema de relações
que desvaloriza as experiências humanas e banaliza o conhecimento a fim de
empobrecer a autonomia do pensamento. Debord (1997) defende que, perante os
espaços da vida pública e privada, a mercadoria tenta adentrar nos indivíduos como o
sinônimo de cultura, ingressando em áreas como o trabalho e o lazer, ou seja, em várias
esferas do seu cotidiano. Segundo ele, a mercadoria promove o “ter” em degradação do
“ser”, ou seja, as razões de consumir são maiores que os valores humanos.
Debord (1997) afirma ainda, que os indivíduos são cada vez mais influenciados
pelos meios midiáticos a estarem conectados a uma rede global em que o poder das
imagens predomina: “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação
social entre as pessoas, mediada pelas imagens” (DEBORD, 1997, p. 14). Assim, os
aspectos reflexivos do indivíduo são desprestigiados sistematicamente, transformando-o
em um espectador que ostenta o caráter espetacular. O olhar de Debord (1997) sobre a
massificação humana mostra que as relações sociais se apresentam como uma imensa
acumulação de espetáculos, na qual a realidade não é tão importante como a imagem,
mas um pseudomundo à parte.
Pensando sobre tais aspectos da sociedade espetacular, diversas ações teatrais,
introduzidas nas ruas, buscam gerar interrupções no cotidiano estrutural das cidades.
Muitas intervenções artísticas objetivam delinear novos contornos em tais espaços,
mobilizando uma nova ótica no olhar dos transeuntes dentro da “Sociedade do
Espetáculo”.
Inserido neste contexto, o Obscena, Agrupamento Independente de
Pesquisadores, busca o espectador transeunte, como um parceiro indispensável à
proposta cênica, como um meio de interromper momentaneamente o fluxo
“contaminado pela espetacularização da vida, que dá à realidade a roupagem de ficção”
(SOLER, 2008, p. 40).
O Agrupamento busca formas artísticas que dialoguem com o olhar do público
transeunte. A presença de espectadores, advindos de diferentes grupos sociais, permeia
a idéia de construção de uma rede colaborativa entre estes e a cena, nos cruzamentos de
diálogos que viabilizem uma compreensão sobre as diferentes formas de atuação cênica
na rua. Mediante as experimentações públicas, os componentes do Agrupamento
almejam relações que se retroalimentem através da comunicação entre as pessoas que
andam diariamente pelas ruas.
Tendo a arte como um veículo de alteração da sensibilidade e da percepção
social, o Agrupamento Obscena visa romper as fronteiras espaciais entre a cena e o
público, objetivando uma reescritura dos signos dos espaços públicos de Belo
Horizonte: “Nas zonas de ruptura, as forças de aceleração e desterritorialização se
chocam com forças de permanência e reterritorialização, estabelecendo relações
híbridas entre si” (HEEG in GARCIA, 2008, p. 49).
Desta maneira, pode-se afirmar que o Obscena visa possibilitar o encontro
entre o espectador transeunte e a cena, pautando-se entre a dimensão da percepção
coletiva e a singularidade das percepções individuais. O impacto almejado pelo
Agrupamento se constrói em ressonância com o contexto social de Belo Horizonte, nas
suas múltiplas formas de vida, visando estabelecer transgressões do espaço cotidiano
desta cidade.
Com isto, o projeto “Às margens do feminino: texturas teatrais da beira”
considerou o transeunte como co-participante das intervenções artísticas. Assim, este
projeto compôs um olhar sobre os exercícios performáticos de interrupção cotidiana na
região central de Belo Horizonte, inserindo linguagens teatrais híbridas para a confecção
de diálogos.
Desta forma, o Obscena buscou utilizar as multiplicidades nas relações, em
uma tentativa de convivência flexível com o espectador, visto como o elo entre as várias
funções das obras artísticas. Portanto, o projeto supracitado verticalizou a investigação
do Agrupamento em questão, apontando “tanto para uma avaliação diagnóstica quanto
para a promoção de travessias estéticas, pedagógicas e teóricas” (CABRAL, 2008, p.
46). Segue abaixo a análise de um procedimento que foi realizado ao longo de 2008,
durante o projeto:
• Procedimento: “É homem? É mulher? Reticências”, criado por Didi Vilela
a) Descrição: Um travesti vestido com roupas íntimas1 sai para as ruas de Belo
Horizonte, deixando o acaso e o improviso agirem sobre a continuidade do
procedimento. Recolhe diversos objetos que encontra nas ruas, tais como latas,
santinhos, e cigarros. Aos olhos externos parece misturar loucura e embriaguez.
b) Pesquisador envolvido: Didi Vilela
c) Preparação: Didi Vilela chegou uma hora antes do procedimento para se concentrar
e travestir-se. Depois de maquiado e vestido com uma camisola, fez alongamentos e
exercícios de respiração. Após isto, debruçou-se sobre uma janela observando e
“alimentando-se” do ritmo noturno da cidade.
d) Data, horário e localização: 15 de setembro de 2008. 19h30. Este procedimento se
realizou nas ruas do centro metropolitano, culminando com a chegada à Praça Sete
(Belo Horizonte – MG).
e) Diálogo com o público: Didi Vilela saía às ruas vestido com uma camisola que
revelava as curvas de seu corpo, usando também, ataduras ao redor dos braços e pernas.
Inicialmente, caminhava à deriva, absorvendo o que a cidade oferecia: “Saí do Marília
carregando um objeto: uma imagem de santinho quebrada. Antes de chegar à fonte
localizada em frente ao Palácio das Artes, achei uma lata velha de biscoito. Levei-a até
a fonte e a lavei” (VILELA, Didi. É Homem? É Mulher? Reticências. Disponível em:
http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 20 de junho de 2011).
1
Vilela vestia uma camisola cor-de-rosa, calcinha e ataduras ao redor dos braços.
Parou em frente ao pronto socorro D. João XXIII (Belo Horizonte – MG) a fim
de amarrar as ataduras que caíam de seu corpo. Prosseguiu a caminhada, em direção ao
Palácio das Artes (Belo Horizonte - MG). Ao se deparar com a fonte de água em frente
ao Palácio das Artes, Vilela começou a dançar sozinho sobre uma chuva de cores,
refletida pelas luminárias fixadas no chão da mesma fonte.
Divertia-se como uma criança em uma piscina, buscando as informações que a
cidade possuía. Buscava incorporar o cenário que lhe era oferecido. Oferecia também,
partes de si mesmo e de sua visão sobre o cenário da cidade: “Eu saltitava, corria, e ao
mesmo tempo me policiava com medo de ser pego por alguns policiais. Foi uma
imagem bonita ser um homem-mulher, meio puta, meio louca. As pessoas não
conseguiam denominar essa figura andrógena” (VILELA, Didi. É Homem? É Mulher?
Reticências. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 20 de
junho de 2011)
A interferência de Vilela sobre a fonte do Palácio das Artes parecia ferir a
estrutura arquitetônica daquele local. Os transeuntes olhavam e riam. Pairava uma
dúvida nos olhos das pessoas sobre aquela cena, não havia uma classificação exata
sobre a figura que se apresentava. Uma figura estranha, distorcida aos padrões sociais:
Um militar ia fazer algo, mas riu. Parecia algo absurdo para ele, e todos observaram a dança
na fonte. Didi enfrentou uma linguagem social determinada: a linguagem da elite, pois
havia um evento com pessoas muito bem vestidas que adentravam o Palácio das Artes.
Tentou romper com este lugar, misturou dois mundos, ainda que do lado de fora do Palácio,
pois lá dentro não o deixariam entrar ensopado de água, com as ataduras arrastando no
chão. Feriria demais o bom gosto dos freqüentadores das ‘artes’ (GASPERI, Marcelo.
Vestida de Gase e Vento. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em:
22 de junho de 2011).
Os transeuntes tentavam enquadrá-lo em grupos, dando-lhe uma identidade
social. Ouviam-se palavras tais como “bêbada”, “hippie”, “louca”, sempre louca. A
loucura parecia uma forma mais aceitável de enquadrar aquele ser, pois confrontava a
experiência do não conhecimento, da não identificação e, mais uma vez, da margem.
Vilela bebia a água da fonte, causando ojeriza e menosprezo por parte de alguns
transeuntes. O performer ampliava cada vez mais o espectro de sua figura andrógena,
fazendo com que mais pessoas parassem. Outras continuavam andando, mas sem perder
o foco da cena. As vestes molhadas mesclavam sujeira e sensualidade. Os olhares
reprovadores e um tanto moralistas vertiam-se em risos com a dança proposta por ele.
Vilela criava um corpo livre, espontâneo, cheio de vontades. Vontade de ser visto
perante a exibição pública. A fronteira entre a representação e a vivência se revelava
naquele corpo, alterando o ritmo cotidiano dos arredores do Palácio das Artes, correndo
riscos de obter reações de outros corpos frente à sua exibição: “Sinto medo de acontecer
qualquer coisa que rompa com uma possível sanidade do performer e das pessoas tão
enlouquecidas e anestesiadas pela vertigem da vida contemporânea” (DOMINGUES,
Clóvis. Novos procedimentos. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com.
Acesso em: 20 de junho de 2011).
O corpo de Vilela ganhava a audiência das ruas. As pessoas pareciam ter
impressões diferenciadas sobre as imagens que se formavam. Vilela utilizava um
tempo-ritmo acelerado, promovendo diversas cenas para o seu procedimento. Aos
poucos, suas ações ganhavam corpo, pois Vilela fixava seus olhares nas pessoas que
assistiam à cena. Convidava os espectadores masculinos a tomarem banho também.
Repentinamente, Vilela seguiu em direção à Praça Sete (BH) parando em
uma esquina. Escutava vozes. Observava o segundo andar de um prédio: havia uma
igreja evangélica, onde muitas pessoas oravam. Vilela, então, ajoelhava na calçada,
olhando incansavelmente para o alto, batendo palmas, intervindo no culto evangélico:
Eu rezo, com meu santinho nas mãos. De repente um rapaz [na rua] fala: Nossa que
bizarro! E eu respondo: Cala a boca, não se pode nem mais rezar! E ele retruca: Fica na sua
e continua rezando! Nesse instante eu percebi que passei dos limites e fui saindo daquela
situação (VILELA, Didi. É Homem? É Mulher? Reticências. Disponível em:
http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 20 de junho de 2011).
Diante desta questão, pode-se dizer que o limite citado foi dado pelo
espectador, e não por Vilela, em um tênue e claro risco de extrapolação do teatro para a
vida real, pois o performer foi ameaçado verbalmente. A ameaça de uma possível
agressão suscitou no pesquisador a possibilidade real de perigo, já que seu corpo afetou
e foi afetado imediatamente por outro corpo passante. O medo real do ator gerou outras
percepções sobre as ruas, sinônimo de imprevisibilidade constante, sugerindo que ele
mudasse de foco. Então, Vilela continuou a sua trajetória, chegando à Praça Sete.
Imediatamente, um mendigo tentou conversar com ele, falando de sua vida
na prisão. Durante alguns minutos, o mendigo confessava sobre o seu mundo particular,
parecendo se identificar com a figura andrógena. Aos olhares externos ambos pareciam
ser dois amigos. Vilela estava fisicamente envolvido no diálogo, sentia a energia do
morador de rua. Ambos suavam, sentiam a respiração do outro. Vilela olhava e era
observado, e o seu conjunto de ações era criado a partir do diálogo com o mendigo. As
ações eram orgânicas, espontâneas. Vilela se entregava ao frescor dos acontecimentos
noturnos, mesclando prazer e medo. O corpo era estruturado a partir de novas ações, a
partir de objetos que Vilela encontrava: latas, cigarros usados, santinhos, etc. Expandia
a área de diálogo com o espaço e com o homem com quem dialogava.
A zona de tranquilidade entre o teatro e o real estava rompida naquele
procedimento, pois Vilela instaurou a crença em sua figura, e o mendigo pareceu
comprar esta crença, fortalecendo os laços entre ambos, ainda que efêmeros. Em um bar
próximo a eles, começou a tocar diversas músicas. Vilela dançava: “Gira, deixando um
embalo. Um mendigo a tira para dançar, oferece um anel, e a encosta em seu corpo em
um romantismo exacerbado. Tenta beijá-la, é repelido. Confessa coisas de si”
(GASPERI, Marcelo. Vestida de Gase e Vento. Disponível em:
http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 22 de junho de 2011).
O trânsito entre a vida e a ficção ficava claramente desenvolvido neste
momento. O envolvimento do corpo de Vilela no processo delineou o
comprometimento do mesmo, ou seja, os limites foram extrapolados, pois a crença nos
mecanismos do real estava maior que a capacidade do pesquisador em refletir sobre o
que se passava. Vilela causou uma identificação entre os mendigos. Identificação
permeada pelo seu corpo atrelado à construção da loucura, ao seu comportamento
espontâneo e de risco à sua integridade física no espaço:
Didi encontra gente de todo tipo: pessoas chocadas com aquela aberração, trabalhadores
assustados e excitados com aquele corpo tão ambíguo, mendigos marginalizados e
solidários àquela moradora das ruas e das lixeiras, hippies imundos poetas e apaixonados,
corpos que se desviam quando aquela figura aparece, enfim, causa incômodo e
estranhamento num mundo tão asséptico e organizado. (DOMINGUES, Clóvis. Novos
procedimentos. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 20 de
junho de 2011).
Após a dança, Vilela demonstrava um cansaço aparente, retornando à sede do
Agrupamento.
f) Discussão e avaliação: O procedimento objetivou a caminhada pelas ruas de Belo
Horizonte em um caráter de instalação/ocupação espacial, sem um compromisso em
criar uma estrutura aristotélica de começo, meio e fim. Vilela trabalhou com o acaso e o
risco físico, enveredando em fronteiras nunca antes experimentadas por ele.
O trabalho aconteceu em uma investigação individual, provocando diversas
percepções nos transeuntes. Segundo Vilela, a instauração do corpo “presentificado” foi
um dos principais focos de sua pesquisa. Cohen (2002) afirma que a “presentificação do
corpo” é o processo que coloca o performer em outro estado de consciência, em uma
relação intensificada das sensações. Este sentido que privilegia a presença física do ator
em detrimento da representação, expõe o mesmo ao desafio do perigo físico, da
possibilidade de tensão mediante ao novo.
O corpo de Vilela transformou-se em discurso, constituindo o centro do
procedimento. Seu corpo construía imagens a partir de sua presentificação. Vilela estava
em situação de exposição real, mantendo uma postura provocativa e questionadora dos
parâmetros da normalidade. Fascinava e, ao mesmo tempo, repelia àqueles que
compartilhavam as imagens propostas. Um corpo que comportava a loucura e a
androgenia. “É homem? É mulher? Reticências” apontou um jogo construído a partir do
espaço cotidiano. A apropriação desse corpo no espaço ultrapassou certos limites de
aproximação física:
Assim, escolher a rua como espaço, me facilitou explorar, de maneira mais real, a
proximidade para com o público, fazendo-o um elemento presente e ativo durante o
acontecimento teatral. Meu objetivo então, de maneira geral, era que os
espectadores/transeuntes, numa zona fronteiriça entre o teatro e o espaço real da rua,
rompessem com todos os limites da representação cênica e do ficcional, instalando-se
diretamente no interior do processo, como testemunha e participante de todo o evento
performático. Desse modo, pretendi testar o limite tênue entre o que se pode ser criado
dentro de uma ficção e realidade, entre verdade e representação, num jogo teatral que
confundisse o espectador (VILELA, Didi. É Homem? É Mulher? Reticências. Disponível
em: http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 20 de junho de 2011).
O engajamento de Vilela foi baseado nas formas de promoção e de
percepção de seu corpo real frente o público. Tanto que os espectadores contemplavam
a cena de seu banho na fonte. Observavam as molduras que este banho criava,
percebiam os desenhos feitos deste corpo no espaço. Sendo assim, os transeuntes que
caminhavam em frente ao Palácio das Artes, deslocavam a sua trajetória cotidiana para
olhar um novo enquadramento daquele local. Muitos espectadores paravam,
contemplando os detalhes da cena que se apresentava.
Debord (1997) afirma que estamos em um mundo de falsas aparências, e a
partir disto, devemos produzir materiais através da vida real. Perante tal afirmação,
pode-se considerar que a experiência proposta por “É homem? É mulher? Reticências.”,
foi elaborada a partir dos acontecimentos reais da rua, envolvendo-se em um constante
processo de interação com os materiais que os espaços públicos continham, uma vez
que “a categoria do novo teatro não é apenas de ação, mas de situação” (LEHMANN,
2007, p. 113).
A apropriação de materiais feita por Vilela tais como cigarros e latas, foi
com o objetivo de auxiliar a construção do seu corpo, aumentando as possibilidades de
leitura sobre o mesmo2. Com isto, Vilela demonstrou-se aberto aos materiais que eram
oferecidos pela rua, e a descoberta de novos objetos o motivava a dar continuidade à sua
trajetória.
O repertório de situações dadas naquela noite por Vilela foi responsável pela
acentuação da proximidade com os espectadores. Em certos casos, tais como o caso do
mendigo, os espectadores não sabiam que eram participantes de um experimento cênico.
O mendigo, por exemplo, acreditava naquela possibilidade de vida, criada pelo corpo do
performer. Portanto, pode-se dizer que o mendigo participava da realidade da cena, um
ser ativo de sua proposta. Desnudado dos princípios do teatro, o mendigo era consciente
apenas do diálogo estabelecido entre ele e Vilela, em que ambos eram confessores e
testemunhas.
Sendo assim, Vilela fez um ato de doação de si a um ser desconhecido,
desarmando-se de seus medos para prontificar-se à escuta de outro corpo, absolutamente
diferente do seu. Um corpo social que, geralmente, passa despercebido aos olhos
habituais. Enquanto Augusto Boal fala sobre a necessidade de “re-humanizar o
espectador” (BOAL, 2008, p. 236), pode-se dizer que este experimento foi uma
tentativa de humanizar também os sentidos do ator. Pode-se dizer ainda que o
pesquisador alterou a sua corporeidade, afetada ao ouvir o outro, uma atitude difícil e
um tanto descompassada ao ritmo frenético da contemporaneidade. Durante o diálogo
entre ambos, o procedimento atingiu certa ruptura no tempo, pois este se dilatou em
meio a uma velocidade acelerada e diária. Uma experiência sensível, realizada de forma
individualizada em meio ao caos e a massificação urbana.
Dentro desta perspectiva, surgiu uma grande questão no Agrupamento:
“qual o limite que Vilela iria explorar?” Obviamente não houve a idéia clara das
barreiras que Vilela deveria impor sobre seu procedimento. Tanto que este quase foi
beijado pelo morador de rua. O risco de uma aproximação tão direta poderia por em
risco a sua integridade física durante o processo.
Foi uma experiência única, ver de perto o feminino na margem, ou melhor, o SER
HUMANO na margem de tudo. Trabalho de muita coragem do Didi, que pode gerar
violência e reações inusitadas. Fiquei o tempo todo tenso e um pouco decepcionado com
2
A lata foi utilizada para auxiliá-lo a banhar-se na fonte, e os cigarros foram para ele fumar durante a
caminhada.
tanto horror à DIFERENÇA. (DOMINGOS, Clóvis. Novos procedimentos. Disponível em:
http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 20 de junho de 2011).
A experiência do real, dada por Vilela, foi baseada no desnudamento deste
ator perante a proposta. Tendo a idéia do “Teatro pós-dramático” como um teatro ligado
ao campo experimental, Vilela desejava sentir medo, solucionar imprevistos, para que
assim, mudasse formas de percepção sobre a sua atuação: “Aquilo que produzi tinha a
ver com a minha vontade de enfrentar as minhas limitações pessoais” (VILELA, Didi. É
Homem? É Mulher? Reticências. Disponível em: http://www.obscenica.blogspot.com.
Acesso em: 21 de junho de 2011).
O encontro dos corpos que transitavam pelas ruas era mais importante para
Vilela que a preocupação com a sua integridade física. Segundo o performer, em
depoimento no blog do Obscena, a composição da rua seria potente a partir do momento
que ele não racionalizasse, mas agisse. Esta questão permanece em investigação. A
proposição de seu corpo atuante nas ruas deu um sentido aberto à sua proposta. Sendo
assim, Vilela experimentou seguidas vezes este procedimento, buscando um
relacionamento físico com outros espectadores. Gerou assim, um processo de
autoconhecimento atoral, ainda em constante investigação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O procedimento analisado acima não configura em uma concepção de um
produto encerrado, pois este esteve em constante movimento: “A arte contemporânea
não propõe ao espectador uma reflexão conclusiva, como uma síntese, mas, sim,
analítica” (DESGRANGES, 2003, p. 151).
Tal procedimento sofreu metamorfose ao longo dos anos, ampliando o
espectro da pesquisa do Agrupamento. Sendo assim, as criações do Obscena foram
amadurecendo com o tempo de investigação, fazendo com que desaparecessem certas
dúvidas, surgindo novas questões ao Agrupamento. Diante de tais apontamentos, podese
dizer que a poética da construção artística do Obscena esteve e está em constante
trânsito, assim como os espectadores transeuntes. O Agrupamento nunca vislumbrou
emoldurar as pesquisas como um quadro intocável, mas sim, traçar caminhos de
verticalização contínua.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido. 8 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
CABRAL, Biange. O espaço da pedagogia na investigação da recepção do espetáculo.
Sala Preta. São Paulo, n.8, p. 41-48, 2008.
COHEN, Renato. Performance como linguagem. Perspectiva: São Paulo, 2002.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
DESGRANGES, Flávio. A pedagogia do espectador. São Paulo: Hucitec, 2003.
HEEG, Gunter. Transit existence: a contemporaneidade do teatro. In: GARCIA, Fátima
S. Silvana (Org.). Próximo Ato: questões da teatralidade contemporânea. São Paulo:
Instituto Itaú Cultural, 2008. p. 49-69
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. Tradução de Pedro Süssekind. São
Paulo: Cosac Naify, 2007. 440 p.
SOLER, Marcelo. O espectador no teatro de não-ficção. Sala Preta. São Paulo, n. 8, p.
35-40, 2008.
SITE CONSULTADO
AGRUPAMENTO independente de pesquisa cênica “Obscena”. Espaço virtual de
divulgação da produção teórico-prática de artistas pesquisadores. Disponível em:
http://www.obscenica.blogspot.com. Acesso em: 20 de junho de 2011.