Comecei por esses dias a leitura de um livro
muito interessante: "O CHOQUE DO REAL - estética, mídia e cultura”, (Rocco,
2007) da Beatriz Jaguaribe, que é professora da Escola de Comunicação da UFRJ.
O livro nos convida "a explorar como novos códigos do realismo produzem
versões contrastantes da realidade social. Nestas produções, as fronteiras
entre realidade e representação, ficção e vivência, imaginação e evidência
tornam-se porosas e negociadas".
Lembrei-me hoje dessa instigante leitura quando
estava no ônibus à caminho do trabalho. Escutava a conversa entre dois
moradores do meu bairro, que atualizavam os últimos fatos e acontecimentos.
Eram narrativas de violências e crimes (ocorridos no bairro) que ambos ficaram
sabendo pelas redes de televisão. E assim iam reproduzindo o que haviam visto e
escutado (via operações midiáticas) e concordando com o fato de que a cidade é
muito violenta e perigosa e que não há possibilidades de segurança e proteção.
O homem chegou a afirmar: "a realidade está feia". Depois a mulher
disse que por isso prefere ficar bem quieta dentro de casa e longe dos perigos,
dos assaltos e das pessoas. O homem respondeu: "você está certa!"
Pude concluir a força dos discursos e estratégias midiáticas que produzem a
desconfiança sobre os outros e a recusa de se ocupar e vivenciar os espaços
públicos e abertos. Diminui-se assim a possibilidade de trocas, con-tatos e
encontros humanizadores.
Para JAGUARIBE (2007:101): "nos cenários de
incerteza urbana minados pela violência e cultura do medo, a produção de
retratos contundentes da realidade em viés realista funciona como uma pedagogia
do real e da realidade que potencializa narrativas de significação em tempos de
crise”.
Já na página 102: "defino o choque do real,
como sendo a utilização de estéticas realistas visando suscitar um efeito de
espanto catártico no leitor ou espectador. (...) O impacto do choque decorre da
representação de algo que não é necessariamente extraordinário, mas que é
exacerbado e intensificado. São ocorrências cotidianas da vivência
metropolitana tais como violações, assassinatos, assaltos, lutas, contatos
eróticos, que provocam forte ressonância emotiva".
Considero uma perda significativa de experiência,
ficar restrito e fechado dentro de casa, quando se pode SAIR, PASSEAR, CONHECER
LUGARES E PESSOAS, ENFIM, QUANDO SE PODE CAMINHAR POR UMA CIDADE E SE DEPARAR
COM SUA HETEROGENEIDADE E SEUS MOVIMENTOS.
Acredito que não acessamos o real, mas podemos
acessar diferentes fragmentos de realidade, isso no sentido, de percepções. E
que muitas vezes são subjetivas, antes de serem coletivas. Mas nunca absolutas
e sim, despedaçadas. E interessante que essa dada realidade que tentam nos
fazer acreditar nela, se produz a partir de um IMAGINÁRIO MIDIÁTICO (Nina falou
disso uma vez no Obscena). Nos contam uma história e acreditamos nela, muitas
vezes, sem nenhuma ação crítica.
Toda essa discussão me apaixona muito, por trabalhar
artisticamente nas ruas (propondo exercícios poéticos e de desorientação) e
como cidadão, por usufruir dos espaços públicos e estar sempre encontrando
pessoas encantadoras e lugares prazerosos. Afirmar que a cidade é violenta,
para mim, trata-se de um equívoco. Podem acontecer fatos violentos sim (há
complexidades infinitas em qualquer acontecimento e que demandam análises mais
demoradas e responsáveis), e que merecem discussões sérias e medidas de
prevenção e combate, mas, porquê não escutamos notícias positivas e afirmativas
da cidade na qual vivemos?
5 comentários:
Parabéns pelo texto.
Reflexão oportuna.
Penso tbm que precisamos habitar a cidade (suas ruas) de arte. Pq acredito mesmo que "a arte pode nos salvar".
Na literatura, há poesias e crônicas construídas a partir da realidade - do que o autor dela extrai de beleza e delicadeza.
Um abraço.
Viviane.
Gostei muito do seu texto. Tomarei a liberdade de compartilhá-lo no meu Facebook, sim?
Ei, brother,
belíssimo texto e muito importante essa discussão agora. É bacana poder pensar sobre essa "velha senhora" - a (nossa) cidade - também pelo viés do convívio, do prazer, do que ela com certeza tem de bom.
Ei Cró! Tenho assistido muito TV ultimamente e de fato os telejornais preocupam-se ostensivamente em reproduzir assentar a violência urbana, sim, ela existe, mas a maior parte da população é composta por pessoas que estão interessadas na paz, então por que não intensificar a ação destas ao invés daquelas outras que dedicam-se ao crime? Creio que há notícias que devem ser propagadas sim, mas somente a propagação das mesmas não é o bastante, este movimento só gera na população o medo e a incerteza diante do outro, afasta as possibilidades de 'con-tato' como vc menciona e, nos torna cada vez mais hostis. Eu mesma me pego às vezes duvidando dos que me rodeiam, amedrontada ao invés de impulsionada a vivenciar e explorar a cidade como meu local de moradia e pertencimento... enfim, reflexões preciosíssimas!
Caríssimos comentadores dessa postagem, primeiramente, obrigado pelas trocas e percepções. Isso é só um início de conversa. Se pensarmos como cada um de nós se relaciona com a cidade, penso que já estamos ganhando muito. Uma ilusão é acreditarmos que os espaços estão PRONTOS e instituídos. Espaços são construídos, e mais por carne e gente, que pela arquitetura, ou blocos de pedra. A ideologia de uma cidade violenta não nos deixa tecer redes de solidariedade e senso de comunidade. Assim estamos juntos de outros corpos perambulando pelas ruas, mas não irmanados, pelo contrário, às vezes mais nos sentindo SOLITÁRIOS e invisíveis.
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