"Em tudo o que tocava
Deixava sua marca registrada:
Uma estrelinha cor de maravilha
Fúcsia, bordô
Ninguém sabia o nome daquela cô..."
(Filó, a fadinha lésbica- Bufólicas)
"Teve, bem antes do que deveria, de casar-se com uma mulher da vizinhança, que lhe deu um filho bem mais depressa do que era conveniente. Essa travessura o levou a tentar a sorte em Londres. Tinha, ao que parece, gosto pelo teatro; começou segurando cavalos à entrada do palco. Logo conseguiu trabalho no teatro, tornou-se um ator de
sucesso e viveu no centro do universo, encontrando
todo mundo, conhecendo todo mundo, praticando
sua arte nos tablados, exercitando o espírito humorístico nas ruas e até ganhando acesso ao palácio da rainha.
Enquanto isso, sua extraordinariamente dotada irmã, suponhamos, permanecia em casa. Era tão audaciosa, tão imaginativa, tão ansiosa por ver o mundo quanto ele. Mas não foi mandada à escola."
"Pegava um livro de vez em quando, talvez um dos de seu irmão, e lia algumas páginas. Mas nessas ocasiões, os pais entravam e lhe diziam que fosse remendar as meias ou cuidar do guisado e que não andasse no mundo da lua com livros e papéis. Com certeza, falavam-lhe com firmeza, porém bondosamente, pois eram pessoas abastadas que conheciam as condições da vida para uma mulher e amavam a filha — a rigor, é bem mais provável que ela fosse a menina dos olhos do pai. ..."
("A irmã de Shakespeare", em Um teto todo seu - Virginia Woolf)
"Talvez ela rabiscasse algumas páginas às escondidas no depósito de maçãs do sótão, mas tinha o cuidado de ocultá-las ou atear-lhes fogo. Cedo, porém,
antes de entrar na casa dos vinte anos, ela deveria
ficar noiva do filho de um negociante de lã da vizinhança. Reclamou como o casamento lhe era odioso, e por isso foi duramente surrada pelo pai.
Depois, ele parou de repreendê-la. Implorou-lhe, em vez disso, que não o magoasse, não o envergonhasse nessa questão do casamento. Ele lhe daria um colar de pérolas ou uma linda anágua, disse, e havia lágrimas em seus olhos.
Como poderia ela desobedecer-lhe? Como poderia partir-lhe o coração? Somente a força do próprio talento levou-a a fazê-lo: fez um pequeno pacote com seus pertences, deixou-se escorregar por uma corda numa noite de verão e tomou a estrada para Londres. Ainda não tinha dezessete anos."
"Judith tinha o mais vivido pendor, um dom como o do irmão, para a melodia das palavras. Como ele, tinha uma predileção pelo teatro. Ficou à entrada de um; queria representar, disse. Os homens riram-lhe no rosto. O gerente — um homem gordo e falador — soltou uma gargalhada. Ele berrou alguma coisa sobre poodles dançando e mulheres representando — nenhuma mulher, disse ele, tinha qualquer possibilidade de ser atriz. E insinuou. . . vocês podem imaginar o quê. Ela não conseguiu obter nenhuma formação em seu ofício. Poderia ao menos procurar jantar numa taberna ou perambular pelas ruas à meia-noite?"
"Apesar disso, seu talento era para a ficção, e desejava com ardor alimentar-se abundantemente da vida dos homens e mulheres... Finalmente — pois era muito jovem e tinha o rosto singularmente parecido com o do
poeta Shakespeare, com os mesmos olhos cinzentos e sobrancelhas arqueadas —, finalmente, o empresário
Nick Greene compadeceu-se dela. Judith viu-se grávida desse cavalheiro e então —
quem pode medir o fogo e a violência do coração do poeta quando capturado e enredado num corpo de mulher? — matou-se numa noite de inverno, e está enterrada em alguma encruzilhada onde agora param os ônibus em frente ao Elephant and Castle."
("A irmã de Shakespeare", em Um teto todo seu - Virginia Woolf)
Filó, a Fadinha lésbica Que à noite virava fera
E peidava e rugia
E nascia-lhe um troço
Fúcsia
Lilás
Maravilha
Bordô
Até hoje ninguém conhece
O nome daquela cô"
7 comentários:
Nossa, Ninon, que relato mais poético e que forma interessante de unir textos maravilhosos com imagens de você na ação...é como se a gente te escutasse falando essas coisas tão fortes e deliciosas. Tempo que volta...eterno presente.
beleza de rouge sang Hilst!
elo
Nina, por várias vezes eu quis ser seu espsctador. Delícias bufólicas.
Nina, deu até vontade de ler esta Hilda Hilst. Ler as suas leituras dela, por sobre as imagens na tela, pinta de imagens os textos.
Deveria ser colaboradora dela. Bjs!!
linda ninon poética provocante!
adoro você rouge!
a idéia era um pouco essa, clovito! tentar materializar a experiência (coisa impossível) daquele dia... o tempo que volta! a hilda é demais mesmo e fomos, fred, espectadores uns dos outros... delícia de ação! também me deleitei com você(s). ah, lica, adoro te ver!
Vendo essa colagem linda, me lembrei de la belle de jour.
la belle rouge.
Acordacordacordacordacordacor...
Postar um comentário