MANEIRAS DE FAZER pretende ser um espaço de conversas e trocas com grupos de pesquisa cênico-performática. Desejo de ampliar a rede artística. A estreia é com o grupo de pesquisa TRANSEUNTES da Universidade Federal de São João/MG. Fiz o convite ao pesquisador e professor do Curso de Teatro da Universidade, Marcelo Rocco, que também participou por muitos anos do Obscena.
Para saber mais: www.transeuntesperformance. blogspot.com.br
A seguir publico nossa conversa:
1- Como é
realizar ações cênico-performáticas numa cidade histórica?Como
ela influencia na criação de ações? O espaço também
performaria? Pergunto isso porque penso que a própria arquitetura
histórica já se apresenta como uma intervenção na paisagem
urbana.
Esta questão é
muito interessante, uma vez que a própria paisagem torna-se cenário
para a ação. Estamos, neste momento criando uma ação sobre
“vitrinismo nas lojas”, e a arquitetura de SJ nos ajudou
facilmente para esta ação, para a construção do Luxo. No entanto,
como cidade histórica, os cidadãos e os turistas, encaram certas
ações como "teatrais", no sentido convencional e com
aplausos no final, nos forçando, em muitos momentos, a trabalhar em
outros locais que não carregam a "carga" histórica na
paisagem urbana. às vezes, fazemos ações espalhadas pela cidade
para causar um estranhamento ao transeunte, não ficando tão clara a
noção de performance.
2-
Quais têm sido os procedimentos de pesquisa do grupo? Como
vocês funcionam? Onde se encontram? Quantas vezes por semana?
Nos encontramos duas
vezes por semana, seria muito interessante você ter facebook (talvez
não tenha por razões políticas), pois te colocaria no nosso grupo,
lá postamos diariamente nossas ações, fotos, etc. Inclusive, meu
projeto de Doutorado paira sobre a diferenciação entre cidade
histórica e metropolitana quanto às ações performáticas, vou
descrever abaixo alguns procedimentos do grupo, aliás,
muito influenciado pelo Obscena:
(esta foi a primeira ação do
grupo em 2012)
Procedimento
“Corpo-espera”
Descrição
do procedimento:
Performers com vestes coloridas e partes dos corpos pintados ficam
imóveis em meio ao centro de São João Del Rei. Todos os performers
aguardam algo. Mas, o que esperam?
Diálogo
com o público: O
teatro ainda pode incomodar? Esta pergunta foi o mote inicial da
pesquisa que gerou o procedimento em questão. Em meio às amplas
conceituações relativas à Performance Artística, ou Performing
Art,
estudadas pelo grupo, houve certos denominadores em comum que
interessavam a este como objeto de estudo, tais como: O incômodo e a
provocação que a performance pode gerar. Este procedimento
artístico-performático provocou: “Então,
corpos parados são corpos artísticos? Isto é arte? Falta do que
fazer. Bando de loucos” (extraído das anotações do caderno do entrevistado).
Estas foram algumas das definições ouvidas pelos performers e pelo
autor do presente texto durante a apresentação de “Corpo-Espera”,
pois os transeuntes necessitavam enquadrar aquilo que viam em algo
aceitável ao olho nu, ou seja, algo que fosse inserido na
padronização comum que usualmente damos às pessoas, objetos e tudo
mais que alcança aos olhos. O caos não pode perdurar. Ele deve se
ordenar, se encerrar em um ponto normatizado para o “bem-viver”.
RESULTADOS
E DISCUSSÃO
Os corpos parados
em meio ao calçadão interrompiam, literalmente, o transeunte, pois
este precisava mudar o seu percurso, caso desejasse dar continuidade
aos seus passos, já que os performers estavam próximos uns dos
outros e, de certa forma, atrapalhando a trajetória cotidiana
alheia. Ao ser interrompido por “Corpo-Espera”,
o
espectador pôde decidir dialogar com a obra, ou continuar o seu
caminho. Logo, as intervenções são capazes de deformar as linhas
que definem as cidades, exigindo um novo olhar dos transeuntes. Desta
maneira, entende-se que a cena contemporânea intervindo nas ruas,
apropria-se de interações face a face com os espectadores. Esta
ótica possibilita uma leitura que dilui os limites da teatralidade
para assimilar ao espectador um caráter real.
Sendo assim, alguns
passantes se permitiam ver, outros riam, e outros tentavam entender,
dialogar, perceber o entorno. O cotidiano deixou de ser,
momentaneamente, apenas local de passagem, passando a ser visto sob
outra ótica. As cores reluzentes dos performers atacavam, invadiam
as ruas. Uma performer não se conteve em dar cor apenas às suas
roupas, banhando o seu corpo com muita tinta. Tais cores
ultrapassaram a performer que estava em um estado extra-cotidiano. A
“espera” dos performers contaminava muitos espectadores que, por
vez, resolveram esperar também, pois algo poderia acontecer: “Vai
ser apresentação teatral?” indagou uma senhora. “O que vai
acontecer aqui?” – Perguntou uma mulher curiosa enquanto estava
de mãos dadas com a sua filha, parecendo sair de uma escola formal
(devido ao uniforme usado pela criança). Os performers apenas
esperavam, gerando mais dúvidas nos cidadãos passantes. O lugar da
espera era subjetivo, pois os performers aguardavam múltiplos
acontecimentos. Em um relato posterior à performance, os atores
explanaram, um a um, sobre os motivos individuais criados a fim de
darem motivação à espera: esperando o ônibus, esperando um
homem, esperando a morte, esperando o celular tocar, esperando a
chuva que não vem, esperando um homem sair do caminho. Portanto, o
procedimento “Corpo-espera” propôs uma vivência com o
espectador transeunte através dos corpos dos performers, atuando
fisicamente próximo ao espectador, atingindo o mesmo, não pelo
verbo, mas pela percepção dos sentidos. Com isto, as imagens dos
corpos parados foram geradoras de sensações responsáveis para
manter o espectador próximo, em contato com o procedimento, em um
jogo que também possibilitava o afastamento, o desinteresse, e o
devaneio
(este
abaixo foi o segundo procedimento, ATUALMENTE ESTAMOS TRABALHANDO COM
A TEMÁTICA "CONSUMO" ABANDONAMOS UM POUCO A "MULHER")
Procedimento
“Mulher-Utensílio” (esta proposta foi feita pelas alunas –
mulheres, influenciadas por ongs feministas e sugeri vários textos
do Obscena)
Descrição
do procedimento: Donas de casa realizando suas atividades diárias em
frente ao centro de compras. A ideia da repetição mecanizada das
tarefas cotidianas. A submissão dos corpos femininos frente aos
corpos masculinos. O lugar da mulher: A
mulher que acopla o lar doce lar, a mulher que passa o ferro, passa a
vida, passando a roupa. A mulher de ferro. A mulher que se ferra. A
mulher que limpa e sorri. A mulher que apanha e sorri. A mulher que
dá e sorri. Coisa de mulher. Mulher coisa. A mulher moderna que
trabalha fora, que faz o seu varal. A mulher que não gosta do que vê
no espelho.
Diálogo
com o público: As atrizes performers posicionavam-se em frente à
loja de eletrodomésticos denominada “Ricardo Eletro” (região
central de São João Del Rei). Cada mulher em seu nicho dava início
às atividades cotidianas das donas de casa: lavar, cozinhar, varrer,
bordar, depilar-se, entre outras atividades escolhidas previamente
pelas performers. A ideia inicial era causar um estranhamento nos
espectadores frente à repetição das ações, transformando as
figuras femininas em “seres coisificados”, mecanizados pelo dia a
dia. Tal ideia pareceu funcionar. A rua como lugar vivo, possuía um
conjunto de signos que não parava de circular: Promoções, compras
e vendas, anúncios, barulho ininterrupto, etc. Tal vivacidade
colaborava com as características de parte daquela cena que, por sua
vez, buscava peculiaridades flexíveis e multifacetadas, dando um
sentido aberto à proposta, na comunhão de vozes com o espectador.
Sendo assim, rapidamente, os transeuntes paravam ao redor da
performance, curiosos pelo decorrer das cenas abertas. Naquele dia, a
região central estava com um grande fluxo de cidadãos passantes,
devido ao “dia das mães”, que proporcionava grande circulação
de pessoas e produtos. Os funcionários de diversas lojas saíam para
prestigiar (ou desprestigiar) o procedimento. Em frente às lojas em
que a performance decorria, um funcionário resolveu aumentar o
volume musical de um aparelho de som, cujas músicas eram de origem
eletrônica, ampliando a atmosfera perturbadora e caótica das cenas
que se seguiam. Os eletrodomésticos em frente às lojas, bem como os
preços promocionais dos produtos, auxiliaram na construção
cenográfica da “Mulher-Utensílio”, propondo a arquitetura da
cidade como lócus privilegiado do fazer artístico.
Tal arquitetura proporcionou o acolhimento do espectador transeunte,
em uma articulação entre os cenários oferecidos pela cidade e o
procedimento em questão, buscando criar novas molduras espaciais no
centro urbano, objetivando assim, a troca de experiências entre a
cena e o espectador, na fala de Grotowski O
teatro é tudo que ocorre entre o espectador e o ator (GROTOWSKI, Jerzi. Em Busca de um teatro pobre).
As ações totalmente atípicas para um espaço público, como os
fazeres domésticos, causaram um estranhamento ainda maior com a
entrada dos performers masculinos a fim de submeterem as mulheres em
situações vexatórias, colocando-as em posições domesticadas, em
um intenso jogo das questões privadas e públicas, forçando uma
reação dos transeuntes, formatando, assim uma resposta dos mesmos.
Frente às constantes humilhações em que as performers se faziam
passar, alguns
espectadores tentaram um contato corporal
com
as artistas, visando entender, ainda que sob o olhar conteudista,
aquela cena. Porém, não obtiveram respostas conclusivas por parte
das performers.
Durante as repetições das ações performáticas, a
maioria dos transeuntes ficava ao redor da cena, ora acompanhando com
olhares, ora caminhando na mesma direção, provavelmente instigados
pelo desfecho daquela ação. As atrizes provocavam os olhares
masculinos, desejavam ser vistas, eram expostas às situações de
humilhação. Algumas pessoas riam, outras ficavam um pouco irritadas
com a interrupção abrupta do cotidiano. Restava então a pergunta:
Por que a maioria apenas observava? Faltava mais força à
performance? Ou os transeuntes entendiam que aquilo era teatral e,
com isto, colocavam-se na posição de contempladores? Estas
perguntas são investigadas até hoje pelo grupo em constante
processo de descoberta, não obtendo uma resposta conclusiva, mas
sim, analítica.
3-
Como vocês pensam a aproximação entre artes cênicas e
artes visuais/urbanas? Seriam práticas híbridas? Ainda
estaríamos de alguma forma fazendo teatro na rua ou desejamos
outras formas de provocações e interrupções? Como
escapar de ações "espetaculares" que facilmente seriam
chamadas de "isso é teatro"? Ou tal questão não importa
para a pesquisa de vocês?
Pode-se
dizer que a rua exige uma corporeidade intensiva por parte dos
performers, além de múltiplas práticas, que posso afirmar serem
híbridas, mesmo porque, no grupo, há arquitetos, jornalistas,
cenógrafos, ou seja, o grupo já começou extrapolando o caráter
teatral. A experiência de expor o próprio corpo no espaço público,
através de novas relações artísticas, explicita o campo de
aproximação física entre a obra e a quem ela se refere.
2 comentários:
que massa, clóvis, essa entrevista! estava aguardando esse material ansiosamente!
Caro Marcelo, gostei muito da entrevista! Vejo que de alguma forma você continua agora no doutorado e no grupo de estudos, a tua pesquisa sobre a intervenção do transeunte na ação urbana.Tema presente na tua dissertação de mestrado que li e gostei muito!O próprio nome TRANSEUNTES reflete isso e todos somos transeuntes e transitamos pelo espaço público.
Achei as ações pesquisadas muito instigantes, quero um dia visitar vocês e acompanhar o trabalho!As questões de como incluir o transeunte da cidade na proposta artística é sempre um desafio, né? Como tirá-lo da contemplação e levá-lo a uma atuação e intervenção de fato na obra? Só pesquisando mesmo na prática.
Deu vontade de experimentar aqui a ação CORPO-ESPERA, achei muito interessante. Esperar é um ato de atenção e percepção fortíssimo! O que pode acontecer? Nessa espera, como nos abrirmos ao acaso e ao inusitado e não produzir uma presença tão ativa e talvez mais receptiva? Ou então: como sermos agidos pelo espaço e pelas pessoas
Bom ver você pesquisando e criando agrupamentos artísticos, grupos de pesquisa cênica, criando um outro olhar e relação dos teus alunos-artistas com a cidade que vocês habitam!
Um abraço forte e obsceno,
Clóvis.
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